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O Direito Societário Sociedade Anônima

Por:   •  27/11/2020  •  Trabalho acadêmico  •  5.714 Palavras (23 Páginas)  •  561 Visualizações

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ATIVIDADE INDIVIDUAL

Matriz de atividade individual

Disciplina: Direito Societário – Sociedade Anônima – 0520-0_0

Módulo: Atividade individual

Aluno: Wilton João Caldeira da Silva

Turma: PGO_DSSAPOSEAD-36_04052020_2

Tarefa: Parecer

Parecer

1. INTRODUÇÃO 

Trata-se de consulta formulada por acionista de companhia de capital aberto que passará por operação de cisão, com versão total do patrimônio, resultando em três outras pessoas jurídicas.

Relata, o acionista, que referida companhia, depois de uma situação econômica, financeira e patrimonial desgastada, sai exitosa de recuperação judicial com o reequilíbrio da atividade empresarial. Ato contínuo, o Conselho de Administração propôs uma cisão total da companhia, o que foi aprovado em assembleia geral extraordinária.

O histórico ainda registra que o protocolo e a justificação previam a versão total do patrimônio em três pessoas jurídicas novas, constituídas para receber o patrimônio da companhia cindida.

O consulente é acionista da companhia que será cindida e se apresenta na condição de ter amortizado o investimento feito no passado, detendo, agora, ações de fruição.

Considerando que a cisão acarretará redução patrimonial e que os acionistas serão reembolsados parcialmente, o questionamento feito é como proceder em relação ao titular da ação de fruição, ora consulente.

É a síntese necessária.

Feito estre introito, ancorado na legislação aplicável à espécie, relacionam-se os direitos do consulente, discorrendo, também, sobre cada fase acima descrita e sobre a operação societária que se concretizará.

2. DESENVOLVIMENTO

O presente parecer jurídico tem o objetivo de assistir o acionista titular de ações de fruição de companhia que será cindida, com versão total do patrimônio, resultando na constituição de três novas pessoas jurídicas e com redução patrimonial. Saliente-se que a análise se restringirá aos aspectos jurídicos, de forma objetiva, partindo-se, ainda, da premissa de que todos os elementos fáticos foram trazidos pelo consulente e que estão representados no relatório introdutório deste parecer.

O primeiro ponto que ganha relevo neste parecer é a definição sobre a classificação das ações que advém do art. 15 da Lei nº. 6.404/76: As ações, conforme a natureza dos direitos ou vantagens que confiram a seus titulares, são ordinárias, preferenciais, ou de fruição. Elas são divididas em espécies, conforme a natureza dos direitos e vantagens que trazem a seus titulares. As ações ordinárias asseguram aos titulares os direitos comuns de sócios, como o de participar de deliberações sociais, de votar e ser votado, de receber dividendos, de fiscalizar a gestão dos administradores, de preferência na subscrição de novas ações, dentre outros. Já as ações preferenciais gozam de algumas vantagens e privilégios não conferidos às ações ordinárias, tais como a prioridade na distribuição de dividendo, fixo ou mínimo, ou prioridade no reembolso do capital, com prêmio ou sem ele.

Por sua vez, as ações de fruição, cerne deste parecer, são conferidas aos acionistas a partir da amortização das ações ordinárias ou preferenciais que eles possuíam (operação na qual a companhia paga ao acionista o valor que teria de receber em caso de liquidação da companhia). Inobstante a isto, segundo LUÍS LORIA FLAKS, permanecem as ações sempre com os mesmos direitos a elas conferidos originalmente, salvo as restrições a alguns desses direitos impostos pelo estatuto ou pela assembleia da companhia[1].

