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A Constitucionalização do Direito Civil e União de Pessoas do Mesmo Sexo

Por:   •  16/9/2022  •  Trabalho acadêmico  •  2.685 Palavras (11 Páginas)  •  69 Visualizações

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O fenômeno da constitucionalização do direito civil brasileiro: horizontes mais amplos para um direito mais democrático

O processo de racionalização do direito operado na modernidade, em consonância com o ainda mais amplo processo de racionalização do estado, como preconizado pelo sociólogo Max Weber, despontou numa inédita identificação entre  um e outro, que encontrou no positivismo jurídico kelseniano sua prescrição teórica. Neste contexto, os discursos do estado e do direito passaram a se definir a partir de suas próprias razões, com vistas em sua legitimação. A esta razão de legitimação, respectivamente cabe uma razão crítica, não sendo esta mais que a reflexão avaliativa dos pressupostos e pretensões do processo enquanto exerce seu efeito na vida social.

Fundamental a tal crítica - cujo princípio visa estabelecer critérios para a compreensão do fenômeno em questão – é evidenciar o caráter histórico de todo discurso com pretensão racional, enquanto formulação humana, e circunstancialmente condicionada.

Esta é a compreensão a ser formulada, ao se tratar do chamado “fenômeno da constitucionalização do direito civil”. Este fenômeno pode ser tomado como decisivamente contemporâneo no direito brasileiro: primeiramente devido à sua configuração historicamente recente em nosso ordenamento; e em definitivo devido à sua importância inescapável para todo o sistema jurídico em efetividade e em construção no país; o que motiva figuras eminentes como Luiz Edson Fachin a comparar seus efeitos à “virada de Copérnico” no direito privado; expressão que se reporta a um evento paradigmático na história da ciência, e celebremente referenciado na história da filosofia por Immanuel Kant.

A analogia se explica pelo reordenamento de todo sistema jurídico nacional em consequência deste fenômeno, que impõe situar o texto constitucional e suas previsões, não apenas como norma superior, mas como elemento central do ordenamento, de forma a irradiar seus princípios e fundamentos à todas as demais normas do sistema; tal qual o reordenamento realizado pelo astrônomo Nicolau Copérnico ao propor não mais a terra, mas o sol, como corpo central de nosso sistema, tal como entendemos hoje.

Mas embora recente e contemporâneo, o fenômeno da constitucionalização do direito civil foi (e ainda é) construído historicamente, a partir de contextos que o conduziram e possibilitaram. No direito brasileiro, os eventos paradigmáticos que lhe fomentaram, bem como seus sentidos próprios, podem ser cronologicamente resumidos a partir das codificações civis e constitucionais que remontam ao século passado, e suas ideologias respectivas, até sua consagração no código civil de 2002 e mais ainda, nas resoluções jurídicas desde então efetivadas.

 Para compreender tal processo no ordenamento brasileiro, cumpre considerar a ideologia do Código Civil do ano de 1916, influenciado explicitamente no liberalismo oitocentista, e na compreensão da Escola da Exegese, de interpretação textual do direito.

Neste diploma legal, eram centrais as características da autonomia privada do indivíduo, tomando-o como sujeito de direitos a partir de sua capacidade de titularidade em relações contratuais e patrimoniais.

        O contexto em vigor, dotava o ordenamento nacional de uma forte clivagem entre os direitos público e privado, opondo os interesses do estado aos individuais, aos quais a autonomia do indivíduo devia prevalecer, tendo o Código Civil em voga função exclusiva de tutela de seus contratos, relações e exigências. Assim, todos os institutos tinham no indivíduo autônomo sua razão de direito, incluso a tutela da família.

        Este código, portanto, tinha como sua atribuição principal regular os contratos e propriedades advindas das relações individuais, estabelecendo as regras do jogo, na expressão de Gustavo Tepedino, para segurança de uma sociedade burguesa, pautada no patrimonialismo, patriarcado e ausência da compreensão da função social nas relações tuteladas.

        Ao longo do século, deram-se mudanças históricas, advindas do contexto global com sua economia interligada e necessidade de proteção das soberanias frente a uma conjuntura de polarizações entre nações e crises do liberalismo como ideologia capaz de desenvolver os países frente à esta conjuntura. O que levou ao aprofundamento da presença do estado nos âmbitos sociais nacionais e globais, incluso os ordenamentos jurídicos. Quanto às suas consequências ao ordenamento jurídico, ressalta Tepedino as mudanças na técnica legislativa e consequente incorporação de finalidades sociais.

“introdução, na ordem pública, de valores não patrimoniais, de natureza social, (...), aos quais devem ser funcionalizadas as relações jurídicas privadas, justamente para atender aos objetivos do Estado interventor.” (TEPEDINO, Marchas e contramarchas da constitucionalização do direito privado)

        Este processo acompanhou a complexificação da formação dos estados e relações sociais no século XX, levando a uma progressiva aproximação dos campos de interesses públicos e privados, com progressiva reflexão de tal fenômeno na doutrina e aplicabilidade jurídica. Neste processo, teve-se o que pode ser compreendido como uma funcionalização das relações patrimoniais a valores não patrimoniais, da subjetividade do indivíduo como pessoa, à necessidade de adequar seus interesses ao bem comum. Novamente conta Tepedino:

“A funcionalização das situações jurídicas patrimoniais a valores não patrimoniais, atinentes à pessoa humana e à sua personalidade, torna-se postulado imperativo da ordem jurídica, introduzida pouco a pouco pela legislação especial e consagrada, no caso brasileiro, pela Constituição da República de 5 de outubro de 1988.” (TEPEDINO, Marchas e contramarchas da constitucionalização do direito privado)

        Após longo período de relativa insegurança jurídica, advinda de uma ordem política ditatorial, de poucos compromissos com um Estado Democrático de Direito, teve-se então a progressiva redemocratização do sistema político-jurídico brasileiro, do qual maior evento foi a promulgação de sua nova Constituição Federal, em 1988. Imediatamente esse documento funcionalizou a totalidade do ordenamento, reagrupando-o e estabelecendo valores inéditos, incluindo sua irradiação nos espações antes compreendidos de estrita liberdade individual.

Em conclusão, a Nova Carta Magna brasileira, apelidada então de “constituição cidadã” estabeleceu o que pode ser compreendido como uma nova ordem pública, que teve pretensões de adequar à complexidade social moderna, e avessa à rígida dicotomia entre direito privado e público.

A partir da promulgação da Constituição Federal, novas modificações foram progressivamente se positivando no Direito brasileiro. No âmbito do Novo Código Civil, aprovado em 2002, por exemplo, tem-se um diploma compreensivelmente mais adaptado às novas exigências sociais que o seu predecessor Código de 1916. Mas é sobretudo na sua regência em vistas aos preceitos constitucionais que novas demandas jurídicas podem ser atendidas, e expressões então não reconhecidas no direito podem integrar um ordenamento mais democrático.

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