Projeto de Lei 523/11 e a pretensa tipificação dos danos morais
Por: Glaucia Tavares • 14/4/2017 • Artigo • 1.255 Palavras (6 Páginas) • 254 Visualizações
Projeto de Lei 523/11 e a pretensa tipificação dos danos morais
Em debate, o Projeto de Lei 523/11, que pretende instituir regras a respeito das reparações por danos morais no Brasil.
Por Adriano Marteleto Godinho
Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 523/11, de autoria do deputado Walter Tosta (PMN-MG), que define o dano moral como "todo aquele em que haja irreparável mácula à honra subjetiva de pessoa natural ou jurídica". O texto do Projeto ainda especifica 24 condutas consideradas lesivas à honra, entre as quais se encontram a inscrição indevida em cadastro de inadimplentes, o assédio moral no trabalho e a demonstração pública de discriminação racial, política, religiosa e de gênero (texto original extraído de http://www.editoramagister.com/noticia_ler.php?id=53631&utm_source=PmwebCRM-AGECOMUNICACAO&utm_medium=Edi%C3%A7%C3%A3o%20n.%201439%20-%2001.agosto.2011), aqui descrito com ligeiras modificações).
Segundo o autor do Projeto, o dano moral é controverso na legislação vigente, pois os artigos 186 e 187 do Código Civil trazem norma relativa ao assunto, porém "de forma genérica". Por falta de ordenamento jurídico claro, afirma o deputado, "grandes empresas e cidadãos abastados assumem o risco por ser notória a baixa probabilidade de condenação".
Pelo projeto, a indenização será fixada entre 10 e 500 salários mínimos e levará em conta o potencial econômico da vítima e o do autor do dano. Nos casos de ação coletiva ou de efeito vinculante, não há valor máximo.
As condutas definidas como dano moral no texto do Projeto são:
- inscrição indevida em cadastros de inadimplentes;
- cobrança indevida de valores;
- contratação em relação de consumo, sem a anuência formal expressa do consumidor;
- realização de revista em consumidor;
- venda de passagem para veículo de transporte coletivo cujas vagas estejam esgotadas;
- fornecimento de produto fora das especificações técnicas ou adequadas às condições de consumo;
- fornecimento de produto alimentício contaminado, fora do prazo de validade ou em condição diversa das estipuladas pelas normas sanitárias;
- disposição de cláusula leonina ou abusiva em instrumento de contrato;
- cobrança, por qualquer meio, em local de trabalho;
- exposição vexatória no ambiente de trabalho;
- descumprimento das normas da medicina do trabalho;
- erro médico que cause dano à vida ou à saúde do paciente;
- exposição da vida ou da saúde de outrem a risco;
- exposição de dados pessoais, sem a anuência formal da pessoa exposta;
- veiculação por meio de comunicação em massa de notícia inverídica;
- comprovada exposição pública de caso extraconjugal;
- violação do dever de cuidado;
- abuso no exercício do poder diretivo;
- interrupção injustificada do fornecimento de serviço essencial;
- exposição vexatória ou não consentida da imagem pessoal;
- denegar direito expresso em lei;
- o ato ilícito, ainda que não gere dano específico.
Uma série de questões suscitadas pelo texto merecem comentário. Inicialmente, vê-se que o Projeto de Lei 523/2001, em tramitação no Congresso, objetiva eliminar a "abstração" das hipóteses de dano moral, ao pretender condensar, num corpo normativo, determinadas circunstâncias que ensejariam o abalo à honra.
O texto do Projeto, contudo, padece de falhas notórias. Em primeiro lugar, pelo próprio conceito de dano moral, que, segundo o Projeto, seria "todo aquele em que haja irreparável mácula à honra subjetiva de pessoa natural ou jurídica". Cabe dizer, de plano, que o dano moral, em sentido mais amplo, afeta, no caso das pessoas naturais, a sua dignidade – projeta a questão para muito além da honra, que é apenas um dos componentes da personalidade humana.
Já no que toca às pessoas jurídicas, impossível falar na honra em seu viés subjetivo, eis que esta, que simboliza a auto-estima, é própria dos seres humanos. As pessoas jurídicas, na realidade, são tuteladas em sua honra objetiva, sinônimo de reputação e respeitabilidade social. É certo, a propósito, que as pessoas jurídicas fazem jus à reparação pelos danos morais sofridos, nos termos da Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça, que já pacificou a matéria. O que está em jogo, contudo, é a honra objetiva das pessoas jurídicas, cujo renome merece resguardo.
Para além disso, peca também o Projeto ao tentar esboçar as hipóteses de dano moral, caindo na velha e enganosa tentação de tentar abraçar com as leis todas as circunstâncias da vida cotidiana. Sabe-se bem que tal intento é impossível, mesmo porque inúmeras situações imprevistas à época da edição das leis sempre surgirão, desafiando uma aplicação extensiva das normas vigentes. É ilusão crer que a atividade legislativa, sempre mais lenta que as experiências sociais, será capaz de contê-las por inteiro.
A propósito, o sistema do novo Código Civil brasileiro é propositadamente fundado nas chamadas "cláusulas gerais" (ou "cláusulas abertas"), que servem precisamente para conferir ao intérprete maior liberdade na atividade exegética. As expressões de certa forma vagas, como "função social", "boa-fé" e tantas outras, vêm substituir as antigas concepções de que o legislador deve abranger tudo quanto possa e de que caberia ao jurista – especialmente ao magistrado – tão-somente aplicar a norma posta em lei. Assim, a tentativa de enunciar um rol de circunstâncias tipificadoras do dano moral nasce já defasada.
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