Diante destas definições, importante, agora, descrever sobre a operação de amortização da qual resultou as ações de fruição de titularidade do consulente.  O art. 44 da Lei nº. 6.404/76 disciplina que o estatuto ou a assembléia-geral extraordinária pode autorizar a aplicação de lucros ou reservas no resgate ou na amortização de ações, determinando as condições e o modo de proceder-se à operação. Na forma do §2º do referido dispositivo legal, a amortização consiste na distribuição aos acionistas, a título de antecipação e sem redução do capital social, de quantias que lhes poderiam tocar em caso de liquidação da companhia. E do art. 44, §5º, da Lei nº. 6.404/76, extrai-se:

§5º As ações integralmente amortizadas poderão ser substituídas por ações de fruição, com as restrições fixadas pelo estatuto ou pela assembléia-geral que deliberar a amortização; em qualquer caso, ocorrendo liquidação da companhia, as ações amortizadas só concorrerão ao acervo líquido depois de assegurado às ações não a amortizadas valor igual ao da amortização, corrigido monetariamente.

A amortização pode ser integral ou parcial. Sendo integral, pode compreender todas as ações, ou somente algumas delas (ou, ainda, uma só classe ou categoria de ações). Aquelas ações integralmente amortizadas podem ser substituídas por ações de fruição, cujos direitos serão definidos pelos estatutos ou pela assembleia geral, mas com seguranças mínimas: a) participar dos lucros sociais, em condições de igualdade para cada classe ou categoria de ações; b) participar, nas mesmas condições, da repartição do ativo social; c) fiscalizar, na forma da lei, a gestão dos negócios sociais; d) subscrever, preferencialmente, os aumentos de capital; e) retirar-se da sociedade, nos casos previstos em lei.

É exatamente o que ocorreu no caso do consulente (amortização integral de suas ações), recebendo as intituladas ações de fruição (em substituição das ações integralmente amortizadas). Na lição de IVAN HORCAIO:

“São aquelas que podem ser utilizadas para substituir ações integralmente amortizadas. A amortização consiste na distribuição aos acionistas, a título de antecipação e sem redução do capital social, de quantias que lhes poderiam tocar em caso de liquidação da companhia”[2].

Nas palavras de NELSON EIZIRIK, assim como ocorre no resgate, a amortização poderá, na constituição da companhia, ser regulada no estatuto, que deverá estabelecer as condições e o modo de proceder à operação[3]. Isto possibilita a amortização dos investimentos do acionista sem a redução do capital social, ou seja, quando a sociedade distribui aos acionistas importâncias que eles teriam direito a receber na liquidação da sociedade, o que somente pode ocorrer à conta de lucros ou reservas disponíveis[4].

Socorre-se da percuciência de ELISABETH MARIA PEREIRA para traduzir pertinência das ações de fruição:

“Pode acontecer, com relação às sociedades anônimas concessionárias de serviços públicos, que elas se obriguem a transferir gratuitamente ao poder público concedente todas as suas instalações, ao terminar o prazo da concessão. Em casos assim, considerando-se que, às vezes, essas instalações correspondem a boa parte do capital social, surge a necessidade de este último ser reembolsado aos acionistas, de acordo com um plano de amortização. E uma vez que o capital social é representado por suas ações, podemos falar em amortização de ações. De conformidade com o art. 44, §§ 2.° e 3.°, da Lei n.º 6.404, a amortização - que pode ser integral ou parcial, e abranger todas as classes de ações ou uma só delas - consiste na distribuição aos acionistas, a título de antecipação e sem redução do capital social, de quantias que lhes poderiam tocar em caso de liquidação da companhia. As ações integralmente amortizadas podem ser substituídas por ações de fruição. Portanto, a ação de fruição, mencionada pelo art. 15, caput, da Lei n.º 6.404, pode ser definida como aquele tipo especial de ação, emitido em substituição à ação integralmente amortizada”[5].

De qualquer forma, o acionista preserva do direito de participar da distribuição de lucros líquidos e, como dito, na forma do art. 44, §5º, da Lei nº. 6.404/76, de concorrer, na liquidação, ao acervo líquido depois de assegurado às ações não a amortizadas valor igual ao da amortização, corrigido monetariamente (segundo o art. 109 da Lei nº. 6.404/76, nem o estatuto social nem a assembléia-geral poderão privar o acionista dos direitos de: I - participar dos lucros sociais; II - participar do acervo da companhia, em caso de liquidação).

