A “AFFECTIO SOCIETATIS” NAS SOCIEDADES LIMITADAS DE PESSOA E DE CAPITAL
Por: Gislene Gabriel • 14/10/2015 • Artigo • 3.128 Palavras (13 Páginas) • 579 Visualizações
A “AFFECTIO SOCIETATIS” NAS SOCIEDADES LIMITADAS DE PESSOA E DE CAPITAL
Gislene Araújo Gabriel[1]
gislenegabriel@hotmail.com
INTRODUÇÃO
Há muito tempo vem sendo dispensado tratamento especial e diferenciado à sociedade limitada, desde o Decreto n. 3. 708/19, e por isso a doutrina não se definia quanto a sua natureza, existindo assim quem a classificasse como sociedade pessoal, de capital, mista ou especial. No entanto, essa sociedade, de forma mais coerente, consoante às características que apresentar, pode ter o formato de pessoas ou de capital.
Na sociedade limitada, se cada sócio integralizar o que subscreveu no capital social, ou seja, se cada um ingressar com o valor prometido no contrato, os credores não podem exigir nada mais. Por outro lado, de deixarem de ingressar com as cotas que prometeram, pelo valor faltante perante terceiros e a sociedade, existirá solidariedade entre eles.
Para Ricardo Negrão, o elemento que distingue no contrato é a vontade de união, assim como a aceitação de cláusulas comuns e a participação ativa no objeto a ser realizado, por meio da qual os sócios se dispõem a participar da sociedade objetivando um fim comum.
Nas sociedades de capitais, o affectio societatis é pouco preponderante, mas é de extrema importância nas de pessoas.
Segundo de Plácido e Silva, “Para que as sociedades se digam comerciais, não é somente necessário que tomem a forma legal, preconizada pelas leis comerciais. É indispensável que as pessoas que a compõem se tenham unido num objetivo comum de caráter mercantil, tal seja o de explorar um certo ramo de comércio, em interesse comum, isto é, tendo todos o mesmo desejo e intenções de especular ou lucrar”.
Da contribuição pessoal de cada sócio com finalidade comum, ou seja, da affectio societatis, formaram-se as regras que distinguem as sociedades de pessoas, tais como: a solidariedade na sociedade em nome coletivo, o impedimento de uso de fundos em causa própria, a vedação à cessão de cotas a terceiros, sem autorização dos demais sócios, a dissolução por mútuo consenso de todos os sócios e a dissolução por vontade de apenas um sócio.
Assim, segundo Carvalho de Mendonça, a affectio societatis traz como principal característica a colaboração ativa, consciente e igualitária dos contratantes para a realização de um lucro a partilhar.
Será de pessoa a sociedade limitada cujo contrato social estipular cláusula que condiciona a cessão de cotas sociais à anuência dos demais cotistas, ou em que o contrato silenciar sobre a cessão de cotas, mas declarar a impenhorabilidade, ou ainda se o contrato se omitir acerca dessas matérias, estipular que os sócios supérstites decidirão sobre a apuração de seus haveres, caso morra um dos cotistas.
No Brasil, a sociedade poderá praticar a empresa a que se propõe, independentemente de estar ou não plenamente pago o seu capital social, o que ocorre com a sociedade por ações (art. 106 da LSA), pois, no instante em que ocorre a realização do capital social, não é exigido que a constituição da sociedade e a realização do capital aconteçam simultaneamente, visto que pode ocorrer a integralização parcial e a realização fracionada, de acordo com a com a deliberação dos sócios, os quais decidirão acerca da quantia do capital e do prazo de sua integração ou totalização.
Portanto, em resumidas linhas, explicar-se-á a classificação das sociedades limitadas como de pessoas ou de capitais, conforme a maior ou menor importância que confere à affectio societatis.
1 O PRINCÍPIO DA “AFFECTIO SOCIETATIS”
Traduz-se, segundo Bulgarelli, in verbis, affectio societatis por uma afeição societária, ou afeição para sociedade, não por sua afeição emocional, do ponto de vista hermenêutico, mas como animus contrahendae societatis, isto é, como intenção ou ânimo de contrair e manter uma sociedade.
Em latim, de acordo com Faria, o prefixo adf equivale-se ao prefixo aff, de affectio, portanto, deriva de affectio, expressando a ideia de fazer junto ou, ainda, de estar junto para fazer algo. Por isso, utiliza-se a expressão affectio no sentido de estar disposto ou bem disposto. Assim, affectio ad res aliquas refere-se à relação entre coisas, ou seja, objetos, não aludindo a qualquer referência a emoção ou sentimento.
Dessa forma, segundo Mamede, todo contrato corresponde a uma affectio imprescindível, visto que é inerente às suas finalidades jurídica e social, pois é importante salientar que o animus contrahendi implica comportamento coerente das partes contratantes, que devem atender às expectativas da parte contrária, em atenção ao princípio da boa-fé (bona fides) e da função social do contrato. Do contrário, por omissão ou comissão, conforme artigo 187 do Código Civil, compreende como ato ilícito, o que, de acordo com o artigo 927, possibilita o direito do outro contratante ser indenizado.
A affectio societatis, de certa forma, pode ser considerada um elemento subjetivo que origina a sociedade, porém o intuito de unir todos os sócios de forma objetiva será o elo psicológico necessário para constituição da sociedade em comum e sua constituição em sociedade simples ou empresária.
Ademais, a affectio societatis pode ser entendida de duas maneiras: por seu aspecto objetivo e por seu aspecto subjetivo. Pelo aspecto objetivo, longe de qualquer conotação emocional e psicológica, no sentido coloquial e não se relacionando com a ideia de afeição, entende-se como o dever legal de todos os sócios de atuarem a bem da sociedade, consentindo que se realizem as suas funções jurídica, econômica e social. Dessa forma, o Superior Tribunal de Justiça, julgando o Recurso especial 388. 423/RS, afirmou ser
I - Admissível a resolução do acordo de acionistas por inadimplemento das partes, ou de inexecução em geral, bem como pela quebra da affectio societatis, com suporte na teoria geral das obrigações, não constituindo impedimento para tal pretensão a possibilidade de execução específica das obrigações constantes do acordo, prevista no art. 118, § 3º da Lei 6.404/76 (BRASIL, 2001).
Portanto, segundo Mamede, pode-se afirmar que o fim do vínculo societário equivale ao fim da affectio societatis, executando-se, dessa forma, em sentido amplo, as obrigações pós-contratuais.
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