Peça Prático-Profissional OAB XX - Penal
Por: Douglas Andrade • 12/6/2017 • Trabalho acadêmico • 1.712 Palavras (7 Páginas) • 1.852 Visualizações
PEÇA 1 (OAB-FGV) – (Alegações Finais por memoriais)
Astolfo, nascido em 15 de março de 1940, sem qualquer envolvimento pretérito com o aparato judicial, no dia 22 de março de 2014, estava em sua casa, um barraco na comunidade conhecida como Favela da Zebra, localizada em Goiânia/GO, quando foi visitado pelo chefe do tráfico da comunidade, conhecido pelo vulgo de Russo. Russo, que estava armado, exigiu que Astolfo transportasse 50 g de cocaína para outro traficante, que o aguardaria em um Posto de Gasolina, sob pena de Astolfo ser expulso de sua residência e não mais poder morar na Favela da Zebra. Astolfo, então, se viu obrigado a aceitar a determinação, mas quando estava em seu automóvel, na direção do Posto de Gasolina, foi abordado por policiais militares, sendo a droga encontrada e apreendida. Astolfo foi denunciado perante o juízo competente pela prática do crime previsto no Art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06. Em que pese tenha sido preso em flagrante, foi concedida liberdade provisória ao agente, respondendo ele ao processo em liberdade. Durante a audiência de instrução e julgamento, após serem observadas todas as formalidades legais, os policiais militares responsáveis pela prisão em flagrante do réu confirmaram os fatos narrados na denúncia, além de destacarem que, de fato, o acusado apresentou a versão de que transportava as drogas por exigência de Russo. Asseguraram que não conheciam o acusado antes da data dos fatos. Astolfo, em seu interrogatório, realizado como último ato da instrução por requerimento expresso da defesa do réu, também confirmou que fazia o transporte da droga, mas alegou que somente agiu dessa forma porque foi obrigado pelo chefe do tráfico local a adotar tal conduta, ainda destacando que residia há mais de 50 anos na comunidade da Favela da Zebra e que, se fosse de lá expulso, não teria outro lugar para morar, pois sequer possuía familiares e amigos fora do local. Disse que nunca respondeu a nenhum outro processo, apesar já ter sido indiciado nos autos de um inquérito policial pela suposta prática de um crime de falsificação de documento particular. Após a juntada da Folha de Antecedentes Criminais do réu, apenas mencionando aquele inquérito, e do laudo de exame de material, confirmando que, de fato, a substância encontrada no veículo do denunciado era “cloridrato de cocaína”, os autos foram encaminhados para o Ministério Público, que pugnou pela condenação do acusado nos exatos termos da denúncia. Em seguida, você, advogado (a) de Astolfo, foi intimado (a) em 06 de março de 2015, uma sexta-feira. Com base nas informações acima expostas e naquelas que podem ser inferidas do caso concreto, redija a peça cabível, excluída a possibilidade de Habeas Corpus, no último dia do prazo, sustentando todas as teses jurídicas pertinentes.
EXCELENTÍSSIMO JUIZ DE DIREITO DA ... VARA CRIMINAL DA COMARCA DE GOIÂNIA CAPITAL DO ESTADO DE GOIÁS
Processo: ...
Réu: Astolfo
Astolfo, já qualificado nos autos, vem, por seu advogado constituído, à presença de Vossa Excelência apresentar
ALEGAÇÕES FINAIS, POR MEMORIAIS
nos termos do artigo 403, §3º, do Código de Processo Penal, conforme fundamentos que se seguem.
I – DOS FATOS
O réu foi denunciado nas sanções do art. 33, caput, da Lei 11.343, porque, aos 22 de Março de 2014, transportou 50 gramas de cocaína, sob a coação do chefe do tráfico comunidade onde o réu é residente.
Astolfo, constrangido pela exigência diante do traficante armado, sob pena de ser expulso de sua residência e não mais poder morar na comunidade que reside há mais de 50 anos, se viu obrigado a transportar a droga. Durante o trajeto, foi abordado por policiais militares, sendo a droga encontrada e apreendida.
É a síntese necessária.
II – Do retrospecto Processual
Durante a Audiência de Instrução e Julgamento, após serem observadas todas as formalidades legais, Astolfo confirmou durante seu interrogatório que fazia o transporte da droga, alegando as exigências e ameaças.
Tendo o Ministério Público pugnado pela condenação do réu nos termos da denúncia foi a defesa intimada para apresentar as alegações finais na forma de memoriais.
III - Quanto ao Mérito
III.1 – Da Inexistência do Crime
A parte majoritária da doutrina no Direito Penal estabelece que para a existência de crime o fato precisa ser típico, antijurídico e culpável. A situação do réu exclui o terceiro elemento da teoria tripartite do crime, visto que Astolfo foi coagido a transportar a droga sob ameaças de um traficante armado e, do contrário, teria sido expulso da comunidade.
Faz-se necessário relatar que o réu é idoso, tem 74 anos, e a família e os amigos estão todos na mesma comunidade onde Astolfo vive. Portanto, coagi-lo a transportar a droga, sob a ameaça de expulsá-lo da comunidade, tornou o cenário decisório impossível que não o conhecido.
O réu nunca teve a intenção clara de cometer crime de tráfico de drogas. Foi a ameaça de ser retirado do ambiente que vive há meio século, privado da proximidade da família e amigos que obrigou Astolfo a transportar a droga, sob exigências de um chefe do tráfico.
Sob estas circunstâncias versa o artigo 22 do Código Penal:
Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.
Portanto não há punibilidade ao réu - que estava sob coação irresistível – fulminando, assim, a culpabilidade. E se não há culpa, não há crime.
Diante deste quadro estaremos exatamente nas circunstâncias do artigo 386, inciso IV, do Código de Processo Penal:
Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
(...)
VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência;
Desta maneira, torna-se forçoso que o réu seja absolvido.
III.2 – Da Dosimetria da Pena
Contudo, caso o julgador não entenda cabível a absolvição, há de se discutir a dosimetria da pena ideal, não devendo esta afastar-se do mínimo legalmente previsto, uma vez que as circunstâncias que contextualizam o caso assim determinam.
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