ARTIGO CIENTÍFICO: RELEITURA DO DIREITO À EDUCAÇÃO NO BRASIL APÓS QUASE TRÊS DÉCADAS
Por: Raí Juliano • 20/5/2022 • Artigo • 3.369 Palavras (14 Páginas) • 250 Visualizações
Sociedade Cultural e Educacional de Garça [pic 1]
Faculdade de Ensino Superior e Formação Integral – FAEF
XXIII Simpósio de Ciências Aplicadas e II Simpósio Internacional da FAEF
RELEITURA DO DIREITO À EDUCAÇÃO NO BRASIL APÓS QUASE TRÊS DÉCADAS
NASCIMENTO, Marlon[1]
CARDOSO, Guilherme Moraes2
PORFÍRIO, Rai3
SOUZA, Ramon4
RESUMO
Este artigo visa buscar uma análise profunda, crítica e comparativa sobre a atual situação da educação brasileira, que no entender de muitos é uma das piores do mundo, comparando-a com a da época retratada no livro “O cidadão de papel”. Para isso, primeiramente é proposto fazer um comparativo do presente sistema educacional com o da década de 1990, relatando tais mudanças, e sucessivamente analisar o que o Estado fez e faz para aprimorar a educação do Brasil. Além de especificar dados sobre a realidade da educação no país, como também trazer os direitos desta assegurados em nossa Constituição Federal.
Palavras chave: Brasil. Direito. Educação
ABSTRACT
This article aims to seek a deep, critical and comparative analysis on the current situation of brazilian education, which for many is one of the worst in the world, comparing it with that of the time portrayed in the book “O cidadão de papel”. For this, first a comparison of the present education with that of the 1990s will be made, reporting the changes, and successively analyzing what the State has done to improve Brazilian education.. In addition to specifying data on the reality of education in the country, as well as bringing its rights guaranteed in our Federal Constitution.
Keywords: Brazil. Education. Right
INTRODUÇÃO
É de conhecimento de todos que o papel da educação na vida, bem como na formação do cidadão é fundamental para seu desenvolvimento social, profissional, intelectual e de suma importância para criação da personalidade e do caráter no tocante aos bons costumes, a moral e ao respeito ao próximo e às regras impostas a uma sociedade.
É com base no que dispõe a Constituição Federal do Brasil (CF) de 1988, principalmente em seu Art. 205 que diz “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, e na leitura do livro "O cidadão de papel" que o presente artigo busca conhecer a complexidade da educação, ora, se tal direito é indubitavelmente um dos principais para se alcançar a liberdade de exercer cidadania e criar uma sociedade justa.
E, também, como deve ser aplicada a educação, de onde começa, quem participa, como se aplica, e por isso trataremos da educação concernente às instituições de ensino, pois está inserida na vida do cidadão desde a infância.
O livro supracitado, escrito há quase três décadas, nos traz o que se passava no nosso país naquela época, no que se refere a educação. Trazendo este, as estatísticas da época, as perspectivas e os desafios, e, hoje, vamos tentar mostrar o que mudou. Será que a educação tem sido valorizada em nosso país? Nossos governantes tem feito a parte deles quanto a isso? Quais os principais desafios? Quais as perspectivas de futuro em relação a educação no Brasil?
Do mesmo modo, iremos trabalhar, com devida importância, o tratamento que vem sendo dado aos professores de nosso país, seja na falta de investimentos ou falta de respeito por parte dos alunos, até mesmo dos pais de alunos.
Como metodologia, adotou-se uma pesquisa com abordagem quali-quantitativa, ou seja, trazendo dados estatísticos e tabelas, para ajudar na compreensão das mudanças ocorridas em razão da educação no Brasil. Tendo como finalidade abordagem explicativa-descritiva. Para este artigo, se viu necessário adotar como procedimento técnico a revisão bibliográfica e pesquisa documental.
MUDANÇAS SIGNIFICATIVAS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Todos sabemos ou temos ciência de alguma história de uma família humilde em nosso país, que teve uma quantidade considerável de filhos, sendo imprescindível e atuação de muitos deles ou todos eles no trabalho, para auxiliar com as despesas da casa. Tendo que optar pelo trabalho, ocasionando a desistência do estudo ainda na adolescência. Longe do estudo, essas pessoas não vão ter perspectivas de um futuro melhor, já que em nosso país não conseguimos obter um serviço de carteira assinada sem estudo, com um salário que proporciona uma vida tranquila financeiramente.