MIRANDA VALVERDE diz que a amortização não é um reembolso efetivo do capital, mas um adiantamento que se incorpora, definitivamente, ao patrimônio do acionista, a título de compensação pela demora na restituição do capital e na partilha dos lucros acumulados, que, normalmente, só ocorreriam quando a sociedade fosse liquidada[6]. Já WALDEMAR FERREIRA assimila a amortização ao resgate e as diferencia na medida em que as ações resgatadas são retiradas da circulação, excluindo-se da sociedade os seus titulares, ao passo que os titulares das ações amortizadas permanecem na sociedade, com os direitos reduzidos representados pelas ações de fruição[7].

DARCY ARRUDA MIRANDA JUNIOR elucida:

“Não se confunde a amortização com o resgate, uma vez que, ocorrendo aquela, as ações poderão ser substituídas por ações de fruição, e, acontecendo este, as ações resgatadas são destruídas, uma vez que são retiradas para sempre de circulação; aquela pode compreender a totalidade das ações de uma companhia, este, como é evidente, não”[8].

Na amortização, não é o capital social que se restitui aos acionistas, pois este não se altera, mas sim os lucros e reservas acumulados até o valor correspondente ao capital que será amortizado. Assim, os acionistas recebem, antecipadamente, os valores correspondentes à sua contribuição para o capital social, evitando eventual frustração de não terem retorno do investimento (é uma bonificação ao acionista, na medida em que ele tem restituídos os valores investidos, sem abandonar a condição de acionista, sendo-lhe assegurado um dividendo extraordinário ou uma vantagem a mais).

LUÍS LORIA FLAKS diz que:

“Quanto ao valor da amortização, este deve ser o preço de emissão da ação pago pelo acionista. Isto porque via a amortização tão-somente a devolver ao acionista, total ou parcialmente, o valor por ele empregado na formação do capital social da companhia, continuando o acionista com suas ações. Nada obstante, quando a subscrição de ações tiver sido acompanhada de ágio, este poderá não ser devolvido ao acionista por conta da amortização, uma vez que esse ágio não representa, por sua própria natureza, a participação do acionista no capital social”[9].

Todavia, como a sociedade distribui, aos acionistas, importâncias que eles teriam direito a receber na liquidação da sociedade, entende-se que deve ser aferido o valor patrimonial das ações no ato da amortização. O valor patrimonial das ações é de extrema relevância para diversas operações societárias, seja na partilha do acervo líquido no ato de liquidação, seja na amortização das ações, de modo que o montante pago aos acionistas deve ser calculado com base no valor patrimonial das ações emitidas pela companhia. Por isto, FÁBIO KONDER COMPARATO traz que:

“(...) o direito genérico do acionista consiste em não ser privado do benefício econômico gerado pela apuração de lucros do patrimônio social. Tal benefício econômico, no patrimônio individual dos acionistas, traduz-se, também, pelo aumento do valor patrimonial das ações de que são titulares, ainda que não aumentado o capital social com a consequente distribuição gratuita de ações”[10].

Na doutrina de ANDRÉ SANTA CRUZ:

“Ressalte-se que o cálculo do valor patrimonial da ação é de suma importância em algumas situações como, por exemplo, quando da liquidação da companhia, em que após a realização do ativo e satisfação do passivo deve-se proceder à partilha do saldo remanescente, que corresponde justamente ao patrimônio líquido da S/A. Nesse caso, cada acionista receberá, na partilha, o valor patrimonial correspondente às ações que possuir. Outra situação em que sobressai a importância do cálculo do valor patrimonial da ação é a operação de amortização, que mencionamos com detalhes quando do estudo das ações de fruição. Deliberada a amortização da ação, por exemplo, antecipa-se ao acionista, no todo ou em parte, o valor que ele receberia se a companhia estivesse sendo dissolvida naquele momento, ou seja, o valor patrimonial de sua ação”[11].

