O Aborto por anencefalia e zika vírus
Por: caiolli • 8/4/2018 • Trabalho acadêmico • 2.941 Palavras (12 Páginas) • 234 Visualizações
Introdução
Primeiramente, importante destacar a definição médico-legal para o “abortamento” que, segundo a Organização Mundial de Saúde- OMS[1] é a expulsão do ovo antes de sua vitalidade completa, considerada como em período aproximado entre a 20ª e 22ª semanas de gestação ou a extração do feto com menos de 500 gramas.
Na interpretação jurídica, o “aborto” é conceituado como a interrupção prematura da gestação, tendo como resultado a morte do feto.
Nas palavras de Damásio de Jesus[2], o abortamento é a “interrupção da gravidez com a consequente morte do feto (produto da concepção)”.
Mirabete[3] complementa indicando que é a “interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. É a morte do ovo (até três semanas de gestação), embrião (de três semanas a três meses) ou feto (após três meses), não implicando necessariamente sua expulsão. O produto da concepção pode ser dissolvido, reabsorvido pelo organismo da mulher ou até mumificado, ou pode a gestante morrer antes da sua expulsão”.
No Brasil, a retirada da vida intrauterina, independente do método ou se há ou não consentimento da mãe, é conduta tipificada como crime contra a vida, conforme abaixo transcrito:
“Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque;
[...]
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante;
[...]
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante;”
Neste sentido, o ordenamento jurídico brasileiro tutela o direito à vida com proeminência, desde a Lei Maior, (Constituição Federal), em seu artigo 5º, caput, até as legislações futuras a serem sancionadas e aplicadas nesta e futuras gerações.
Como exceções específicas ao abortamento como crime, o Código Penal brasileiro prevê os chamados “aborto necessário” e “aborto sentimental”, cuja prática se permite nos casos que a manutenção da gestação ofereça risco à vida da gestante ou em caso de gravidez oriunda de estupro, respectivamente.
Assim sendo, o Poder Judiciário tem papel fundamental, uma vez que dotado de jurisdição, tem o poder-dever de, no caso concreto, aplicar a lei de modo a garantir que a proteção à vida e os demais direitos fundamentais tutelados deixem a seara abstrata, em um mundo hipotético e passem a ser a realidade fática dos brasileiros.
Especificamente, no que diz respeito às exceções à criminalização do abortamento, necessário se faz não apenas a atuação dos Poderes Legislativo e Executivo, como forma preventiva, gerando políticas públicas para conscientização de toda a população das formas de contracepção, para o fim de se evitar gravidez indesejada e a proliferação de doenças sexualmente transmissíveis, além da importância das medidas protetivas à infecção de vírus transmitidos pelos aedes aegypti, entre outros; como a atuação do Poder Judiciário, muitas vezes em exercício de funções atípicas, aplicar a lei abstrata nos casos concretos, ainda que sejam as exceções não explicitadas do texto legal.
O dispositivo legal de exceção à proibição legal da prática do “aborto”, destaca-se a impossibilidade de o legislador exaurir a matéria no âmbito legislativo, uma vez que a vida cotidiana apresenta novos desafios no que diz respeito à conduta humana.
Neste trabalho apresentaremos análise crítica à atuação do Supremo Tribunal Federal quando da interpretação e aplicação da norma jurídica tipificada como o crime de “aborto”, não apenas sob a ótica legalista do texto, como também da aplicação das exceções oriundas das necessidades atípicas da vida cotidiana.
Atuação do Supremo Tribunal Federal sobre a ausência de previsão legal para abortamento de feto anencefálico – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF54[4]
A arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 54, foi apresentada perante o Supremo Tribunal Federal em junho de 2004, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS defendeu, em síntese, a declaração de inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 124, 126, caput, que proíbem a conduta descrita como “antecipação terapêutica do parto” nos casos de feto anecéfalos, não havendo, pois, de ser considerada a prática como “abortiva”, uma vez que a patologia, além de irreversível, torna inviável a vida extra-uterina, restando vulnerados os preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana (artigo1º, inciso IV), princípios da legalidade, liberdade e autonomia da vontade (artigo 5º, inciso II e o direito à saúde (artigos 6ª, cáput e 196).
Preliminarmente, o Ministro Relator Marco Aurélio determinou a interrupção dos processos criminais, seja contra o profissional da saúde, seja contra as mães que conceberam a prática do ato interruptivo da gestação, cuja discussão tivesse como assunto o “aborto” de feto anencefálico; e autorizou os procedimentos interruptivos, feitos por médicos, pautado em convencimento preliminar, no sentido de equiparação da anencefalia à morte cerebral.
Anteriormente ao julgamento pelo plenário, foram realizadas quatro audiências públicas no intuito de ouvir representantes de diversas entidades públicas, privadas, de cunho religioso e cientifico no fito de esclarecer não apenas os reflexos do tema perante a sociedade, como também explicitar técnica e cientificamente a patologia e os efeitos da gestação tanto na mulher como no feto e quais as probabilidades de prosseguimento da vida extrauterinas.
Em voto fundamentado, primeiramente esclareceu o Relator que, ainda que ouvidos os representantes das entidades religiosas, deve-se considerar que o Brasil é Estado laico, (o Estado é oficialmente imparcial em relação às questões religiosas), não havendo, julgamento de cunho religioso acerca do assunto tratado na ação.
Em sua grande maioria, fundamentou o voto vencedor por informações colhidas em audiências públicas e defendeu, nas primeiras linhas, que de acordo com o entendimento majoritário da comunidade científica, não há que se falar em conflito de direitos fundamentais (direitos da mãe x o direito à vida do feto), em virtude da total ausência de expectativa de vida, uma vez que, considerando a equivalência da anencefalia à morte cerebral, o feto anencefálico jamais será titular do direito à vida.
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