A RELAÇÃO DA JUVENTUDE COM O NARCOTRÁFICO
Por: gabrielacalixto • 17/9/2019 • Artigo • 6.476 Palavras (26 Páginas) • 168 Visualizações
A RELAÇÃO DA JUVENTUDE COM O NARCOTRÁFICO
Mesmo em sociedades caracterizadas por elevados indicadores de desenvolvimento humano, condições e qualidade de vida, a preocupação com a relação de crianças e adolescentes com o tráfico de drogas não é recente e revela, traços não muito distantes do modo como o problema é percebido e enfocado na sociedade brasileira contemporânea.
Como bem coloca Souza "uma sociedade de consumo que provoca um entrave à construção da identidade juvenil", e ainda que "a reivindicação mercadológica tolhe estilos de vida não condizentes com a lógica do capital e classifica determinado padrão de juventude como modelo".[1]
Sobre esse aspecto, Esteves e Abramovay afirmam que:
sujeitos de uma sociedade de consumo ostentatória – cujo principal traço é suscitar nas juventudes, mas não apenas entre elas, aspirações que, muitas vezes, deságuam em frustrações, porque irrealizáveis para a grande maioria –, transitam no seio de uma arquitetura social cuja desigualdade e acirramento das diferenças constituem algumas de suas faces mais visíveis.[2]
Conforme pesquisa e resultados da OIT:
As desistências da escola e a entrada das crianças no mercado de trabalho podem ser entendidas como uma consequência de fatores distintos, pois, é a partir daí que ela é direcionada para a busca de meios de garantir algumas de suas necessidades e de suas famílias. O ponto principal passa a ser o trabalho, uma solução para as necessidades em curto prazo, ou das atuais situações difíceis, considerando que a escola é uma alternativa para o futuro. É importante considerar que as perspectivas em longo prazo, para as famílias de baixa renda, são muito limitadas. A educação é um investimento a longo prazo, difícil de ser realizado por famílias que têm falta de recursos. [3]
Para Abramovay "uma combinação de fatores está tornando a juventude mais violenta. Um deles é a dificuldade de ingresso no mercado formal de trabalho, que a autora considera cada vez mais competitivo e cruel".[4]De acordo com ela, existe uma “crise do futuro” que “estaria criando situações favoráveis à consolidação das alternativas ilegais ou criminais para existência e sobrevivência entre a juventude”.
Não é preciso ir longe para entender que essa é uma realidade principalmente nas cidades da faixa de fronteira. Escolas dos municípios lindeiros ao Lago de Itaipu começam a perder alunos para o contrabando e o narcotráfico.
o fenômeno, antes restrito a Foz do Iguaçu - PR, cidade epicentro da criminalidade na fronteira do Brasil com o Paraguai, agora se espalha com força por toda a Costa Oeste paranaense. Em quatro municípios da região o abandono escolar no ensino médio é mais alto do que o patamar brasileiro, que é de 9,5%. Em sete deles, o índice supera a média paranaense de 7,9%, conforme dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) de 2011.[5]
É visível que esses adolescentes são seduzidos por familiares ou conhecidos envolvidos na atividade ilícita, rapidamente aprendem os cálculos e as gírias da contravenção. São considerados presas fáceis, vulneráveis, atuam em pequenos serviços como olheiros, transportam caixas, ou servem de mula para levar droga de cidades fronteiriças para outros destino.
Atividade semelhante ocorre em uma escola de Guaíra - PR, faixa de fronteira com o Paraguai quando os alunos / adolescentes afirmam que:
uma das turma do 1º ano do Ensino Médio - 2012, começou o ano com quase 50 alunos e terminou com 15 alunos. Ao checar os motivos do abandono, os professores verificaram que os alunos começaram a transportar cigarro ou a trabalhar com ilícitos no Paraguai, onde a jornada é cansativa e acaba os afastando da escola. "Eles falam que não vão ficar na escola porque só em uma noite ganham R$ 100,00, diz referindo-se à atividade de transportar mercadorias contrabandeadas ou cigarros".[6]
Na verdade a realização dessa prática e de outras parecidas deve ocorrer em outras regiões Brasil afora. "O contato de traficantes e contrabandistas com adolescentes envolve uma rede de confiança e pessoas já conhecidas, incluindo parentes e amigos", analisa o sociólogo da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE, Eric Cardin, pesquisador do assunto.[7]
Moreira conclui,"o envolvimento das crianças no narcotráfico revela uma atitude de escape e busca, de evitar problemas e satisfazer os desejos, uma sinergia de sensações, sentimentos e ações".[8]Em pesquisa desenvolvida pelo autor ele coletou declarações de jovens atendidos pelo Sistema Aplicado de Proteção (um programa de re-socialização em uma instalação para menores). Um dos assuntos revela alguns dos motivos que levaram a seu envolvimento no narcotráfico:[9]
para alguns, é falta de trabalho; outros querem comprar roupas caras. Alguns dizem que se envolveram para ajudar suas famílias, mas na realidade não é isso que aconteceu. Por vezes uma pessoa tem medo de falar, gasta dinheiro em conduta imoral. Algumas vezes, um viciado gasta dinheiro comprando cocaína ou maconha. Outros gastam-no com mulheres, motéis. O tráfico ...dizem: só andamos por aí juntos, por sermos todos crianças. Então você acaba se envolvendo. Estou com você e você está usando drogas. E o outro pergunta: ‘você pode me ajudar, só me empurrando’. Então, outro, que está com você, termina também se envolvendo e por aí adiante. Se você estiver trabalhando, você não se envolverá. Mas se você não está fazendo nada...
Em se tratando de crianças e adolescentes, num constante movimento de mudança e contradições, não se encerra nesta coletânea de declarações os caminhos e as formas de envolvimento da juventude com o narcotráfico, pelo contrário, sempre haverá novas formas de explicá-lo.
3.1 PERFIL DO ADOLESCENTE OU CRIANÇA MAIS VULNERÁVEL AO NARCOTRÁFICO
Ainda que não se coloque mais com a mesma força a ideia de diminuição da culpabilidade pelas condições sociais, conforme a OIT "o perfil do jovem ligado ao tráfico de drogas, a criminalidade e violências urbanas parecem estar mais do que nunca associados ao adolescente pobre".[10]
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