Sobre o valor patrimonial das ações, pesquisou-se na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

Direito civil. Contrato de participação financeira. Violação dos artigos 165, 458, II e 535 do CPC. Não caracterização. Legitimidade. Incidência do verbete sumular n.º 07 dessa Corte. Prescrição prevista no artigo 287, II, “g” da Lei 6.404/76. Não incidência. Valor patrimonial da ação. Apuração no mês da integralização. Multa do artigo 538, § único, do CPC. Exclusão. Recurso especial conhecido em parte, e na extensão, provido. 1. O v. acórdão veio devidamente fundamentado, nele não havendo qualquer contradição, obscuridade ou omissão. 2. Nos contratos de participação financeira, não incide a prescrição prevista no artigo 287, inciso II, alínea “g”, da Lei n.º 6.404/76. 3. O valor patrimonial da ação, nos contratos de participação financeira, deve ser o fixado no mês da integralização, rectius, pagamento, do preço correspondente, com base no balancete mensal aprovado. 4. Nos casos de parcelamento do desembolso, para fins de apuração da quantidade de ações a que tem direito o consumidor, o valor patrimonial será definido com base no balancete do mês do pagamento da primeira parcela. 5. Multa do artigo 538, parágrafo único, do Código de Processo Civil, afastada. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido. (STJ, REsp 975.834-RS, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ 26.11.2007, p. 115)

Definido o conceito de amortização e traçados os direitos (e restrições) do titular da ação de fruição, necessário imiscuir sobre a operação societária a que se submeterá a companhia, ou seja, a cisão.

Neste particular, merece destaque que, se o Conselho de Administração propôs a cisão da companhia, com base no art. 136, IX, da Lei nº. 6.404/76, aprovada em assembleia geral extraordinária (art. 122, VIII, da Lei nº. 6.404/76 - compete privativamente à assembleia geral deliberar sobre transformação, fusão, incorporação e cisão da companhia, sua dissolução e liquidação, eleger e destituir liquidantes e julgar-lhes as contas), o requisito do caput do referido dispositivo deve ter sido atendido: aprovação de acionistas que representem metade, no mínimo, das ações com direito a voto, se maior quorum não for exigido pelo estatuto da companhia cujas ações não estejam admitidas à negociação em bolsa ou no mercado de balcão.

Ainda, na forma do art. 163, III, da Lei nº. 6.404/7, compete ao conselho fiscal opinar sobre as propostas dos órgãos da administração, a serem submetidas à assembléia-geral, relativas a modificação do capital social, emissão de debêntures ou bônus de subscrição, planos de investimento ou orçamentos de capital, distribuição de dividendos, transformação, incorporação, fusão ou cisão.

E, sobre o conceito de cisão, doutrina GLADSTON MAMEDE que:

“A definição legal é muito ampla e, destarte, compreende diversas hipóteses de cisão: (1) divisão da sociedade em duas ou mais sociedades, fruto da cisão e, assim, criadas a partir da mesma, extinguindo-se a sociedade cindida; (2) cisão parcial da sociedade, que se mantém – que não se extingue, apenas tem seu corpo social reduzido -, sendo criada uma ou mais novas sociedades; (3) cisão parcial da sociedade, que se mantém, sendo transferido parte de seu corpo social para outra ou outras sociedades preexistentes que, destarte, incorporam essa parte do patrimônio cindido; (4) cisão total da sociedade, que se extingue, sendo transferido seu corpo social, em partes, para outras sociedades preexistentes que incorporam tais partes do patrimônio cindido”[12].

Por sua vez, para MODESTO CARVALHOSA:

“A cisão constitui negócio plurilateral, que tem como finalidade a separação do patrimônio social em parcelas para a constituição ou integração destas em sociedades novas ou existentes. Do negócio resulta ou não a extinção da sociedade cindida, como referido. A causa da cisão é a intenção válida e eficaz dos sócios ou acionistas de racionalizarem sua participação no capital da sociedade cindida, mediante sua repartição em outras sociedades novas ou existentes. Visa à composição de interesses individuais que, de outra forma, levariam à dissolução da sociedade, ou à concentração ou desconcentração empresarial. O objetivo será a obtenção de economias de escala pela junção ou disjunção de específicas divisões de empresas diversas, que se somam para tal fim”[13].

