A IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMILIA
Por: Dmitrius Bangel • 8/5/2022 • Artigo • 4.484 Palavras (18 Páginas) • 79 Visualizações
Exposição
Primeiramente, optamos por fazer breves considerações sobre o princípio da boa-fé, negócio jurídico processual e impenhorabilidade do bem de família, para que, ao fim e ao cabo, possamos dar atenção ao problema do caso, no que diz respeito ao negócio jurídico e a impenhorabilidade do bem de família.
Como sabemos, o Código de Processo Civil tem sua base principiológica nos direitos fundamentais da Constituição Federal. Tanto é que, em seu capítulo I, são elencadas as normas fundamentais do processo civil, que devem ser observados por todos os operadores do direito. Estas seriam como “eixos normativos a partir dos quais o processo civil deve ser interpretado, aplicado e estruturado”[1] .
Entre as normas fundamentais elencadas no primeiro capítulo do código, encontramos no artigo 5° do referido diploma, o princípio da boa-fé, pressuposto este, que impõe o dever de comportamento às partes que buscam tutela jurisdicional.
Destarte, o princípio da boa-fé dentro do processo, pode ser observado dentre dois pontos de vista, o subjetivo e o objetivo.
Do ponto de vista subjetivo, a boa-fé diz respeito à intenção do sujeito. Um estado de consciência. “É o dever de agir de boa-fé que impõe o dever de veracidade, o dever de completude e o dever de lealdade”[2].
Já do ponto de vista objetivo, a boa-fé está ligada ao comportamento das partes. “É o dever de se comportar com boa-fé que impõe o dever de cumprir com exatidão todas as ordens judiciais e de não praticar inovação ilegal no estado de fato ou de direito da causa”[3].
Nas palavras do ilustre professor Alexandre Freitas Câmara, “não se trata, pois, apenas de se exigir dos sujeitos do processo que atuem com boa-fé subjetiva (assim entendida a ausência de má-fé), mas com boa-fé objetiva, comportando-se da maneira como geralmente se espera que tais sujeitos se conduzam. A vedação de comportamentos contraditórios (nemo venire contra factum proprium), a segurança resultante de comportamentos duradouros (supressio e surrectio), entre outros corolários da boa-fé objetiva, são expressamente reconhecidos como fundamentais para o desenvolvimento do processo civil”[4].
Dessa forma, o Código de Processo Civil, como observado no artigo 5°[5], adota o princípio da boa-fé objetiva como premissa, ao que resta evidente que todos os sujeitos, que de alguma forma, participam efetivamente do processo, devem comportar-se de acordo com a boa-fé, assim também, conforme salienta o artigo 77 do código processual[6], são deveres das partes expor os fatos em juízo conforme a verdade; cumprir com exatidão as decisões judiciais e não criar embaraços à sua efetivação.
Inclusive, a boa-fé, é regida como regra geral dos contratos, e é encontrada primeiramente no Código Civil de 2002, conforme o artigo 422, asseverando que os contratantes são “obrigados” a agirem de acordo com tal princípio, tendo o dever de “proceder com lealdade, honestidade, confiança e transparência recíproca”[7].
Nessa linha, a boa-fé objetiva, adotada por nosso ordenamento jurídico, estabelece a vedação do venire contra factum proprium, ou seja, proíbe que, qualquer sujeito da relação jurídica estabelecida, opere de modo contrário ao que foi pactuado por entre as partes. “Sua característica principal é proibir que a parte, através de um dado comportamento, crie na outra uma expectativa que depois venha a se frustrar em razão de adoção de outro comportamento, oposto aquele inicialmente delineado”[8].
Aliás, tal preceito está intimamente ligado ao princípio da máxima pacta sunt servanda, onde estabelece que, uma vez firmado um contrato, o tal, faz lei para com as partes envolvidas, para que, dessa forma, seja conferido segurança jurídica “aos negócios pactuados”[9].
Agora, no que tange respeito aos Negócios Jurídicos Processuais, o Código de Processo Civil, inovando no artigo 190, diz que, no que se admite “autocomposição”, as partes “plenamente capazes” podem celebrar negócios jurídicos processuais, no que diz respeito a mudar os procedimentos, “convencionar sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais”, para que possam ajustar às suas necessidades. Ainda é importe salientar que, inclusive, é possível que o negócio seja convencionado antes ou durante o processo.
Isso quer dizer que, não necessariamente o negócio jurídico processual deve ser feito a partir do momento que as partes entram em conflito, buscando tutela jurisdicional. O ordenamento permite que estas mesmas partes estipulem convenções antes mesmo de litigar.
Dentro desta análise, ainda podemos concluir que o negócio jurídico processual, assim como o negócio jurídico propriamente dito, possui como fundamento o princípio da autonomia privada, que permite o “sujeito capaz de autorregular seus interesses da forma que melhor lhe convenha, estabelecendo relações juridicamente protegidas”[10].
Dessa forma, “o CPC/2015 possibilita, então, uma maior participação das partes no processo, com maior valorização da autonomia privada das partes, viabilizando, assim, os negócios jurídicos processuais”[11].
Assim, “as partes livremente manifestam sua consciência de vontade, dentro dos limites predeterminados à satisfação do negócio que, em seu modo de ver, representam vantagem processual”[12].
Entretanto, deve ser observado o parágrafo único do artigo 190, onde traz algumas ressalvas sobre o autoregramento dentro do processo. O magistrado deve estar à par das convenções, devendo recusá-las em três hipóteses: (a) nos casos de nulidade; (b) nos casos de inserção abusiva em contrato de adesão, ou (c) quando uma das partes se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.
Importante frisar que, no que diz respeito às nulidades do negócio jurídico, o Código Civil, no artigo 166 elenca sete hipóteses passíveis de nulidade, quais sejam, se o negócio for: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV - não revestir a forma prescrita em lei; V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.
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