Contribuições da Terapia Ocupacional para a Saúde Mental Infantil
Por: stymachado • 25/3/2021 • Artigo • 5.524 Palavras (23 Páginas) • 348 Visualizações
Contribuições da Terapia Ocupacional para a Saúde Mental Infantil
Styfany Corrêa Batista Machado
“Em um contexto em que o sujeito ‘fazia’, ‘estava’, ‘podia’, o objetivo do Terapeuta Ocupacional é trazer esses verbos para o presente.”
A promoção da saúde mental tornou-se crucial para qualquer sociedade, considerada um sinal de qualidade de vida. Do ponto de vista da saúde mental infantil, a compreensão das etapas de desenvolvimento pela qual se estrutura o psiquismo numa perspectiva de evolução, é fundamental. Segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2012, as crianças e adolescentes representam respectivamente cerca de 30% e 14,2% da população mundial. Nessas populações, são encontradas altas taxas de prevalência de transtornos mentais. Estudos (PATEL, V. et al, 2007; PAULA, C., DUARTE C., BORDIN I.,2007) apontam que a média global da taxa de prevalência de transtornos mentais nessa população foi de 15,8%, essa taxa tende a aumentar proporcionalmente com a idade, sendo que a prevalência média entre os pré-escolares foi de 10,2% e entre os adolescentes, de 16,5%. No Brasil, estudos registraram taxas de prevalência de 7 a 12,7%. Atualmente, estimativas apontam que uma entre quatro a cinco crianças e adolescentes no mundo apresenta algum transtorno mental.
Contextualização Histórica sobre Saúde Mental Infantil
Estima-se que milhões de crianças, no mundo todo, que apresentam sintomas psicopatológicos, não são diagnosticadas e, consequentemente, não recebem atendimento. A falta de relevância da saúde mental na infância e adolescência pode acarretar consequências negativas no transcurso do desenvolvimento do indivíduo, afetando a capacidade produtiva e a inserção social desses quando adultos. Assim, a saúde mental infantojuvenil tornou-se uma questão prioritária nas diretrizes da Organização Mundial de Saúde (World Health Organization [WHO], 2003) em função da desigualdade da atenção dedicada a esta faixa etária, quando comparada à atenção dada às etapas de desenvolvimento de adultos e idosos.
Segundo Outeiral (2008), a preocupação com as questões da saúde mental infantil é recente. A “infância”, como período evolutivo com necessidades específicas, é uma invenção da modernidade, tendo cerca de 150 ou 200 anos. Já o conceito de adolescência é ainda mais recente, sendo desenvolvido entre o final da Primeira Guerra Mundial e o inicio da Segunda, ou seja, entre 1918 e 1939. Até então, se considerava que o indivíduo passava da infância à idade adulta.
Somente no início do século XX é que se deu ênfase ao estudo sistemático da psique da criança, evidenciando esforços para detalhar as sequências de estágios para aquisição de vários tipos de comportamento na infância. Mas, a atenção para a doença mental e para o desequilíbrio emocional só foi despertada após a II Guerra Mundial.
Segundo Couto (2001), o caminho trilhado no campo da saúde mental infantojuvenil ao longo do tempo, conheceu movimentos diferentes para sua consolidação no que se refere aos projetos políticos e ao contexto de interesses e premissas, em contrapartida da história da saúde mental do adulto. No cenário internacional, com importantes repercussões no Brasil, as bases teóricas da psicopatologia da infância e adolescência derivavam de duas correntes principais, o chamado adultomorfismo, que transpunha para este grupo populacional as mesmas considerações sobre a psicopatologia do adulto, como aponta Reis e colaboradores (2010), e outra, que se detinha pela descrição dos processos de incapacidade e deficiências intelectuais.
Neste período, em relação aos adolescentes delineou-se o construto do jovem delinquente e, além desta categorização psicopatológica da delinquência, referiam-se como diagnósticos próprios das crianças e adolescentes a idiotia, a debilidade e a imbecilidade (REIS et al., 2010; COUTO, 2001; RIBEIRO, 2006).
No entanto, através de um estudo descritivo do funcionamento de uma criança autista nos Estados Unidos da América (EUA) realizado por Leo Kanner, em 1943, efetivou-se uma ruptura fundamental na constituição do campo da psicopatologia infantojuvenil, inaugurando de forma mais precisa a Psiquiatria Infantil. Em seu estudo, Kanner detalha uma problemática eminentemente infantil, considerando que as crianças não possuíam os mesmos modos de funcionamento afetivo e psicológicos que os adultos (REIS et al., 2010).
No Brasil, o que se percebe é que as ações à saúde das crianças e adolescentes, incluídos também os aspectos relativos à saúde mental, acompanharam o plano político, ideológico e social do país. Após sua independência, as primeiras ações destinadas à saúde mental infantojuvenil surgem conjuntamente com as primeiras iniciativas neste campo para os adultos, em 1832 com a inauguração do primeiro hospital psiquiátrico do país, o Hospital D. Pedro II, no Rio de Janeiro. Neste período, e em decorrência de tal inauguração, foram realizados os primeiros estudos e teses brasileiras no campo da psiquiatria (COSTA, 1983; RIBEIRO, 2006).
A assistência à infância e adolescência no Brasil esteve marcada por ações de proteção que culminaram em reclusão e institucionalização com evidentes situações de privação de direitos e liberdade. Instituições filantrópicas eram as principais responsáveis pelo cuidado desta população que além de ações restritivas, continham forte apelo jurídico (COUTO, 2001; HOFFMANN; SANTOS; MOTA, 2008). Parte destas ações traduzia uma concepção sobre estas fases da vida humana, recusando o transtorno mental infantil enquanto uma condição de existência. Os eventos de sofrimento e adoecimento psíquicos eram atravessados por diagnósticos de deficiência mental, que, para a concepção deste período, necessitavam de reparação e demandavam práticas de caráter pedagogizante e adaptativo, negligenciando as dimensões subjetivas e até mesmo sociais da experiência de sofrimento. Grande parte das ações em psiquiatria infantojuvenil se direcionava, por conseguinte, ao diagnóstico e intervenção nos déficits de aprendizagem e ao distúrbio de conduta (COUTO, 2001; REIS et al., 2010).
No Brasil, essa visão intervencionista no atendimento a população infantojuvenil perdurou até meados da década de 70, período marcado por um movimento de redemocratização do país. A crítica às práticas das instituições asilares encontrou ressonância e motivação junto a esses movimentos de redemocratização, e teve como desdobramento os primeiros movimentos que posteriormente resultaram na Reforma Sanitária (BALLARIN; CARVALHO, 2007).
Apesar das relevantes transformações no campo da legislação ocorridas na década de 1990, para atendimento às necessidades dessas populações, entre elas o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), percebe-se que estes novos modelos propostos para estes indivíduos, encontraram dificuldades de execução em iniciativas concretas para esta população. Assim, as crianças e adolescentes enquanto sujeitos de direito que tem assegurados, para o pleno gozo de suas demandas essenciais, previsões como saúde, educação, lazer, moradia, convivência familiar, encontram ainda limitações ao acesso pleno a esses bens jurídicos (COUTO, 2001).
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