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AS COTAS RACIAIS COMO AÇÕES AFIRMATIVAS DE COMBATE AOS EFEITOS DA DISCRIMINAÇÃO NEGATIVA DE AFRODESCENDENTES NO BRASIL

Por:   •  3/2/2019  •  Artigo  •  9.904 Palavras (40 Páginas)  •  336 Visualizações

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COTAS RACIAIS COMO AÇÕES AFIRMATIVAS DE COMBATE AOS EFEITOS DA DISCRIMINAÇÃO NEGATIVA DE AFRODESCENDENTES NO BRASIL[1]

Diego Emanuel Gomes de Oliveira[2]

Fernanda Abreu de Oliveira[3]

RESUMO

Ações afirmativas baseadas em critérios raciais são políticas inclusivas que buscam reparar os efeitos dos processos de discriminação sofridos pela população negra. A doutrina opositora à sua adoção afirma que essas políticas seriam contraditórias, pois, dentre outros fundamentos, afrontariam o princípio constitucional da igualdade, desprestigiando a meritocracia e ignorando as desigualdades sociais, bem como a profunda miscigenação do povo brasileiro. Estudos sociológicos voltados a aferir os índices de desigualdade entre diferentes grupos raciais apontam uma situação desfavorável ao negro na sociedade brasileira. Através da análise de algumas dessas pesquisas, este estudo busca contribuir para a discussão acerca da legitimidade das cotas raciais enquanto ações afirmativas de combate aos efeitos da discriminação negativa de afrodescendentes no Brasil, analisando-se sua legitimidade e necessidade no contexto da sociedade brasileira e dentro do ordenamento jurídico pátrio. A postura neutra do Estado em relação aos grupos minoritários como o dos negros contribui para o aumento da desigualdade entre as populações de diferentes raças, de modo que a adoção de políticas de discriminação positiva por parte do Estado se demonstra como instrumento necessário à promoção de uma sociedade igualitária e verdadeiramente democrática.

Palavras-chave: Ações afirmativas; discriminação; igualdade; cotas raciais.

1 INTRODUÇÃO

Dentre as diversas espécies de ações afirmativas, as cotas raciais surgem como instrumento voltado à reparação dos efeitos da discriminação racial historicamente sofrida pelos afrodescendentes, através da reserva de um percentual de vagas em universidades e, mais recentemente, em concursos públicos, a priori para indivíduos autodeclarados negros.

No Brasil, estatísticas apontam que a população afrodescendente já superou a população branca[4]. Porém, em se tratando de representatividade da população negra, essas estatísticas não se refletem em todos os ambientes da sociedade, haja vista que alguns desses ambientes ainda são ocupados, quase que exclusivamente, por pessoas de um único grupo dominante heterogêneo, os brancos. Estudiosos do assunto afirmam que se trata de uma visão contemporânea de segregação que evidencia uma forma diferente de discriminação onde se busca excluir do convívio social os grupos minoritários que, através desse processo, acabam ficando à margem da sociedade.[5]

Em atendimento à previsão do texto constitucional pela redução das desigualdades e pela erradicação de todas as formas de discriminação (art. 3º, III e IV da CF/88), surgiram as políticas de ações afirmativas no ordenamento jurídico brasileiro que, através da chamada “discriminação positiva”, buscam reparar os prejuízos causados aos interesses das coletividades historicamente marginalizadas.

Este artigo se dedica a averiguar se essas políticas de inclusão, de fato, encontram justificativa para sua adoção. Para tanto, analisar-se-á, em um primeiro momento, o instituto das ações afirmativas quanto à sua origem histórica e seu objetivo; em seguida, verificar-se-á a situação dos brasileiros afrodescendentes na sociedade brasileira contemporânea; e, por fim, buscar-se-á o enfrentamento das principais críticas ao sistema de ações afirmativas baseadas em critérios raciais.

Não obstante, a pesquisa discute acerca da transitoriedade da adoção das políticas de discriminação positiva, bem como, traz nos fundamentos compensatório, distributivo e de reconhecimento, argumentos idôneos a justificar a sua adoção e manutenção, concluindo-se pelo reconhecimento da existência de um débito do Estado brasileiro para com a comunidade negra vitima dos processos discriminatórios, ao passo que se aborda a estreita relação entre a condição desfavorável vivenciada pelo negro e os efeitos desses processos, além de se reconhecer o dever do Estado em promover as medidas de correção necessárias para que se possa atingir um ideal de justiça social, vendo-se na ação afirmativa um meio plenamente adequado para tanto.

O presente estudo teve como procedimento de abordagem a pesquisa qualitativa, tendo em vista que esse tipo de investigação oferece ao investigante maiores possibilidades de compreender o objeto estudado.[6]

Dentre as possibilidades de realização da pesquisa qualitativa, esta se classifica como sendo: descritiva por considerar o fenômeno da discriminação e suas consequências em relação com a necessidade de reparação através das políticas de ações afirmativas[7]; bibliográfica, por ser desenvolvida com base em livros e artigos científicos produzidos acerca do tema[8]; e documental, ao passo que se baseia em uma fonte rica e estável de dados, não sendo necessário o contato com os sujeitos da pesquisa e, ainda, possibilitando uma leitura aprofundada das fontes.[9]

2 SÍNTESE HISTÓRICA DAS AÇÕES AFIRMATIVAS

Tinha-se na doutrina que as políticas de ações afirmativas eram uma criação norte-americana do início da segunda metade do século XX[10]. Destarte, a doutrina mais recente que trata do tema aduz que elas tiveram origem na Índia, em meados dos anos trinta do século XX.[11]

A Constituição Indiana de 1949 trouxe em seu texto a previsão expressa de um tipo de discriminação positiva voltado ao combate das diversas formas de discriminação e de segregação de povos de origens diversas, inclusive quanto ao acesso desses grupos às instituições de ensino, ainda que privadas.[12]

Sem embargo, o modelo americano obteve maior destaque na história das ações afirmativas, com resultados significantes quanto às conquistas sociais alcançadas pelos grupos por elas beneficiados, sendo identificado pela doutrina como a principal referência para o debate sobre o tema.[13]

2.1 AÇÕES AFIRMATIVAS NOS EUA

Após o fim da escravidão, entre os anos de 1876 e 1965, vigorou nos Estados Unidos um sistema segregacionista que deu origem a um regime discriminatório que consistia em um conjunto de atos e leis que legitimavam a prática de discriminação e segregação raciais, esse sistema era conhecido como Jim Crow[14]. Tal sistema ganhou força e se consolidou como um sistema legitimo e constitucionalmente amparado quando, no julgamento do caso Plessy vs Ferguson, a Suprema Corte Americana decidiu que leis discriminatórias eram autorizadas pela Constituição, desde que garantidas acomodações iguais a cada grupo racial[15]. Dava-se início, assim, à doutrina do separate, but equal.[16]

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