A Universalidade dos Direitos Humanos

Carlos Eduardo Gonzaga

Giovani Rodrigues da Silva Júnior

        O debate sobre a universalidade dos direitos humanos é extremamente complexo, tendo em vista que a própria designação destes direitos remete a particularidades. Isso porque, como afirmar que algo relacionado ao ser humano, que se caracteriza pela diversidade de ideias, de grupos, de religiões, de culturas, de etnias e de outros fatores pode ser universal? Essa tentativa de englobar em um só ponto tamanha complexidade traz consigo o grande risco de dogmatizar uma concepção de mundo, tornando-a então, tal como idealizou Augusto Conte, uma “religião da humanidade”, na qual o homem assume o papel de Deus e institui valores e crenças que, no caso dos direitos humanos, moldaram e dominaram o Ocidente. Dessa maneira, como enfatiza Alain Supiot, tais direitos tidos como inerentes a todo ser humano tornam-se “afirmações indemonstráveis que são a pedra angular de nossos edifícios jurídicos” (SUPIOT, 2007, p. 234) devendo serem seguidos rigidamente, sem contestações, por todas as civilizações, negando, assim, uma hermenêutica de tais direitos nos contextos e conjunturas em que são inseridos.

        A possibilidade de que exista uma universalidade nos direitos humanos está diretamente ligada ao Estado e ao seu forte aparato jurídico. A abstração moderna, surgida por influência da expansão mercantilista e das revoluções burguesas, de que o indivíduo em face ao próprio Estado é soberano, já que possuí autonomia e dignidade, gerou o nascimento dos direitos humanos. Nesse momento, assim como hoje, os direitos são uma barreira para limitar a intervenção estatal na esfera individual. No entanto, com o passar do tempo a matéria ganhou complexidade e surgiram os direitos de primeira, segunda e terceira geração, criando assim uma grande estrutura de proteção. Todavia, apesar da pretensão de ser universal, esses direitos são fundamentados sobre visões estreitas e particulares do ocidente. Dessa forma, surge uma questão: como esse sistema dito universal se aplica fora do Ocidente, considerando a pluralidade jurídica presente no mundo?

        Para nós, ocidentais, o direito é em grande parte estatal, enquanto para diversas sociedades isso não ocorre, muitas sequer possuem a figura do Estado, como defende Norbert Rouland, afirmando categoricamente que o Estado não é a única forma de organização social (ROULAND, 2003). Nesse sentido, a construção dos direitos humanos, assim como do direito criado pelo Estado, pode ser dogmática, o que não é um problema em si, exceto se há a tentativa de impor esses dogmas a outras culturas que não reconhecem a validade dessas concepções. Por isso, esse sistema gera um segregacionismo de culturas que valorizam outros pontos no que tange ao homem e sua noção de dignidade. Um exemplo dessa imposição forçada é perceptível dentro da própria sociedade brasileira, no que se refere ao conceito de família, visto que a tentativa de estabelecer conceitos e valores que excluem grupos sociais que não se fazem contemplados dentro desses dogmas, como os casais homoafetivos, exemplifica a maneira que visões particulares e uniformes de um grupo dominante podem ser impostas, sem o menor consentimento, a todos. Nessa imposição de valores ditos universais, o Ocidente acaba se utilizando de posturas distintas: o messianismo, caracterizado pela imposição da universalidade aos ditos “bárbaros”; a comunitarista, de postura relativista e que considera os direitos humanos uma construção Ocidental, o que impede o diálogo; e o cientificismo, que se utiliza da ciência para a imposição dos direitos humanos, o que leva a uma visão fechada do mundo e a possíveis leituras contextualizadas.