O CONCUBINATO E DIREITOS DA(O) AMANTE
Por: Marisa Miranda • 26/12/2018 • Pesquisas Acadêmicas • 2.100 Palavras (9 Páginas) • 189 Visualizações
CONCUBINATO E DIREITOS DA(O) AMANTE
1. Apresentação
A infidelidade e os amores paralelos integram a trajetória da humanidade e acompanham de perto a história do casamento. O assunto por muito tempo foi estigmatizado pela sociedade, embora o dicionário explique que a palavra amante significa aquela que ama, ganhou uma significação negativa, atribuída a quem se relaciona clandestinamente. Entretanto, nos dias atuais, por força constitucional da dignidade humana, a doutrina e a jurisprudência vem enfrentando a matéria.
2. As Relações paralelas de afeto
A amante saiu do limbo jurídico a que estava confinada. Em todo o mundo há um grande número de pessoas que possuem relações afetivas paralelas. É comum encontrar alguém que mantenha uma relação de concubinato.
Segundo uma pesquisa realizada em 2016 pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, os homens são mais infiéis que as mulheres no Brasil. Entre eles, 50,5% admitem já terem sido infiéis em seus relacionamentos e entre as mulheres, a traição foi admitida por 30,2%. Entre as regiões abordadas pela pesquisa, Salvador é a capital recordista em traição. Lá, 45,8% da população, entre homens e mulheres, admite já ter traído. Já São Paulo é a capital com menor porcentagem de infiéis: 33,8%.
Dessa forma, visualiza-se a existência de inúmeros relacionamentos paralelos ao casamento e à união estável. Nessa linha de raciocínio, imaginemos que um homem ou uma mulher seja casado (a) e há alguns anos mantenha uma relação simultânea com um(a) amante. Indaga-se: o Direito deverá tutelar ambas as relações – a travada com o cônjuge e a mantida com o(a) amante? E, sendo afirmativa a resposta, a tutela decorrerá da atuação das normas do Direito de Família? Para compreender esse contexto no objetivo de encontrar uma solução, é necessário, primeiramente, compreender o fenômeno do poliamorismo em confronto com o papel da fidelidade no ordenamento jurídico brasileiro.
3. O poliamorismo e a fidelidade
É indiscutível o reconhecimento da fidelidade recíproca como um valor juridicamente tutelado, tanto que foi elevada à condição de dever legal do casamento ou da união estável, como disposto nos artigos 1.566, inciso I e 1.724 do Código Civil Brasileiro. Portanto, partindo do pressuposto de que a fidelidade é uma característica das entidades familiares em geral, é difícil aplica-la no que se convencionou chamar de poliamorismo.
O poliamorismo ou poliamor admite a possibilidade de coexistência de duas ou mais relações afetivas paralelas, em que os partícipes conhecem e aceitam a condição de uma relação múltipla e aberta. Segundo a psicóloga Noely Montes Moraes, professora da PUC-SP, a etologia, a biologia e a genética não confirmam a monogamia como padrão dominante nas espécies, o que inclui a humana. E, apesar de não ser uma realidade ocidentalmente aceita, as pessoas podem amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo.
4. Relação jurídica de concubinato e direitos da(o) amante
Por mais que este não seja o padrão comportamental da nossa vida afetiva, trata-se de uma realidade existente, que já é objeto de reflexão da doutrina especializada e que culmina por mitigar, pela atuação da vontade dos próprios atores da vida, o dever de fidelidade, pelo menos na concepção tradicional que a identifica com a exclusividade.
Há, inclusive, notícia de jurisprudência nesse sentido:
A 8.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça reconheceu que um cidadão viveu duas uniões afetivas: com a sua esposa e com uma companheira. Assim, decidiram repartir 50% do patrimônio imóvel, adquirido no período do concubinato, entre as duas. A outra metade ficará, dentro da normalidade, com os filhos. A decisão é inédita na Justiça gaúcha e resultou da análise das especificidades do caso. (...) Para o Desembargador Portanova, ‘a experiência tem demonstrado que os casos de concubinato apresentam uma série infindável de peculiaridades possíveis’. Avaliou que se pode estar diante da situação em que o trio de concubino esteja perfeitamente de acordo com a vida a três. No caso, houve uma relação ‘não eventual’ contínua e pública, que durou 28 anos, inclusive com prole, observou. ‘Tal era o elo entre a companheira e o falecido que a esposa e o filho do casamento sequer negam os fatos — pelo contrário, confirmam; é quase um concubinato consentido’. O Desembargador José Ataides Siqueira Trindade acompanhou as conclusões do relator, ressaltando a singularidade do caso concreto: ‘Não resta a menor dúvida que é um caso que foge completamente daqueles parâmetros de normalidade e apresenta particularidades específicas, que deve merecer do julgador tratamento especial’”.
Na mesma linha, decisão da Justiça de Rondônia:
“A coexistência de duas ou mais relações afetivas paralelas, nas quais as pessoas se aceitem mutuamente, motiva a partilha dos bens em três partes iguais, segundo decisão inédita dada por um juiz de Rondônia. Em uma Ação Declaratória de União Estável, o juiz Adolfo Naujorks, da 4.ª Vara de Família da Comarca de Porto Velho, determinou a divisão dos bens de um homem entre ele, a esposa com quem era legalmente casado, e a companheira, com quem teve filhos e conviveu durante quase trinta anos. Segundo o juiz, a sentença se baseou na doutrina e em precedente da jurisprudência, que admite a ‘triação’ — meação que subdivide o patrimônio em partes iguais. O juiz ainda fundamentou sua decisão em entendimento da psicologia, que chama essa relação triangular pacífica de ‘poliamorismo’”.
Assim, ressalta-se que mesmo a fidelidade sendo um valor juridicamente tutelado, não é considerada um comportamento absoluto e inalterável pela vontade das partes. O conceito de fidelidade tem sofrido flexibilização diante do conhecimento mútuo e aceitação.
E o que dizer, por outro lado, quando apenas uma das partes rompe esse dever,
...