Estudo Sobre a PL do Estatuto da Família - Viés Jurídico
Por: João Santi • 30/10/2018 • Trabalho acadêmico • 8.990 Palavras (36 Páginas) • 237 Visualizações
1 INTRODUÇÃO
O Brasil é um Estado Democrático de Direito, criado e fundado sob amparo dos Princípios da Isonomia e da Dignidade da Pessoa Humana, que se convergem para garantir a todos os cidadãos da sociedade brasileira um tratamento igual em seus direitos e deveres. Contudo, mesmo diante da magnificência do sentido e da índole constitucional, as interpretações do modo de aplicação da Carta Magna brasileira divergem e isso pode causar grandes danos e retrocesso social.
A interpretação literal do texto constitucional fazia com que o legislador vivente da sociedade contemporânea retroagisse ao tempo da promulgação da Constituição, instituindo diretrizes conservadoras que não mais coadunam com o modo de vivência que se encontra a sociedade brasileira atualmente. Atribuir sentido constitucional não é fazer prevalecer a diferença sobre o direito, mas sim favorecer o direito à diversidade, unificando a sociedade de fato nos igualando, independentemente da historicidade étnica, orientação sexual, expressão religiosa ou filosofia de vida. É dever do Estado resguardar o bem comum do povo e não de apenas uma parcela deste.
O art. 1º da CF/88 define que a República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito, tendo como um de seus fundamentos principais a proteção da Dignidade da Pessoa Humana. O Projeto de Lei, de nº 6.583 de 2013 (PL6583/13), proposto pelo Deputado Federal Anderson Ferreira, do Partido da República (PR), pretende fazer com que seja aplicado ao dia de hoje o que vigorava ontem e protegia o que é correto, no seu interpretar, indo de encontro ao referido pilar constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. O PL6583/13 favorece a interpretação literal daquilo que fora escrito pelo constituinte originário, protegendo a entidade familiar constituída pela união do homem com a mulher, indo contra ao direito à diferença e à liberdade de autodeterminação.
Mesmo com as controvérsias dentro das casas do Congresso Nacional, desde a propositura do projeto até os dias atuais, este ainda segue em frente, o que aflige a democracia brasileira. Com a referida proposta, os princípios fundadores do Direito das Famílias vão por “água-a-baixo”. Os princípios da Afetividade, Dignidade Humana, Liberdade, Igualdade, Pluralismo Familiar, são totalmente negligenciados quando se impõe uma ideia estática de família tradicional brasileira. Todavia, para salvaguarda do Direito Nacional, o Supremo Tribunal Federal, no exercício de suas atribuições, já definiu ser teleológica a interpretação da lei. Ou seja, a norma deve se adequar à sociedade e não o contrário. Assim, diante de interpretação jurisdicional pacificada, o projeto de lei surge eivado de completa inconstitucionalidade.
2 O PROJETO DE LEI Nº 6.583 DE 2013 - O ESTATUTO DA FAMÍLIA
2.1 Conceito e características;
O Estatuto da Família é um projeto de lei de nº 6.583/2013, de autoria do Deputado Federal Anderson Ferreira, do Partido da República (PR), e tem por objetivo regulamentar aquilo o que se considera como única possível formatação de entidade familiar.
Independentemente de uma análise sobre a constitucionalidade do projeto, este tem o intuito de limitar e moderar, sistematicamente, os direitos, garantias e deveres que hoje são atribuídos ao que se considera como “Família”. O projeto tem por escopo favorecer uma interpretação literal da Constituição Federal de 1988, do Código Civil Brasileiro e de grande parte da legislação vigente que trata sobre o tema, tendo em vista que considera como omisso o ordenamento jurídico desta ‘jovem’ República no que se refere ao assunto, como é possível observar no texto da exposição de motivos do referido projeto, vejamos:
Conquanto a própria carta magna tenha previsto que o Estado deve proteger a família, o fato é que não há políticas públicas efetivas voltadas especialmente à valorização da família e ao enfrentamento das questões complexas a que estão submetidas às famílias num contexto contemporâneo. (BRASIL. CÂMARA, 2013).
A proposta foi aprovada pela Câmara dos Deputados em 2015, e, em sequência, enviada ao Senado Federal para apreciação e votação. Contudo, há de se falar que a iniciativa legislativa é criticada severamente pelo Supremo Tribunal Federal, uma vez que, em seu entendimento, o Estatuto, fere veementemente os preceitos e garantias fundamentais resguardados pela Constituição de 1988, pois nele são excluídas as instituições familiares caracterizadas como Isoafetivas (formada pela união entre pessoas do mesmo sexo), por exemplo, sendo, no respectivo projeto, apenas retratada como entidade familiar o que dispõe no 2º artigo de seu texto original:
Art. 2º Para os fins desta Lei, define-se entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. (BRASIL. CÂMARA, 2013).
Dessa forma, insurgiram-se, contra esse rascunho legal, diversas teses que levam a entender por sua inconstitucionalidade material.
2.2 O Projeto de Lei nº. 6.583 de 2013 (Estatuto da Família) e os princípios fundamentais do direito das famílias;
2.2.1 Do princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Um macroprincípio, pelos dizeres de Maria Berenice Dias (2011), é “o princípio da dignidade humana é o mais universal de todos os princípios [...]. É um macroprincípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade, uma coleção de princípios éticos” que idealiza e funda do Estado Democrático de Direito, este é um dos primordiais princípios do Direto das Famílias, sem este viveríamos em um pleno e grandioso “inferno”.
Tal dogma é retratado no primeiro artigo de nossa carta magna e é caracterizado como principal indutor das normas vigentes em nossa sociedade, pois hoje se vê a necessidade veemente de aplicação dessa instituição humana e filosófica ante o descalabro e macabro conservadorismo político fruto de um duro período de ditaduras militares e tradicionais instituições religiosas.
O referido princípio se trata do dever de resguardar integralmente o ser humano em si, como pessoa capaz de constituir direitos e deveres independentemente de historicidade étnica que carrega, da orientação sexual que possui ou qualquer distinção que o faça inferior a qualquer outro. É caracterizado como a base mais sólida do Direito das Famílias, pois resguarda a cada um, individualmente, o direito de possuir e/ou integrar uma família e nessa ser respeitado como ser humano.
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