Resenha "A Cidade e a Criança"
Por: Patricia Cruz • 23/10/2017 • Resenha • 1.586 Palavras (7 Páginas) • 498 Visualizações
LIMA, Mayumi Souza. A Cidade e a Criança. São Paulo: Nobel, 1989 – Coleção Cidade Aberta.
Nascida no ano de 1934 no Japão, Mayumi Watanabe de Souza Lima é naturalizada brasileira em 1956. A arquiteta formou-se na Universidade de São Paulo, e realizou uma série de trabalhos em conjunto com importantes nomes da arquitetura nacional, como Lina Bo Bardi e Vilanova Artigas. Durante toda a sua carreira profissional, Mayumi se dedicou à concretização de projetos que englobassem equipamentos públicos de caráter educacional, voltados principalmente aos jovens e crianças.
Mayumi foi professora em algumas notáveis faculdades de arquitetura do país, dentre elas a UNB (Universidade Nacional de Brasília), a Escola de Engenharia de São Carlos, além de outros locais como Santos e São José dos Campos. É a partir de sua experiência acadêmica, que aprofunda seu contato com o tema da educação nas mais diversas instituições brasileiras, essencialmente no âmbito da criança. Dentre suas principais obras estão os livros “A cidade e a criança” e “Arquitetura e Educação”, em que são identificadas frequentes indagações a respeito da inserção do espalho infantil dentro da sociedade em seus respectivos períodos de desenvolvimento. Em ambas as obras, a arquiteta demonstra sua preocupação com os usuários dos parques e escolas projetados pela mesma.
Além do projeto de escolas públicas espalhadas por todo o país, Mayumi participou da produção de mobiliários escolares e restauração de colégios em estado bastante degradado. É a partir de todo esse esforço em criar espaços destinados ao público infantil cada vez mais adequados e prazerosos, que ela se torna importante referência no tema de arquitetura escolar e na questão dos espaços gerados pela mesma. Em “A cidade e a criança” a autora afirma “Compreender que espaços são oferecidos às crianças e, por sua vez, como essas crianças percebem, captam e utilizam esses espaços é, para nós, uma necessidade cada vez mais intensa” (pg. 12).
O livro foi dividido em cinco partes principais, sendo elas: “Espaço e ambiente ou espaço-ambiente”, “Espaço e poder”, “Espaço construído: para a criança, com a criança, ou da criança?”, “EEPG João Kopke: uma história exemplar” e “A Criança e a cidade”. Na primeira parte, o conceito de espaço-ambiente é apresentado como aquele espaço material com o qual cada indivíduo estabelece relações pessoais por meio das sensações provocadas pelo mesmo. Tais relações podem ocorrer entre os homens, do homem consigo mesmo, ou ainda do homem com o espaço construído, sendo esta última aquela que adquire maior relevância para a arquitetura. A atmosfera criada por espaços que adquirem a condição de ambiente influencia o universo infantil, de modo que suas marcas podem ser notadas até mesmo na vida adulta.
Neste mesmo capítulo, Mayumi ainda apresenta o resultado de uma pesquisa realizada com 27 crianças entre os anos de 1968 e 1976, as quais possuíam o costume de brincar nos pátios de seus próprios prédio e no Clube Pinheiros. A partir dos desenhos de Cátia (8 anos), Ricardo (4 anos), e entre outros, é possível perceber “que o espaço existe para elas na medida de suas ligações efetivas” (pg. 19). Desse modo, se determinado espaço a faz rememorar experiências positivas, ele aparece superdimensionado no desenho da criança, da mesma forma que aqueles associados a situações negativas possuem participação insignificante, ou até mesmo deixam de aparecer na ilustração. Para as crianças em geral o espaço físico isolado se mostra, portanto, inexistente. Diferentemente do adulto que valoriza as dimensões concretas do espaço, com objetivo futuro de venda por exemplo, a visão ingênua dos menores os permite visualizar o espaço-medo, espaço-alegria, assim como os espaços da tão valorizava liberdade.
A segunda parte do livro configura-se como uma continuação da primeira, uma vez que expõe a presença do poder como responsável pela criação dos espaços de opressão. Os dominantes, identificados como os adultos, possuem o poder de se apropriar do espaço e limitar, ou até mesmo excluir o uso para os dominados, as crianças. Para a autora, toda e qualquer estratégia de poder inclui a “destruição da vontade, a quebra de autonomia e de transformação do sujeito em objeto” (pg.32). A criança deixa de ter vontade própria a partir do momento em que é moldada por seus pais adultos para seguir um padrão social pré-determinado por uma força maior, o Estado.
A obediência infantil decorre de diversos processos, desde a repressão a tudo o que pode proporcionar prazer, até a punição para aqueles que demonstrarem esforços para descobrir tal prazer. O espaço tomado como instrumento de poder, funciona de maneira a preservar e fortalecer ainda mais este mesmo poder, o que resulta em uma clara desigualdade de direitos e deveres resistentes até os dias atuais, ou seja, “a superioridade de alguns, ‘naturalmente’ colocados em confronto com a inferioridade dos demais” (pg.37).
É desse contexto que se originam espaços escolares padronizados e padronizadores com o principal objetivo de disciplinar seus alunos e condicioná-los a determinados comportamentos. Como meio de garantir o cumprimento de suas ordens, os adultos aprisionam as crianças em salas de aula de aberturas pequenas e visores de vidro nas portas que os permitem observá-las a qualquer instante. A infância é tratada desde os primórdios como “um estado de desvio a ser corrigido, premiando as crianças capazes de se aproximar mais do comportamento adulto” (pg. 39).
Na terceira parte Mayumi trata da necessidade da construção de espaços produzidos para o uso exclusivo das crianças, uma vez que a cada local que ela tenta se manifestar de alguma forma é rapidamente reprimida por adultos que a controlam. Os espaços públicos aparentemente voltados para o público infantil são fornecidos às crianças em forma de sistemas fechados, “mercadorias a serem consumidas passivamente, que não comporta integrar neles o maravilhoso, o imaginário e o espontâneo” (pg.54). Isto porque, tais espaços não foram produzidos para a criança real, mas sim para aquela que se apresenta como um adulto reduzido, padronizado pela sociedade que o envolve.
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