A bem da verdade, muitas mudanças ocorreram ao longo de quase três décadas. Se àquela época questionava-se a dificuldade de acesso às instituições de ensino desde a infância, já que as classes menos favorecidas dispunham de poucos recursos para sobrevivência aliados à inércia do Estado, consequentemente as crianças e adolescentes eram submetidos ao trabalho para auxiliar na renda familiar incidindo na evasão escolar. No livro base que estamos utilizando, Gilberto Dimenstein discorre sobre o trabalho infantil da época:
Quando o Brasil colocou o pé na década de 90, tinha 7, 5 milhões de crianças e adolescentes de dez a dezessete anos trabalhando. Três milhões estavam com menos de quatorze anos. [...] Quem trabalha oito horas ou mais por dia não tem tempo para estudar. Tanto esforço por tão pouco: cerca de 90% ganham até um salário mínimo. [...] Quase a metade (46, 3%) dos trabalhadores mirins frequentou a escola menos de quatro anos. (DIMENSTEIN, 1992, p. 42)
Não obstante, a realidade atual é composta de algumas nuances significativas e contraditórias, pois o acesso ao ensino desde a infância teve um aumento moderado, o Estado movido pelo pressuposto da intervenção mínima, teve sua participação nesse aumento, inclusive com maior aplicação dos conselhos tutelares no combate à evasão escolar. Para melhor entendimento, em junho do ano passado, o jornal eletrônico Agência Brasil (2019) publicou uma matéria mostrando que, em 2016, o número de crianças e adolescentes (entre 5 e 17 anos) trabalhando no Brasil era de 2,4 milhões, sendo que 49,83% das famílias desses jovens eram de baixa renda, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Aquilo que tanto se lutava para conseguir, hoje é descartado por essa geração de crianças e adolescentes, pois a parte majoritária destes desprezam o ensino que lhes é oferecido. Sendo assim, os valores foram invertidos, trocaram a moral e os bons costumes pela vaidade precoce, pelas músicas escandalosas e vulgares. Ser criminoso e usuário de drogas passou a ser status. Além de que os pais obedecem aos filhos e filhos imperam sobre os pais.
Dentre todas as mudanças, felizmente, o analfabetismo teve uma boa queda nesse período. Em “O cidadão de papel”, Dimenstein relata que, naquela época (década de 90) calculava-se que 41% da população brasileira era analfabeta (DIMENSTEIN, 1992, p.53). Hoje essa porcentagem é bem menor, assim traz a matéria publicada pelo Gazeta do povo (2019) em seu site, relatando que em 2018, a taxa era de 6,8%, ou seja, 11,3 milhões de pessoas maiores de 15 anos analfabetas, segundo dados do IBGE.
Plano Nacional de Educação
O Plano Nacional de Educação (PNE) (Lei nº 13.005/2014), sancionado em 2014 pelo Congresso Federal, tem como escopo buscar medidas e investimentos para a melhoria da educação no período de 10 anos. Esse plano “determina diretrizes, metas e estratégias para a política educacional no período de 2014 a 2024” (BRASIL, 2014). O PNE, por abranger todos os níveis de formação (educação infantil até o ensino superior), foi um grande passo dado para que se atingisse uma efetiva melhora na educação do país. Como o plano ainda está em vigor e há muito o que se melhorar, necessita-se de maior investimento, fiscalização e empenho para que tais metas e estratégias sejam cumpridas no prazo ou até mesmo antes, já que vem tendo queda do investimento nessa área.
O PNE tem 20 metas e estratégias, tendo como alvo pontos muitos importantes, como a educação inclusiva, por exemplo. Infelizmente, segundo uma matéria publicada pelo G1 (2019), das 20 metas, apenas 4 estariam parcialmente cumpridas.
Tabela 1 – Relatório do cumprimento de algumas das principais metas do PNE - 2018
Meta | Objetivo da meta | Percentual atingido em 2018 |
Educação Infantil | 100% das crianças de 4 a 5 anos na Pré-escola (até 2016); 50% das crianças de até 3 anos na Creche (até 2024). | 93,8% das crianças (4 a 5 anos) matriculadas; 35,6% das crianças (até 3 anos) atendidas. |
Ensino Fundamental | 100% das crianças de 6 a 14 anos na escola (até 2024); 95% dos alunos de até 16 anos com o Ensino Fundamental concluído (até 2024). | 98% das crianças (6 a 14 anos) matriculadas; 75,8% dos jovens (de 16 anos) concluíram. |
Ensino Médio | 100% dos jovens de 15 a 17 anos matriculados (até 2016); 85% dos jovens de 15 a 17 anos cursando Ensino Médio (até 2024). | 91,5% dos jovens (15 a 17 anos) matriculados; 68,7% dos jovens (15 a 17 anos) cursavam. |
Educação Especial/Inclusiva | 100% das crianças e adolescentes de 4 a 17 anos com necessidades especiais tenham acesso à educação básica com atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino (até 2024). | 40,4% dos jovens (4 a 17 anos) com necessidades especiais tinham atendimento especializado. |
Alfabetização | Alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3o ano do ensino fundamental (até 2024). | Em 2016: 45,3% das crianças do 3º ano do Ensino Fundamental tinham aprendizagem adequada em leitura; 66,1% em escrita; 45% em matemática. |
Fonte: Elaboração própria com base no Observatório do PNE, 2018.