A sociedade cindida, por assembleia geral, cuja ata servirá de ato de constituição das novas pessoas jurídicas, aprovará a justificação com os elementos do protocolo e o laudo de avaliação, relativamente ao patrimônio líquido que será vertido para as novas sociedades. Sobre a justificação e o protocolo, veja a disposição do art. 224 e art. 225 da Lei nº. 6.404/76:

Art. 224. As condições da incorporação, fusão ou cisão com incorporação em sociedade existente constarão de protocolo firmado pelos órgãos de administração ou sócios das sociedades interessadas, que incluirá:

I - o número, espécie e classe das ações que serão atribuídas em substituição dos direitos de sócios que se extinguirão e os critérios utilizados para determinar as relações de substituição;

II - os elementos ativos e passivos que formarão cada parcela do patrimônio, no caso de cisão;

III - os critérios de avaliação do patrimônio líquido, a data a que será referida a avaliação, e o tratamento das variações patrimoniais posteriores;

IV - a solução a ser adotada quanto às ações ou quotas do capital de uma das sociedades possuídas por outra;

V - o valor do capital das sociedades a serem criadas ou do aumento ou redução do capital das sociedades que forem parte na operação;

VI - o projeto ou projetos de estatuto, ou de alterações estatutárias, que deverão ser aprovados para efetivar a operação;

VII - todas as demais condições a que estiver sujeita a operação.

Parágrafo único. Os valores sujeitos a determinação serão indicados por estimativa.

Art. 225. As operações de incorporação, fusão e cisão serão submetidas à deliberação da assembléia-geral das companhias interessadas mediante justificação, na qual serão expostos:

I - os motivos ou fins da operação, e o interesse da companhia na sua realização;

II - as ações que os acionistas preferenciais receberão e as razões para a modificação dos seus direitos, se prevista;

III - a composição, após a operação, segundo espécies e classes das ações, do capital das companhias que deverão emitir ações em substituição às que se deverão extinguir;

IV - o valor de reembolso das ações a que terão direito os acionistas dissidentes.

E, neste particular, na forma do art. 137, III, da Lei nº. 6.404/76, registre-se que teria, eventual acionista dissidente, o direito de se retirar da companhia, mediante reembolso de suas ações (art. 45 da Lei nº. 6.404/76), caso a cisão implique na: a) mudança do objeto social, salvo quando o patrimônio cindido for vertido para sociedade cuja atividade preponderante coincida com a decorrente do objeto social da sociedade cindida; b) redução do dividendo obrigatório; ou c) participação em grupo de sociedades.

Avançando, com base no art. 226 da Lei nº. 6.404/76, as operações de incorporação, fusão e cisão somente poderão ser efetivadas nas condições aprovadas se os peritos nomeados determinarem que o valor do patrimônio ou patrimônios líquidos a serem vertidos para a formação de capital social é, ao menos, igual ao montante do capital a realizar.

Percebe-se, aqui, que será relevante estabelecer que as novas pessoas jurídicas, na somatória, serão constituídas com capital social inferior ao valor do patrimônio que será vertido da companhia cindida, pois, possivelmente, excessivo (colhe-se do art. 173 da Lei nº. 6.404/76 que a assembléia-geral poderá deliberar a redução do capital social se houver perda, até o montante dos prejuízos acumulados, ou se julgá-lo excessivo). Somente assim para fazer sentido a informação de que os acionistas serão reembolsados parcialmente ante a operação de cisão. A redução de capital excessivo em relação ao que será necessário para consecução do objeto social das novas companhias se dá porque é antieconômico mantê-lo assim, inclusive por razões contábeis e operacionais. Nesta hipótese de redução de capital, ou haverá restituição (ou, valendo-se do termo utilizado na consulta, reembolso) aos acionistas de parte do investimento realizado na companhia ou haverá dispensa de montantes que eventualmente ainda não tenham sido aportados (o que não se apresenta no caso). Observe-se, aqui, que o termo reembolso não é aquele literalmente previsto no art. 45 da Lei nº. 6.404/76, mas simples restituição, aos acionistas, na proporção do capital social que será reduzido.

