Defesa Prévia
Por: Clarice Teles • 2/7/2018 • Pesquisas Acadêmicas • 4.193 Palavras (17 Páginas) • 147 Visualizações
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE PORTO UNIÃO/SC.
Processo nº 0002176-54.2017.8.24.0052
PRISCILA, já qualificada nos autos da Ação Penal que lhe move a Justiça Pública, por sua advogada nomeada conforme fls. 18, vem, respeitosamente perante Vossa Excelência, apresentar DEFESA PRÉVIA, com fundamento nos artigos 55 e seguintes da Lei 11.343/2006 e artigo 5º da Constituição Federal, pelas razões de fato e de direito a seguir apresentadas:
Narra a Denúncia que, em 22 de julho de 2017, por volta das 15h40min, Policiais Militares, em patrulhamento de rotina, surpreenderam a Acusada trazendo consigo, para consumo pessoal, um cigarro de "maconha" parcialmente consumido e uma outra porção da mesma droga, que, juntos, pesaram 2g (duas gramas), aproximadamente, conforme Laudo de Constatação Preliminar de fls. 6.
O Representante do Ministério Público, pugnou pela condenação da Ré nos termos do art. 28 da Lei 11.343/2006.
Em 03/08/2017, na audiência de Transação Penal, foi oferecida a Suspenção Condicional do Processo à Ré, a mesma recusou-se a aceitar, tendo em vista que o art. 28 da referida Lei é inconstitucional conforme segue:
DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 28 DA LEI 11.343/2006
O art. 28 da Lei de Drogas fere vários princípios da Constituição Federal de 1988, entre eles, a dignidade da pessoa humana, definida como autodeterminação do indivíduo para que este seja capaz de desenvolver um estilo de vida autônomo, sendo algo inerente a ele, irrenunciável e inviolável (CF, art. 1º, III); a pluralidade, abrangendo e resguardando os mais diferentes estilos de vida, com tolerância e respeito (CF, art.1º, V); a intimidade, dando-se respeito também a privacidade que cada ser humano tem, de fazer as suas escolhas, cabíveis apenas a ele (CF, art 5º, X) e isonomia, onde todos são iguais perante a lei. (CF, art. 5º, caput).
1 - Lesividade, autolesão e alteridade
Basta ler o tipo penal do art. 28, da Lei 11.343/06, que descreve, para a incidência da conduta que pretende criminalizar, exclusivamente aquela de quem adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou porta drogas proibidas “para consumo pessoal”.
Como se vê nitidamente, o elemento subjetivo do tipo, desvelado pela expressão “para consumo pessoal”, delimita com exatidão o âmbito da lesividade e impede qualquer interpretação expansionista que ultrapasse a autolesão.
Realmente, em face do princípio constitucional da reserva legal, é preciso repelir, de imediato, a concepção de crime na ação contra si mesmo, nos exatos termos típicos do artigo 28 da Lei n. 11.343/06, que, expressamente, tipifica, apenas e tão-somente, a conduta de portar, adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou portar drogas proibidas “para consumo pessoal”, ou seja, como o exclusivo e específico fim de consumi-las.
E, como ensina Magalhães Drumond, mencionado por Toron, “se o crime em causa é de perigo comum e se o que principalmente caracteriza o crime de perigo comum é a indeterminação do sujeito passivo, suposto alcançável pelo malefício a qualquer pessoa, não se poderia continuar considerando criminosa a ação de quem, convencido de ter consigo ou em depósito substância entorpecente, conseguisse comprovar que assim a detivesse para uso próprio, visando e atingindo, assim, a si próprio – pessoa determinada, isto na hipótese de não se repelir desde logo a concepção de crime na ação contra si mesmo”.[1]
Portanto, o argumento de que o artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 é de perigo abstrato, bem como a alegação de que a saúde pública é o bem tutelado, não é sustentável juridicamente, pois contraria frontalmente a expressão típica desse dispositivo, lavrado pela própria ideologia proibicionista, o qual estabelece os limites de sua incidência nos estreitos limites do elemento subjetivo elegido, que determina expressamente o âmbito da lesividade pessoal e proíbe o expansionismo indevidamente desejado.
Como assevera Maria Lúcia Karan, “é evidente que na conduta de uma pessoa, que, destinando-a a seu próprio uso, adquire ou tem a posse de uma substância, que causa ou pode causar mal à saúde, não há como identificar ofensa à saúde pública, dada a ausência daquela expansibilidade do perigo (...). Nesta linha de raciocínio, não há como negar incompatibilidade entre a aquisição ou posse de drogas para uso pessoal – não importa em que quantidade – e a ofensa à saúde pública, pois não há como negar que a expansibilidade do perigo e a destinação individual são antagônicas. A destinação pessoal não se compatibiliza com o perigo para interesses jurídicos alheios. São coisas conceitualmente antagônicas: ter algo para difundir entre terceiros, sendo totalmente fora de lógica sustentar que a proteção à saúde pública envolve a punição da posse de drogas para uso pessoal”. [2]
Como tem decidido reiteradas vezes Fernanda Souza Pereira de Lima Carvalho, Juíza de Direito da Vara do Juizado Especial Cível e Criminal de São Vicente, São Paulo, “analisando-se o tipo penal do artigo 28 da Lei 11343/06, verifica-se que o elemento subjetivo, representado pela expressão para consumo próprio, delimita com clareza e exatidão a esfera de lesividade, evidenciando a única interpretação possível, qual seja, a autolesão. Assim, na conduta de quem adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou porta, para consumo pessoal, drogas proibidas, não há como identificar ofensa à Saúde Pública, não sendo possível qualquer interpretação extensiva do âmbito de sua lesividade. Isto porque destinação pessoal e perigo para quaisquer interesses de terceiros são conceitos absolutamente paradoxais, inexistindo fundamento para a afirmação de que a proteção à Saúde Pública requer a criminalização do porte para uso próprio”.
Assim, transformar aquele que tem a droga apenas e tão-somente “para consumo pessoal” em agente causador de perigo à incolumidade ou à saúde pública, como se fosse um potencial traficante, implica frontal violação do princípio da lesividade, corolário do princípio da legalidade, dogma garantista previsto no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal.
E não é possível aceitar a afirmação de que o porte da droga para consumo pessoal representa um perigo potencial para a sociedade ou para a saúde pública, em face da possibilidade de uma conduta futura, com lesividade projetada para o futuro, no campo meramente hipotético: em primeiro lugar, porque o tipo penal em referência não faz nenhuma menção a essa lesividade futura, nem sequer faz qualquer referência à possibilidade de um dano ou risco de dano futuro para terceira pessoa; e, em segundo lugar, porque, em um Estado de Direito Democrático, erigido sob as bases da dignidade humana, não se pode admitir a criminalização de uma conduta com fundamento na possibilidade de um dano futuro, incerto e eventual.
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