Faltando quatro anos para o término do prazo estabelecido pelo PNE, o que se vê é fracassos em muitas das metas. Ao pegar, por exemplo, a Meta 1 (Educação Infantil), nota-se a grande dificuldade para atingir os objetivos, principalmente o objetivo 1, que já era para ter alcançado quatro anos atrás (2016). Portanto, segundo o Observatório do PNE (2018), encontra-se dificuldade nessa meta, pois os 6,2% representam as crianças em situações de vulnerabilidade social. Isso significa que necessita observar e atuar em razão dessas crianças que são impossibilitadas de ter o acesso à educação.
DESVALORIZAÇÃO DOS PROFESSORES DE ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO NA REDE PÚBLICA
É uma ofensa à classe dos professores deixar de incluí-los neste artigo, responsáveis por toda profissão, são esses profissionais que nos ajudam a alcançar o sucesso, todavia, e principalmente na rede pública, estes, que se empenham a ensinar, num país, onde há uma enorme falta de interesse em aprender das crianças e adolescentes. Além do mais, não são reconhecidos, não lhes é dado o devido valor, nem pelo Estado, nem pelos alunos e seus pais. O Brasil vem há anos liderando o índice de violência contra professores, segundo matéria publicada pelo G1:
Uma pesquisa global da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com mais de 100 mil professores e diretores de escola do segundo ciclo do ensino fundamental e do ensino médio (alunos de 11 a 16 anos) põe Brasil no topo de um ranking de violência em escolas. O levantamento é o mais importante do tipo e considera dados de 2013. [...] Na enquete da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 12,5% dos professores ouvidos no Brasil disseram ser vítimas de agressões verbais ou de intimidação de alunos pelo menos uma vez por semana. (G1, 2019)
São dados alarmantes de um país que necessita tanto desses educadores para se desenvolver. Assim, com tanta violência, acaba interferindo no modo de ensino desses professores. A violência se dá devido a impunidade para com os alunos, que no máximo são suspensos por alguns dias (TENENTE; FAJARDO, 2019). Ainda, falam sobre as consequências, que são severas para as vítimas, fazendo com que eles parem de atuar nas classes devido a estresse pós-traumático.
Em virtude do papel dos pais sobre os alunos praticantes dessa violência, a colunista do G1 e especialista em educação, Andrea Ramal diz:
Não estabelecer limites, quase nunca dizer “não” e fazer todas as vontades de crianças e adolescentes são ingredientes-bomba. Derivam na “síndrome do imperador”, um comportamento disfuncional em que os filhos estabelecem suas exigências e caprichos sobre a autoridade dos pais, controlando-os psicologicamente e podendo chegar, não raro, a agressões físicas. (2019)
Sendo assim, esse comportamento coopera para que esses alunos não se comportem devidamente em sala de aula e se o professor chamar sua atenção ou simplesmente não o favorecer, já sabemos o resultado.
4. RECURSOS PÚBLICOS GASTOS NA COPA DO MUNDO E OLIMPÍADAS NO BRASIL
Podemos notar que o governo que dominou o país por muito tempo, mais precisamente 16 anos, teve inúmeros gastos exagerados e escandalosos, gerando muita polêmica na mídia nacional e internacional. E com certeza o que mais indignou a população foi a realização da Copa do Mundo da FIFA em 2014, que ocorreu em nosso país. Com altos gastos, a realização da Copa do Mundo foi alvo de inúmeras críticas por parte da população, que pedia investimento do mesmo nível para a saúde e educação. Por outro lado, o investimento em mobilidade urbana teve grande serventia para o povo, visto que serviram e servem para utilização no dia a dia.
