A Problemática das Cotas Raciais no Brasil
Por: heberfidelis • 7/4/2015 • Artigo • 5.050 Palavras (21 Páginas) • 282 Visualizações
A problemática das cotas raciais no Brasil
A lei estadual ordinária nº 3.708/91, de 09 de novembro de 2001, instituiu as cotas para negros e pardos no ensino superior público do Estado do Rio de Janeiro. Sua constitucionalidade ainda está em questão, e ambas as correntes abordam o princípio da igualdade como cerne do problema. Isonomia (perante a lei) e igualdade substancial (segundo a verdade efetiva das coisas) estão em conflito. É difícil ater-se apenas ao ordenamento jurídico para fundamentar esta questão, contudo julga-se necessário, e assim será feito.
Dá-se início a abordagem com os art°3 e art 5° (caput):
Art. 3° Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I. construir uma sociedade justa, livre e solidária;
II. garantir o desenvolvimento nacional;
III. erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV. promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros a aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
O art. 3° alude a importância de contextualizar a igualdade dentro da realidade social, construindo uma sociedade justa, livre e solidária. O Estado deve ser capaz de atender todos os anseios da sociedade, garantindo o desenvolvimento da nação, adotando as medidas necessárias para erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais; promovendo deste modo o bem de todos, sem nenhuma forma de discriminação, todavia enfocando cada classe social de acordo com suas necessidades.
A igualdade substancial não pode ser atingida, enquanto houver desigualdade no acesso a um sistema educacional de qualidade entre brancos e negros, proporcionando assim a constitucionalidade da Lei de Cotas, como política compensatória para minorias, em forma de lei, devido ao não cumprimento do art. 5 e agravando-se com o descumprimento dos arts. 205° e 206°, I e VII, da Constituição da República Federativa do Brasil.
Art. 205°. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206°. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I. igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
VII. garantia de padrão de qualidade.
A educação pública, onde estão concentrados quase totalidade dos estudantes negros do país, não visa o pleno desenvolvimento da pessoa, não prepara para o exercício da cidadania e muito menos qualifica para o trabalho, onde a prova concreta estaria na porcentagem arrasadora de brancos nas universidades públicas. A raça negra está evidentemente excluída, seguindo este raciocínio, é fácil concluir que há desigualdade de condições para o acesso e permanência na escola entre brancos e negros, devido às diferenças sócio-econômicas. Aumenta-se o agravo da situação da raça negra, pois a qualidade do ensino público é precária, sendo esta proposição um axioma.
Segundo o ministro do Supremo Tribunal de Justiça, Marco Aurélio, "A forma de se corrigir uma desigualdade é colocando o peso da lei a favor daquele que tem o tratamento diferenciado no contexto social". A lei pode e deve favorecer aqueles que estão em desigualdade de fato, pois é através dela que o Estado pode buscar justiça, com uma medida emergencial, enquanto não corrige sua essência defeituosa.
A constituição de 1988, em seu preâmbulo, defende a idéia de um Estado Democrático visando à liberdade, a igualdade, o bem-estar e a justiça. Estes valores só podem ser concretizados com a coexistência de medidas de longo e curto prazo, sendo a lei n° 3708/91 parte integrante deste processo.
Dizer que a supracitada é contra o princípio da igualdade é uma falácia, a qual explica-se por uma interpretação literal da constituição, em detrimento do método teleológico, afastando-a da realidade social.
O art.1°, III, cita a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado. A partir deste momento a situação torna-se mais clara, pois só existe dignidade com igualdade substancial. A igualdade imposta aos negros justifica a desconsideração do princípio da Isonomia neste caso, porque só serve para perpetuar uma injustiça descomunal. Diz Marcelo Calixto, professor da PUC-RJ, que "a idéia da Lei de Cotas é tratar igual os iguais, e desigual, os desiguais, até que a igualdade seja restabelecida".
Critérios para a definição dos beneficiários das cotas
O critério da auto-declaração
Tornou-se comum a adoção do critério subjetivo, ou seja, da auto-declaração para a identificação dos indivíduos beneficiários das políticas, principalmente após o desbanque dos métodos científicos na identificação dos critérios raciais.
Entretanto, tal método abre uma larga margem para fraudes no sistema, pois num país marcado por uma forte miscigenação como é o caso do Brasil, não há como se definir claramente quem é negro, consoante manifesta o geneticista Sérgio Danilo Pena (2004), o qual é autoridade no assunto.
Consoante a convenção interacional da qual o Brasil é signatário, é assegurado o direito à auto-atribuição racial, seguindo a Convenção 169 da OIT (JUNIOR;NERY,2006).
Ademais, o critério da auto-declaração também é utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)1, sendo que novas formas de levantamento étnico-racial estão sendo estudadas pelo instituto.
Ademais, a prática utilizada para a identificação racial é vista de forma crítica pelos cientistas sociais da atualidade.
Mais ainda, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) explicitou sua posição contrária aos métodos implementados no processo de seleção da referida universidade, firmando posição favorável ao critério da auto-declaração.
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