A PROGRAMA AVANÇADO EM GESTÃO PÚBLICA CONTEMPORÂNEA
Por: ANALAURADB • 31/5/2021 • Artigo • 3.589 Palavras (15 Páginas) • 94 Visualizações
PROGRAMA AVANÇADO EM GESTÃO PÚBLICA CONTEMPORÂNEA
Abrindo a Caixa Preta do Estado: A Economia Política da Informação
Marcos Fernandes Gonçalves da Silva[1]
Há uma tendência de aproximação entre a ciência econômica, a administração pública e a ciência política que está gerando uma série de novos e importantes resultados para a análise do governo, de problemas relacionados à ação de grupos de pressão na máquina pública e da corrupção. A chamada Nova Economia Política (NEP), que engloba desde os novos campos da Nova Economia Institucional (NEI) até a teoria da Escolha Pública (EP) ou Economia Constitucional (EC), fornece conceitos e modelos para a teoria dos contratos e para a teoria econômica do direito e da análise das leis.
O objetivo deste artigo é mostrar que a escolha democrática e, portanto, o Estado e o governo democráticos, possuem falhas que abrem espaço para a separação entre o público e o estatal, entre os interesses de grupos de pressão e os interesses "coletivos", os quais são, em verdade, hipotéticos. Por exemplo, o aparecimento de ineficiência e da corrupção na máquina pública está associado ao fato de que não podemos falar, a rigor, em administração gerencial pura dentro do Estado, ao custo de ingenuamente supor que as estruturas de incentivo com as quais deparam-se burocratas, políticos e os agentes privados que agem sobre a máquina pública possam ser comparáveis às estruturas de mercado.
Para mostrar como as escolhas públicas são intrinsecamente falhas e que, naturalmente, admitem ineficiência e corrupção ocasional[2], farei uma apresentação da visão implícita ao conjunto de abordagens da NEP para, em seguida, indicar sua relevância no estudo da gestão pública. Usarei sempre o exemplo da corrupção por representar um caso clássico de disfunção gerencial. As principais questões que buscarei responder são:
- O agente público, burocrata ou político, pode ser comparado ao agente privado que atua em organizações privadas?
- As escolhas e decisões públicas possuem a mesma natureza das decisões privadas?
- Podemos imaginar um modelo de autonomia burocrática aos moldes da autonomia relativa de decisão de um burocrata do setor privado?
As escolhas públicas não são estritamente técnicas ou gerenciais. Não há neutralidade das decisões públicas no que se refere aos interesses de grupos de pressão dentro e fora do Estado. Por exemplo, a elaboração e gestão de um orçamento público é um processo técnico (contábil e financeiro) e político. A desconsideração desse fato pode implicar diagnósticos inadequados e formulações legais e institucionais que podem abrir espaço, como bem ilustra a história recente do Brasil, para o aparecimento, por exemplo, de corrupção no orçamento. Isto é, a elaboração de um arcabouço legal-constitucional para nortear o processo orçamentário deve considerar a natureza política do mesmo, pelo menos se o objetivo das leis e instituições é controlar o desvirtuamento do orçamento; outro exemplo: a análise das compras de obras de engenharia e de bens e serviços pelo governo deve, da mesma forma, levar em consideração que as escolhas públicas possuem um caráter especial, qual seja, elas são sujeitas a critérios políticos.
Portanto, há uma dimensão política das decisões públicas, gerando potencialmente a impossibilidade de um Estado gerencial puro e a necessidade de controle rigoroso sobre as decisões dos agentes públicos. Para explicar este fato usaremos alguns conceitos de teoria econômica aplicada ao estudo das organizações.
A economia tem ampliado seus limites para além de seu objeto tradicional, qual seja, o estudo da formação de preços. Ela é também um método de análise aplicável a outros domínios das ciências sociais, como a sociologia, a política e a teoria das organizações públicas, não públicas e públicas não estatais.
A ciência econômica pode ser entendida como o estudo dos processos de escolha condicionadas por restrições. Sempre que há uma escolha com restrição surgem escassez e custo de oportunidade, que são os dois conceitos econômicos fundamentais dentro da teoria da escolha racional. A ciência econômica pode, inclusive, ser definida genericamente, como o faz Robbins (1935), enquanto o estudo das escolhas limitadas a restrições.
A descrição da visão econômica da política e das escolhas individuais e coletivas será o ponto de partida para a minha apresentação de uma visão geral de análise dos processos de produção de bens públicos puros e semi-públicos.
O fundamento da teoria econômica da política é a teoria da escolha racional. A noção de racionalidade em economia pressupõe os conceitos de preferências, ordenações transitivas e maximização condicionada por restrições. Considere-se o seguinte exemplo: um processo de escolha pública envolvendo consecução de algumas obras públicas, no qual o agente público depara-se com três opções de alocação do recurso público (três obras de engenharia diferentes) denominadas 1, 2 e 3. Suponha que a sociedade tenha revelado suas preferências – por meio do voto– ao político/burocrata e que este as explicita da seguinte forma: o projeto 1 é preferível ao 2, que é preferível ao 3. A racionalidade da escolha pública, a qual se revela, por hipótese, idêntica à da sociedade, depende da transitividade das preferências; isto é, o burocrata, se racional, deve também preferir 1 a 3.
As ordenações de preferências do agente individual privado dependem, a princípio, dos incentivos implícitos a um conjunto de regras, normas, leis e instituições e dos valores e ideologias. Por exemplo, há alguns anos atrás muitas pessoas colocavam fora de seu espaço de escolha de bens de consumo tudo que se relacionava à África do Sul. Por trás de uma ordenação de preferências há um sistema de valores e crenças. Se alguns agentes têm suas ordenações determinadas por crenças que podem ser consideradas absurdas –devido à ignorância ou à superstição – isto não caracteriza suas ordenações de preferências e suas decisões, portanto, como irracionais: de gustibus non est diusputandum, ou simplesmente, gosto não se discute. Na teoria da escolha racional, as preferências são formadas exogenamente e conforme as crenças e valores dos indivíduos. O predicado de racionalidade da teoria apenas exige, por necessidade lógica, ordenações e decisões consistentes, ou seja, a escolha racional pede somente, deste ponto de vista, consistência entre crenças e ação.
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