Para melhor compreensão:
A conta final da Copa do Mundo foi fechada em R$ 25,5 bilhões, de acordo com o relatório consolidado. Do total, R$ 7 bilhões foram gastos em mobilidade urbana e R$ 8 bilhões em estádios. As obras relativas a aeroportos custaram R$ 6,2 bilhões e as obras de entorno dos estádios custaram R$ 996 milhões. (AGÊNCIA BRASIL, 2014)
A realidade é que estamos pagando por isso através de nossos impostos e vamos pagar por muito mais tempo ainda. E como se já não bastasse os bilhões gastos, a maioria dos doze estádios construídos ou reformados para o megaevento de futebol viraram “monumentos à corrupção”, com suspeitas de irregularidades, segundo a Exame (2018). Sem contar os estádios e arenas localizados em regiões que não tem atuação tão forte do futebol como as demais do país, assim não se obtém público suficiente para mantê-los ou cobrir os gastos, como é o caso da Arena Pantanal (Cuiabá-MT) e Mané Garrincha (Brasília-DF), por exemplo.
Ainda tivemos a realização das Olimpíadas em 2016, que gerou muito mais polêmica que a Copa, pois o Brasil tinha acabado de sediar uma Copa e ainda aceitou realizar uma Olimpíada, que geraria mais um enorme gasto, mais precisamente R$ 41,03 bilhões de reais (GLOBO ESPORTE, 2017).
Como na Copa do Mundo, as Olimpíadas também foi questionada, visto que com essa verba sendo investido e aproveitada na educação, poderíamos ter as melhores escolas em nosso país, com construções de escolas para regiões mais necessitadas, maior disponibilização de materiais (principalmente nas regiões mais pobres), computadores de última geração, lousas digitais, cadeiras almofadadas e muito mais tecnologia, tanto para nossos alunos quanto para nossos professores. Dando também maior valor aos profissionais da educação, estabelecendo salários dignos.
Outra finalidade para esses mais de quarenta bilhões de reais, seria a construção de novas instituições públicas de ensino superior, disponibilizando milhares de vagas para alunos de todo o país, visto que “apenas 0,8% dos brasileiros entre 25 e 64 anos tem mestrado, muito abaixo dos 13% da média da OCDE, e 0,2% dos brasileiros tem doutorado, contra 1,1% da média da OCDE” (EXAME, 2019).
A proporção do PIB investida na educação da rede pública, em relação à média de demais países, até que é boa, porém o que é gasto por aluno ainda é pouco. O Brasil gasta cerca de US$ 3,8 mil por aluno no ensino fundamental, contra US$ 8,6 mil da OCDE. No que se refere ao ensino médio, é gasto US$ 4,1 mil pelo Brasil, enquanto nos países da organização a quantia bate US$ 10 mil. Ou seja, investimento nacional não chega nem na metade dos países desenvolvidos (OCDE, 2019 apud EXAME, 2019).
Enfim, mesmo o Brasil investindo boa parte do Produto Interno Bruto (PIB) na educação, mais precisamente 4,2% (em 2016) (OCDE, 2019 apud EXAME, 2019), os exorbitantes valores gastos dariam uma educação melhor e mais digna para educadores e educandos. E, se queremos que nosso país desenvolva, é necessário que o Poder Público invista fortemente no setor educacional. Dimenstein se via convencido de que:
[...] a infância, frágil como um papel, é o mais perfeito indicador do desenvolvimento de uma nação. Revela melhor a realidade do que o ritmo de crescimento econômico ou renda per capita.
A criança é o elo mais fraco e exposto da cadeia social. Se um país é uma árvore, a criança é um fruto. E está para o progresso social e econômico como a semente para a plantação. Nenhuma nação conseguiu progredir sem investir na educação, o que significa investir na infância. Por um motivo bem simples: ninguém planta nada se não tiver uma semente. (1992, p. 3).
Nota-se como Dimenstein é muito explicativo e coerente no que diz sobre o investimento na educação. Ele foi muito feliz ao relatar que não há progresso se o país não “voltar os olhos” para a educação, uma vez que as crianças são o futuro.
É importante sim investir mais, entretanto, tal investimento deve ser aplicado com eficiência em meios e alternativas que façam a diferença.
CONCLUSÃO
É tempestivo trazer à baila, diante de tudo que já foi exposto, que a educação tem um papel irrefutável na vida de um cidadão e em uma sociedade, e a educação por meio do ensino, da alfabetização e profissionalização é um fator que movimenta positivamente um Estado, porquanto tem capacidade de movimentar a economia de um país, diminui índices criminais, fortalece a cultura. Para que tudo isso aconteça é necessário maior intervenção do Estado, maior conscientização dos pais. Ora, em seu art. 205, a Constituição Federal aduz que a educação tem como objetivo o pleno desenvolvimento da pessoa, como também prepará-la para o exercício da cidadania e qualificá-lo para o trabalho. Por tudo quanto já foi exposto, concluímos que não se trata apenas de retirar os direitos do papel, mas sim de recebê-los e fazer jus a eles.
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