AS MEDIDAS EXECUTIVAS ATIPICAS
Por: Silvana Freitas • 22/9/2021 • Trabalho acadêmico • 3.215 Palavras (13 Páginas) • 135 Visualizações
Medidas Executivas Atípicas
O primeiro parágrafo da Exposição de Motivos da Lei de Processo Civil de 2015 revelou que os legisladores esperam estabelecer um sistema de procedimento eficaz e rápido, mas não ignoram os direitos constitucionais do processo. Neste caso, as medidas administrativas desempenham um papel importante ao conferir aos magistrados um instrumento capaz de tornar forte as decisões proferidas.
Através do inciso IV do artigo 139 do CPC, o legislador conferiu o poder-dever ao juiz de "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária". No entanto, esse poder não é um cheque em branco que um magistrado possa usar. Apesar das regras gerais e abertas do artigo 139, IV, do CPC, o STJ estabeleceu um precedente sobre o assunto e buscou estabelecer normas para a aplicação de medidas executórias atípicas.
- CRITÉRIOS PARA APLICAÇÃO DAS MEDIDAS EXECUTIVAS ATIPICAS
Alicerçado sobre o direito das partes de obterem em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa, conforme artigo 4º do CPC, evitando-se a prática reiterada de manobras protelatórias, o legislador armou o juiz da execução de poderes indispensáveis à realização da atividade executiva (THEODORO JR., 2016).
Assim, consagrando o poder geral de efetivação do magistrado, o artigo 139, IV do CPC permitiu a adoção de medidas executivas não previstas em lei, sobretudo em função da impossibilidade de prever a particularidade de cada caso concreto e proporcionar meios executivos diferenciados (GUERRA, 2003). A despeito de a lei autorizar a adoção de medidas executivas atípicas pelo magistrado, não significa dizer que tais medidas podem ser usadas indiscriminadamente e sem balizas. Ao substituir o princípio da tipicidade pelo da atipicidade das medidas executivas, o magistrado continua vinculado a seguir parâmetros de controle.
Exemplo de parâmetro a ser seguido pelo magistrado é a obediência ao artigo 8º do CPC, o qual prevê o dever do juiz de atender aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. Grande parte dos requisitos definidos pelo STJ — senão todos — está fundamentada no citado artigo 8º do CPC.
- RESPEITO AOS DITAMES CONSTITUCIONAIS
O dever de preservar os direitos constitucionais, embora pareça óbvia, é importante porque, por vezes, a aplicação de medidas executivas atípicas pode ensejar restrição a direitos individuais. Como destacam Lenio Luiz Streck e Dierle Nunes (STRECK; NUNES, 2020), as "decisões públicas precisam prestar contas em relação aos princípios fundamentais da comunidade em que vivemos".
Nesse sentido, no julgamento proferido no REsp nº 1.788.950 - MT em 23/4/2019, a ministra Nancy Andrighi, foi clara ao consignar que é possível a restrição de direitos individuais, desde que observe os ditames constitucionais e seja feita de forma razoável: Não por outro motivo, o STJ vem entendendo que 'as modernas regras de processo [...], ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância, poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável' (RHC 97.876/SP, 4ª Turma, DJe 9/8/2018).
Vale lembrar, ainda, que a ADI nº 5.941/DF encontra-se pendente de julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, que possui, como objeto, justamente os dispositivos do CPC que autorizam a aplicação de medidas executivas atípicas.
- DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
Outro requisito estabelecido pelo STJ ainda sob o viés constitucional é o de que as decisões que determinam a aplicação de medidas executivas não previstas em lei devem conter fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta. O dever — para o magistrado — e o direito — para os jurisdicionados — de fundamentação das decisões judiciais é expresso, primordialmente, no artigo 93, IX da CR/88 e, no CPC, registrado no artigo 489, §1º, seguido pelo §2º, sob pena de nulidade da decisão (CUNHA, 2015). O dever de fundamentação serve como verdadeiro controle da atividade judicante, considerando que, na maioria das vezes, haverá colisão entre normas, o que atrai a disposição do §2º do artigo 489 do CPC.
Ao apreciar a validade das decisões recorridas, o STJ verifica se o pronunciamento judicial passou pelo crivo da fundamentação exauriente, ou seja, se o juiz indicou as razões pelas quais a escolha pela medida executiva atípica é adequada às especificidades da hipótese concreta. O referido requisito foi expresso em dois julgados proferidos pela 3ª Turma do STJ, quais sejam, REsp nº 1.782.418 - RJ e REsp nº 1.788.950 - MT, ambos julgados no dia 23/4/2019 e sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, com seguinte trecho nas decisões:
A decisão que autorizar a utilização de medidas coercitivas indiretas deve, ademais, ser devidamente fundamentada, a partir das circunstâncias específicas do caso, não sendo suficiente para tanto a mera indicação ou reprodução do texto do artigo 139, IV, do CPC/15 ou mesmo a invocação de conceitos jurídicos indeterminados sem ser explicitado o motivo concreto de sua incidência na espécie (artigo 489, § 1º, I e II, do CPC/15). O requisito também foi seguido em duas outras decisões julgadas pelo STJ, no REsp nº 1.864.190 - SP, julgado em 16/6/2020, e no HC nº 558.313 - SP, julgado em 23/6/2020.
- CONTRADITÓRIO SUBSTANCIAL
Ao lado do requisito da fundamentação exauriente, a decisão que prevê a aplicação de medidas executivas atípicas deve observar o contraditório substancial, direito consagrado pelo inciso LV do artigo 5º da CR/88, bem como assegurado pelos artigos 9º e 10 do CPC. Além de legitimar a decisão no tocante ao princípio da menor onerosidade (artigo 805, CPC), o contraditório efetivo, no contexto de aplicação de medidas atípicas, traz maior eficiência à decisão judicial, uma vez que evita medidas inúteis (ROSADO, 2018).
Nos julgados já citados (REsp nº 1.782.418 - RJ e REsp nº 1.788.950 - MT) a ministra relatora registrou que "para que seja adotada qualquer medida executiva atípica portanto, deve o juiz intimar previamente o executado para pagar o débito ou apresentar bens destinados a saldá-lo, seguindo-se, como corolário, os atos de expropriação típicos". No julgamento do REsp nº 1.785.726 - DF, também julgado pela 3ª Turma, mas sob a relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze, o requisito do prévio contraditório também ficou claro: Para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos, a decisão deve ser fundamentada e sujeita ao contraditório, demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão da ineficácia das que foram deferidas anteriormente.
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