Importante trazer que, com base no art. 223, §2º, da Lei nº. 6.404/76, os sócios ou acionistas das sociedades incorporadas, fundidas ou cindidas receberão, diretamente da companhia emissora, as ações que lhes couberem (Art. 229. § 5º, da Lei nº. 6.404/76 - As ações integralizadas com parcelas de patrimônio da companhia cindida serão atribuídas a seus titulares, em substituição às extintas, na proporção das que possuíam; a atribuição em proporção diferente requer aprovação de todos os titulares, inclusive das ações sem direito a voto), sendo que, complementando com os §§3º e 4º do mesmo dispositivo legal:

§3º Se a incorporação, fusão ou cisão envolverem companhia aberta, as sociedades que a sucederem serão também abertas, devendo obter o respectivo registro e, se for o caso, promover a admissão de negociação das novas ações no mercado secundário, no prazo máximo de cento e vinte dias, contados da data da assembléia-geral que aprovou a operação, observando as normas pertinentes baixadas pela Comissão de Valores Mobiliários.

§4º O descumprimento do previsto no parágrafo anterior dará ao acionista direito de retirar-se da companhia, mediante reembolso do valor das suas ações (art. 45), nos trinta dias seguintes ao término do prazo nele referido, observado o disposto nos §§ 1º e 4º do art. 137.

Tratando o caso de cisão total, o patrimônio de uma companhia é cindido em sua totalidade às outras e, ao final, ela é extinta (art. 219, II, da Lei nº. 6.404/76 - extingue-se a companhia pela incorporação ou fusão, e pela cisão com versão de todo o patrimônio em outras sociedades). O art. 233 da Lei nº. 6.404/76 ainda contempla:

Art. 233. Na cisão com extinção da companhia cindida, as sociedades que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da companhia extinta. A companhia cindida que subsistir e as que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da primeira anteriores à cisão.

Apenas para não passar ao largo deste parecer, vale-se da jurisprudência para explicar este ponto sobre a solidariedade das sociedades que absorverem parcelas do patrimônio daquela cindida:

EMBARGOS À EXECUÇÃO. PLANO CRUZADO. PORTARIAS 38 E 45/86 DO EXTINTO DNAEE. RESTITUIÇÃO. CEEE. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. CISÃO PARCIAL. ATO JURÍDICO REALIZADO ANTES DA CISÃO, CUJO CRÉDITO FOI CONSTITUÍDO POSTERIORMENTE. ARTS. 229, § 1º E 233, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI 6.404/76. TRANSFERÊNCIA DE ENCARGOS. INEFICÁCIA EM RELAÇÃO A CREDOR QUE, À ÉPOCA, NÃO PODIA SE OPOR. PRECEDENTE. I - O que se discute no presente feito é se a recorrente, sociedade de economia mista cindida parcialmente em virtude de privatização, detém legitimidade passiva ad causam para responder por dívidas derivadas de atos jurídicos anteriores à cisão cujos créditos foram constituídos posteriormente, na hipótese em que há previsão, no edital de privatização, da não-solidariedade pelo pagamento. II – “2. O patrimônio social constitui, via de regra, a garantia dos credores da pessoa jurídica. Com a cisão, ocorre transferência da totalidade ou de uma parcela do patrimônio da sociedade cindida para outras sociedades, fato que reduz a garantia dos credores da sociedade original. 3. No caso de cisão total, as sociedades assim originadas respondem, em solidariedade, pelas obrigações da companhia que se extingue (artigo 233). 4. Tratando-se de cisão parcial, via de regra, também prevalece a solidariedade, a menos que no ato de reestruturação societária exista disposição em sentido contrário. Neste caso, tendo sido afastada a solidariedade entre a sociedade cindida e as sociedades que vierem a absorver parcela do patrimônio cindido, os credores anteriores à cisão podem se opor à estipulação de ausência de solidariedade com relação a seus créditos, mediante o envio de notificação à sociedade no prazo de 90 dias a contar da publicação dos atos da cisão. 5. Em relação aos credores com títulos constituídos após a cisão, mas referentes a negócios jurídicos anteriores, não se aplica a estipulação que afasta a solidariedade, já que, à época da cisão, ainda não detinham a qualidade de credores, portanto, não podiam se opor à estipulação. Esta interpretação dos arts. 229, § 1º c/c 233, parágrafo único, da Lei n.º 6.404/76 garante tratamento igualitário entre todos os credores da sociedade cindida (REsp nº 478824/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, DJ de 19.09.2005)”. III - Recurso especial improvido. (REsp 1057136/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/09/2008, DJe 15/09/2008)

A hipótese de cisão com versão total do patrimônio em outras três novas pessoas jurídicas, apesar de fazer desaparecer a companhia cindida, difere-se, stricto sensu, da liquidação.

