O CRIME DE FURTO UM CONTRIBUTO PARA A ANALISE DE UMA NOVA REALIDADE
Por: Marco Fedele • 1/12/2017 • Artigo • 2.050 Palavras (9 Páginas) • 358 Visualizações
O CRIME DE FURTO UM CONTRIBUTO PARA A ANALISE DE UMA NOVA REALIDADE
O pais vive num cenário de crise prolongada. Mas esta crise não é só de cariz económico; é também uma crise que choca, de frente, com a matriz tradicional do Direito, na forma como o mesmo é concebido e relativamente aos seus espaços de actuação. Existe uma pressão enorme, por parte da sociedade - e seus operadores (cidadãos, empresas, etc.) - para que o Direito Penal dê, hoje, respostas a circunstâncias que há bem pouco tempo seriam facilmente afastadas do lastro da sua actuação. A esta atitude não é a alheia a posição do próprio legislador que parece querer trazer para o Direito Penal a punição de um, cada vez maior, número de condutas, sem muitas vezes atender aos principios orientadores da sua actuação tradicional e originária. Esta conduta é negadora, ela mesma, da essência de ultima ratio deste ramo de Direito. Por outro lado, o facto de, para a sociedade, apenas o Direito Penal se mostrar como a solução única aceitável para a regulação e apuramento de responsabilidades que os cidadãos estabelecem entre si e com as empresas é demonstrativo da crise que o Direito vive actualmente. A afirmação de mais Direito Penal é também a afirmação de maior descrédito de todas as outras áreas do Direito (Civil, contra-ordenacional, etc.). A exigência de mais Direito Penal em todos os quadrantes da vida é, ela própria, a negação do Direito. Mais Direito Penal é, afinal, menos Direito. A opção pela resposta do Direito Penal por parte do cidadão tem a sua compreensão em diversos factores: a) desde logo, o menor custo eco- nómico que lhe está subjacente a apresentação duma queixa, em regra, está desprovida de qualquer custo económico, ao contrário da instauração duma acção de natureza cível. Tal factor tem papel decisivo, por exemplo, na gestão dos conflitos duma empresa com os seus clientes: não pagar nada pelo accionamento das regras de responsabilização penal é sempre melhor do que pagar alguma coisa pelo accionamento das regras de responsabilização civil, especialmente quando falamos de valores residuais, por exemplo; b) a exigência dum carácter menos formal - em regra, a apresentação duma queixa não carece de nenhum formalismo especial, não exige a constituição de mandatário; o pedido de indemnização civil, dentro do processo e até determinado valor, está desprovido de exigências de maior, etc.; c) a passividade versus proactividade - o desencadear do processo de responsabilização penal, através da apresentação duma queixa, relega para o Estado e toda a estrutura que foi criada com esse propósito (policias, tribunais, Ministério Público, etc.), toda a actividade probatória e custos que lhe estão associados, podendo o queixoso - se assim optar -, assumir o papel de mero espectador, sem qualquer outra exigência processual de maior; d) a (falsa) questão da morosidade: existe a noção, nem sempre exacta, que o Direito Penal é capaz de oferecer uma solução mais célere do que qualquer outro ramo de Direito. Contudo, os fundamentos e razões que estão por detrás da opção do cidadão e das empresas que recorrem às instâncias penais, sendo matéria a ter em consideração em sede de definição de política de Justiça, não podem ser motivo para ultrapassar aqueles que são os verdadeiros e reais principios orientadores da intervenção do Direito Penal. Ora, a actual situação de crise económica que marca o país trouxe, além do mais, uma nova realidade que cumpre analisar e enquadrar juridicamente, a fim de determinar se a mesma é, ou não, susceptível de responsabilização (penal). Os cidadãos estabelecem, no seu dia-a-dia, relações contratuais com múltiplas entidades, visando a obtenção de serviços tidos, pela generalidade da sociedade moderna, por essenciais. Um desses contratos é o do fornecimento de água e tratamento de águas residuais. Seja directamente com as autarquias, seja através de empresas públicas ou privadas (concessionadas), a maioria da população activa tem um contrato deste género. Como se disse, a crise que assola o país tem levado a que muitos destes contratos redundem em incumprimentos por parte dos consumidores que, vendo a sua capacidade económica enfraquecida, acabam por não pagar pelo serviço prestado. Aquele incumprimento continuado tem como resposta por parte da entidade prestadora do serviço a remoção dos contadores e a cessação do fornecimento de água. Perante o corte de fornecimento de água têm sido detectadas inúmeras situações em que os consumidores (alegadamente) usufruem de água, fazendo ligações directas sem contabilização de consumo entre a rede geral e as suas habitações. Ora, é precisamente esta ligação directa, posterior- mente verificada, que as entidades prestadoras do fornecimento de água, têm denunciado, em forma de queixa, junto dos serviços do M.P, solicitando a responsabilização criminal daqueles consu- midores. Importará, assim, definir se tal factualidade é, ou não passível de incriminação A conduta supra descrita é, em abstracto, enquadrável no tipo legal de furto (art. 203.0, C. Penal). Será, contudo, esse o adequado tratamento legal Ou, antes, estará esta conduta desprovida de res- ponsabilização penal, deixando-se para as instâncias civeis a tutela dos interesses das entidades queixosas? Vejamos, então. Do tipo legal do crime de furto: Dispõe o art. 203.0, C. Penal, que "quem, com ilegitima inten de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa ção
móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa São, então, elementos típicos objectivos deste ilicito, a SU TRACÇÃo de CoISA Importa referir que é obrigatório o preenchimento cumulativo de todos estes elementos tipicos objectivos para que se possa punir a conduta do agente a titulo de furto; a contrario, a não verificação dum qualquer destes elementos afasta aquela punição. Questiona-se, pois, se a conduta daquele que se apropria de água através de uma ligação directa, nos termos supra descritos, constitui subtracção de coisa móvel alheia Paulo Pinto de Albuquerque( começa por dizer que a defini- ção de coisa móvel para efeitos penais não se deve confundir com a noção civilística (citando também, sentido, Figueiredo Dias, Eduardo Correia, António Barreiros e Paulo Sar Matta). Bem se percebe que aquele autor apele a uma noção de coisa móvel diferente da noção civilistica. Na realidade, o Código Civil, no seu art. 204.0, define, como coisas imóveis, além do mais, as águas (alínea b). Tendo presente esta noção, afastada ficaria desde logo, da punição a título de furto a conduta em análise. Não podemos concordar, porém, com aquele autor (que, diga-se, não justifica a sua posição, no sentido de não se poder apelar àquela noção). Especialmente se tivermos em conta que aquele mesmo autor faz apelo às noções civilisticas para enquadrar, no mesmo crime, outros elementos típicos objectivos (3) Na realidade, impõe o legislador que a interpretação da lei deve, sobretudo, ter em conta a unidade do sistema jurídico (art. 9.0, n. l do CC). E, por isso, não faz sentido, num mesmo tipo legal, para determinados conceitos, fazer-se uso das noções civilis ticas atribuídas a determinados conceitos uso dessas mesmas noções para outros conceitos.
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