Atividade acerca da alteração promovida pelo Pacote Anticrime e o prazo de conclusão do inquérito policial
Por: laurafleao • 11/9/2023 • Trabalho acadêmico • 3.576 Palavras (15 Páginas) • 92 Visualizações
Tendo sido apresentados os aspectos jurídicos e sociológicos que mapeiam o trabalho escravo no âmbito doméstico, passa-se ao momento de identificá-los nos casos concretos, a partir da análise de seus elementos, a fim de propor medidas adequadas que visem combater essa mazela.
Em uma primeira análise, faz-se necessário apresentar o caso de Madalena Gordiano, ocorrido no ano de 2020, na cidade de Patos de Minas, em Minas Gerais. Durante 38 anos de sua vida, viveu sob condições análogas à de escravo, laborando para uma família desde os 08 anos de idade, sem condições mínimas de dignidade, além de ter tido sua infância deturpada, sem vivenciar a plenitude de ser criança e conviver com outras.
De acordo com Anjos, Cruz, Fernandes e Freitas (2022), aos 08 anos de idade foi aliciada a viver na residência de seus patrões, em Viçosa/MG, em busca de condições melhores de vida. A ex-patroa, Maria das Graças, prometeu adotá-la e cuidá-la como se sua filha fosse. A família de Madalena era negra e pobre, pediam alimentos aos vizinhos para poderem sobreviver, logo acreditaram que a filha estaria melhor na residência dos novos patrões.
Não obstante, a realidade veio à tona. Madalena foi proibida de ir à escola e nunca foi adotada. Sempre trabalhou como doméstica, lavando, cozinhando e passando, sem folgas e sem descanso.
Relata Anjos, Cruz, Fernandes e Freitas (2022) que:
Gordiano vivia em condições péssimas e era maltratada pela família. Não possuía um bom quarto, sendo que o que a ela foi destinado nem janela havia. Por não ter televisão, ou celular, seu único conforto era ouvir a missa em uma Igreja Católica. Suas refeições eram o resto da comida que os chefes comiam, pois ela não podia se sentar com eles à mesa para
comer. Em datas comemorativas, Madalena Gordiano não podia participar. (AUTORES……., 2022, p. 02).
Já mais velha, foi dada a um dos filhos dos seus patrões, passando a residir em Patos de Minas/MG, onde a exploração continuou. Madalena não tinha uma jornada de trabalho definida, trabalhava até mesmo em finais de semana e feriados. O quarto em que vivia não possuía ventilação, era pequeno e totalmente inadequado à vivência. No que tange à alimentação, vivia dos restos das comidas de seus patrões, demasiadamente isolada e fragilizada.
Não bastasse a nítida violação aos seus direitos como trabalhadora doméstica, sofria violência moral. Vivia sendo maltratada pelos serviços que efetuava, sempre criticada e, antes de qualquer atitude, lhe era afirmado que era como se fosse da família, que devia gratidão. Assim, além de uma prisão física, vivia também em uma prisão psicológica.
Ainda, foi obrigada a se casar com um membro da família apenas para satisfazer os patrões. Nesse teor, Araújo (2022) explica a motivação dos empregadores:
Para além da ausência de pagamento de salário, seus patrões Dalton e Valdirene cuidaram de arranjar casamento fraudulento para a empregada,o intuito de perceberem, através dela, valores significativos provenientes de pensões previdenciárias junto ao INSS. Marino Lopes da Costa era tio de Valdirene, e foi ex-combatente do Exército, recebendo 02 benefícios, que somados totalizavam em torno de R$ 8.000,00 mensais. O casamento foi celebrado entre Mariano, à época, com idade muito avançada, e Madalena, pessoa de pouca instrução. Dois anos após, sobreveio o falecimento do pensionista, tornando se sua “esposa” a beneficiária das quantias. (ARAÚJO, 2022, p. 59).
A verdade é que Madalena nunca recebeu as pensões previdenciárias, pois tudo era aniquilado pelos seus empregadores. Foi somente em 2020, após ter vivido metade de sua vida em completa subordinação e exploração, que foi resgatada. A situação de Madalena reflete uma violação não só aos direitos domésticos, mas ao direito de ser humano e viver dignamente. Ela vivia às sombras dos patrões, fragilizada, sem conhecimentos básicos sobre a situação ilegal que vivia, já que aliciada desde a infância e nunca teve acesso à educação, muito menos convivia com outras pessoas, pois era impedida.
Direitos como à educação, à saúde, à segurança, à liberdade, à alimentação e ao lazer, que são garantidos a todos pela Carta Magna, foram-lhe usurpados. Araújo (2022) dispõe:
A dignidade da pessoa humana é inerente a todos os seres humanos e é um princípio absoluto. Madalena, no entanto, teve sua dignidade desrespeitada e violada desde os seus 08 anos de idade. As transgressões aos direitos fundamentais dessa trabalhadora foram tantas que se foi necessário realizar um resgate por equipe especializada, que constatou a sua submissão a condições análogas às de escravo. O caso de Gordiano é apenas um dentre inúmeros que ocorrem despercebidos nos lares brasileiros, perpetuados sob fundamento de que as vítimas integram a família de seus exploradores. Dito isso, faz-se valioso analisar as irregularidades encontradas, na intenção de melhor compreender essa mazela invisível. (ARAÚJO, 2022, p. 60).
Após o resgate de Madalena, o seu caso ganhou grande reconhecimento pela mídia, tendo sido repercutido através da internet e da televisão - meios de comunicação com grande acesso pela comunidade -, facilitando que as pessoas obtenham conhecimento sobre o assunto e possam ficar atentas a casos similares, a fim de que denunciem e protejam as vítimas dessa mazela.
Como resultado dessa divulgação midiática, a partir de 2020, quando Gordiano foi resgatada, as denúncias de situações análogas à de escravo no ambito domestico cresceram e, consequentemente, o número de resgates também. Segundo dados da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (2022), 30 pessoas foram resgatadas em 2021 e 05 pessoas no primeiro semestre de 2022.
Em especial, cabe detalhar dois desses casos, dando continuidade à explanação de casos concretos de trabalho escravo no âmbito doméstico, buscando verificar os elementos que os caracterizam.
O primeiro deles é a história de Madalena Santiago, resgatada na Bahia, em março de 2021, onde viveu mais da metade de sua vida, 54 anos, trabalhando para uma família. Através da ampla divulgação do caso de Gordiano, vizinhos que sabiam da condição de Santiago a encorajaram a denunciar. Em entrevista concedida pela TV Bahia, a trabalhadora confessa todo mau trato e violência que sofreu desde a infância na residência dos ex-empregadores. Constantemente, assevera que era ameaçada, sofria racismo e sofria golpe econômico pela filha dos patrões, além de ter tido seus direitos como empregada doméstica aniquilados.
...