Para MODESTO CARVALHOSA, a cisão pode ou não acarretar a extinção da sociedade cindida, mas, em ambos os casos, não aplicam os institutos da dissolução ou da liquidação[14]. Já FRAN MARTINS esclarece que a liquidação é a fase, no processo de extinção da pessoa jurídica, em que será realizado o ativo e satisfeito, com o produto do mesmo, o passivo da sociedade[15].

O acionista titular de ação de fruição, relembrando o §5º do art. 44 da Lei nº. 6.404/76, apenas na liquidação (stricto sensu) concorreria ao acervo líquido depois de assegurado às ações não a amortizadas valor igual ao da amortização, corrigido monetariamente. Ocorre que, no caso em debate, há que se trazer, de forma analógica, à aplicação tal dispositivo legal, interpretando-o de forma mais abrangente.

Isto porque, para que a cisão se perfectibilize, o patrimônio líquido da companhia cindida precisa ser distribuído aos acionistas para que pratiquem, diretamente, o ato de subscrição da parcela do valor do patrimônio da sociedade atribuída à sociedade beneficiária. Segundo MODESTO CARVALHOSA:

“Assim, a cisão processa-se em três fases: a transmissão de parcelas de patrimônio da sociedade cindida a favor de sociedades novas ou existentes; a migração de todos os sócios ou acionistas da sociedade cindida para as sociedades beneficiárias, sem embargo de se manterem também sócios ou acionistas naquela sociedade cindida que permanecer com parte de seu patrimônio após a cisão; e, finalmente, a extinção ou não da sociedade cindida”[16].

E continua MODESTO CARVALHOSA:

“As peculiaridades do negócio de cisão são várias. A primeira encontra-se no fato de o subscritor do capital inicial ou do aumento nas sociedades existentes não ser a sociedade cindida, mas seus sócios ou acionistas, numa transposição de direitos patrimoniais que não se enquadra no conceito clássico de alienação”[17].

Como o consulente é titular de ações de fruição, precisar-se-ia perquirir sobre o valor patrimonial das ações na época da amortização, o que nada mais é do que aquele oriundo do patrimônio da companhia. Como já esboçado alhures, enquanto o valor nominal corresponde a uma parcela do capital social, o valor real corresponde ao valor patrimonial integrado na empresa. Divide-se o patrimônio líquido da companhia pelo número de ações e obtém-se, assim, o valor patrimonial de cada uma delas.

Feito isto, comparar-se-ia ao patrimônio líquido da companhia na época da operação da cisão para, aplicando, por analogia, o art. 44, §5º, da Lei nº. 6.404/76, verificar se o titular da ação de fruição teria o que concorrer depois de assegurado às ações não a amortizadas valor igual ao da amortização, corrigido monetariamente.

Se o saldo for igual ou inferior, o consulente nada receberá.

Ainda mais considerando que haverá redução patrimonial com reembolso parcial aos acionistas, na medida em que o capital social das novas companhias, somado, será inferior ao valor do patrimônio da companhia cindida. Como o consulente já teve suas ações amortizadas, na redução do capital social deve ocorrer a compensação, nada mais recebendo sob esta rubrica (salvo, repise-se, se tiver havido acréscimo no valor patrimonial, incidindo, então, o §5º do art. 44 da Lei nº. 6.404/76).

Neste particular, preservado está o princípio da igualdade entre acionistas (também traduzido no art. 109, §1º, da Lei nº. 6.404/76). Até porque os acionistas não apenas podem como devem ser tratados diferentemente em variados casos de redução do capital, sem que isto signifique o afastamento do princípio da igualdade proporcional ou a violação das regras que dão concreção a ele.

É evidente que o capital não se confunde com o patrimônio social. As duas figuras nem sequer correspondem numericamente, a não ser quando da constituição da sociedade, antes de encetadas as suas operações: a partir daí, o patrimônio social sofrerá as flutuações decorrentes das vicissitudes dos negócios, ao passo que o capital permanecerá imutável, salvo nova operação financeira (aumento ou redução) traduzida, necessariamente, por uma figura jurídica.

Para MIRANDA VALVERDE, o capital de uma sociedade anônima é o total, em dinheiro, fixado nos estatutos, das contribuições que os subscritores devem verter para a sociedade[18]. TULLIO ASCARELLI, por sua vez, leciona que esse capital constitui uma entidade jurídica e a sua importância corresponde ao produto do número de ações pelo valor nominal de cada uma[19].

Como as ações de fruição não mais correspondem a uma parcela do capital social da companhia cindida (após a amortização integral, as ações não representam uma parcela do capital social, mas apenas uma parcela do patrimônio social), por ser resultado de amortização, atento ao que dispõe o §5º do art. 229 da Lei nº. 6.404/76 (As ações integralizadas com parcelas de patrimônio da companhia cindida serão atribuídas a seus titulares, em substituição às extintas, na proporção das que possuíam), não há como atribuir ao consulente quaisquer ações nas novas companhias. Até porque estas não podem ser constituídas com ações de fruição.

O consulente somente concorrerá ao acervo líquido, também recebendo parcela do patrimônio ao final da operação societária, se o patrimônio líquido da companhia permitir que o titulares das ações ordinárias e das preferenciais (representativas do capital social) recebam valor igual ao da amortização, corrigido monetariamente, o que, pelo que se apresenta, será vertido para as novas pessoas jurídicas pela subscrição de ações por eles.

3. CONCLUSÃO

Ante todo o exposto e fundamentado, nos limites da análise jurídica e excluída a apreciação da oportunidade e conveniência por parte do consulte quanto às orientações aqui trazidas, conclui-se, então:

a) ser legítima a operação societária de cisão de companhia de capital aberto, com versão total do patrimônio (extinção da companhia cindida), para constituição de três novas pessoas jurídicas (também companhias de capital aberto), com aprovação em assembleia da justificação com os elementos do protocolo.

a.1) qualquer acionista poderá, se houver mudança do objeto social, redução do dividendo obrigatório ou participação em grupo de sociedades, exercer seu direito de retirada.

b) as novas pessoas jurídicas, na somatória, serão constituídas com capital social inferior ao valor do patrimônio que será vertido da companhia cindida, pois, possivelmente, excessivo. Somente assim para fazer sentido a informação de que os acionistas serão reembolsados parcialmente ante a operação de cisão, ou seja, haverá restituição aos acionistas de parte do investimento realizado na companhia cindida.

c) no caso de cisão total, o patrimônio da companhia é cindido em sua totalidade às outras e, ao final, ela é extinta.

c.1) tal hipótese difere-se, stricto sensu, da liquidação, mas, para efeitos práticos e por analogia, aplica-se ao caso o art. 44, §5º, da Lei nº. 6.404/76, autorizando que o consulente concorra ao patrimônio líquido ou acervo líquido depois de assegurado às ações não a amortizadas valor igual ao da amortização, corrigido monetariamente.

c.2) isto porque, como as ações de fruição não mais correspondem a uma parcela do capital social da companhia cindida, por ser resultado de amortização, atento ao que dispõe o §5º do art. 229 da Lei nº. 6.404/76, não há como atribuir ao consulente quaisquer ações nas novas companhias (até porque elas não podem ser constituídas com ações de fruição).

d) comparando-se o valor patrimonial das ações na época da amortização com o patrimônio líquido da companhia na época da operação da cisão, se o saldo for igual ou negativo, o consulente nada receberá.

d.1) o consulente somente concorrerá ao acervo líquido, também recebendo parcela do patrimônio ao final da operação societária, se o patrimônio líquido da companhia permitir que o titulares das ações ordinárias e das preferenciais (representativas do capital social) recebam valor igual ao da amortização, corrigido monetariamente, o que, pelo que se apresenta, será vertido para as novas pessoas jurídicas pela subscrição de ações por eles.

d.2) na questão do reembolso (termo utilizado na consulta) parcial para os acionistas ante a redução patrimonial, como o consulente já teve suas ações amortizadas, na redução do capital social deve ocorrer a compensação, nada mais recebendo.

É o parecer.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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