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Sistema de Sócio-Educação Brasileiro

Por:   •  3/6/2016  •  Trabalho acadêmico  •  6.238 Palavras (25 Páginas)  •  344 Visualizações

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  1. Introdução

Ao visitarmos a Fundação de Atendimento Sócio-Educativa (FASE) – mais precisamente a unidade “Comunidade Sócio-Educativa” (CSE), cujos internos estão em cumprimento de medida sócio-educativa do tipo ISPAE ou do tipo ICPAE - em Porto Alegre-RS, visita essa realizada em maio de 2012, constatamos que a aplicação de medida sócio-educativa de internação sem possibilidade de atividade externa parecia se aproximar, em muito, da execução de penas imputáveis a maiores.

A partir dessa realidade, e tendo conhecimento dos princípios regentes do Estatuto da Criança e do Adolescente –bem como sabendo que se diferenciam daqueles que regem a aplicação de penas a adultos - natural foi a vontade de escrutinizar a pena e a medida sócio-educativa, nas características que mais as aproximam ou distanciam, tanto na teoria, quanto na prática.

Assim, esse trabalho visa a uma análise sobre a legislação relativa às crianças e aos adolescentes, em seu caráter de proteção e de restrição de direitos, bem como uma análise da Lei de Execuções Penais e uma reflexão sobre as garantias constitucionais dos presos.

Constatados os princípios-base e os objetivos de ambas as leis – ECA e LEP – far-se-á a verificação da realidade de aplicação das mesmas. A partir daí, abordaremos no que se aproximam e no que se afastam, teórica e empiricamente, como e porque isso ocorre.

  1. Medida Socioeducativa
  1. O ECA

O Estatuto da Criança e do Adolescente, lei federal 8.069, de 13 de julho de 1990, dispõe sobre os direitos e garantias dos indivíduos entre 12 e 18 anos, bem como sobre os deveres e direitos das famílias e da sociedade no que concerne à proteção do menor. Além de legislar sobre medidas protetivas, caracteriza o ato infracional (Título III) e dispõe sobre as medidas sócio-educativas a serem implementadas se a “conduta descrita como crime ou contravenção penal” for praticada por menor (Título IV).

O ECA surgiu objetivando colocar crianças e adolescentes em posição de sujeitos de direito. Por essa razão que enfatiza o caráter protetivista, não apenas dispondo sobre os direitos da juventude – direitos à vida, à saúde, à liberdade, à dignidade, à convivência familiar e comunitária, à educação, à cultura, à proteção no trabalho, entre outros – como também prevendo meios para que esses se concretizem, impondo aos pais e à sociedade certos deveres.

  1. Breve contexto histórico

Anteriormente, existiram no Brasil o Código de Menores (em vigor de 1927 a 1979) e o Segundo Código de Menores (de 1979 a 1990, adotava a “Doutrina da Situação Irregular”), ambos com caráter paternalista e tutelar, utilizando-se de um viés em que a criança e o adolescente não eram vistos como titulares de direitos, mas figuravam em uma “posição passiva de objeto de interesses e objeto de aplicação de medidas jurídicas e sociais[1]”. Assim, atuava-se de forma assistencialista ou repressiva, com os menores em situação “irregular[2]”.

Foi a partir da Constituição Federal de 1988[3] e da Convenção sobre Direitos das Crianças da UNICEF, de 1989, que se fundamentou a construção do ECA.

A nova carta constitucional trouxe inovações no sentido de proteger os jovens e garantir direitos fundamentais a eles, independentemente da posição em que estejam – se abandonados ou não, se infratores ou não, se em situação irregular ou não: enfim, a Constituição de 1988 tratou de conceber a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, adotando, portanto, a “Doutrina da Proteção Integral”.

Assim, deu-se início a um processo de concepção da juventude no qual o responsável por esta não é tão-somente o Estado (como fora no Código de Menores), mas também a família, a comunidade, a sociedade e o Poder Público[4].

  1. O ato infracional

Dispõe o ECA, em seu artigo 103, que ato infracional é toda conduta praticada por menor que corresponda à “conduta descrita como crime ou contravenção penal[5]”, sendo menor, consoante disposição do caput do artigo 2° da mesma lei, crianças e adolescentes de até 18 anos[6].

Mais precisamente, ato infracional é aquela conduta tipificada no Código Penal ou na Lei de Contravenções Penais, sendo, portanto, antijurídica e que, além disso, poderia ser culpável (e o sendo não se diferenciaria em gênero nem de crime, nem de contravenção penal) caso o adolescente fosse imputável[7].

Sobre a inimputabilidade do menor de 18 anos, dispõe o código penal em seu artigo 27[8], concebendo um critério cronológico. Conforme ministra André Kaminski: “A importância da imputabilidade está na verificação das capacidades intelectiva – saber o que está fazendo – e volitiva – poder agir conforme seu querer – do agente. O inimputável não entende o que faz  ou, entendendo, não tem condições de determinar-se segundo esse entendimento e sua vontade”[9] e, após, citando Figueiredo[10]: “entretanto, sendo fato tipificado e antijurídico, não perde sua característica de reprovabilidade em razão de ter sido praticado por agente inimputável. Sendo ato reprovável, a ele corresponde a aplicação de medidas de cunho pedagógico”. E são estas “medidas de cunho pedagógico”, cujo objetivo não é outro se não o de aplicar uma sanção à conduta reprovável, que vieram a se consagrar, no ECA, como “medidas sócio-educativas”.

  1.  O que é medida sócio-educativa?

Como explanado anteriormente, o ECA funda-se em princípios protetivos que visam à garantia de direitos fundamentais de crianças e adolescentes, sendo que, quando convertidos esses princípios em medidas, estas, muitas vezes, são dirigidas às famílias, à comunidade, à sociedade ou ao Poder Público, se necessário para proteger o menor.

As medidas sócio-educativas, por sua vez, são dirigidas ao menor – adolescente, com mais de 12 anos – quando este entra em situação de conflito com a lei e, em sendo assim, possuem caráter menos protetivo e mais repressivo[11].

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê sete formas de medida sócio-educativa que podem ser aplicadas separada ou cumulativamente – sem que a lei disponha de quantidade máxima -, quais sejam[12]: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semi-liberdade, internação em estabelecimento educacional e, como dispõe o inciso sete do artigo 112, as medidas protetivas previstas no artigo 101[13].

  1. Advertência: a advertência “consistirá em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada[14]”. Conforme Marcelo Mezzomo: A advertência [...] deve ser relegada aos casos de menor gravidade, cometidos sem violência contra a pessoa ou grave ameaça, e envolvendo adolescente sem antecedentes[15]”. Patrícia Cavalcante ministra: Esta admoestação implica ao juiz ou ao promotor de justiça na leitura da conduta praticada, na censura e na explicação da ilegalidade do ato infracional cometido pelo adolescente, estando presentes os seus pais ou responsáveis, e ao infrator, na promessa de que o evento delituoso não se realizará de novo. Tal medida poderá ser aplicada na fase extrajudicial, por ocasião da remissão (forma de exclusão do processo), imposta pelo promotor de justiça, homologada pelo juiz, ou na fase judicial, empregada pelo juiz, durante o curso de investigação da conduta infracional, ou depois da sentença[16]”.
  2. Obrigação de reparar o dano

Evidentemente, tal medida somente pode ser aplicada a menores que tenham tido conduta reprovável relacionada ao patrimônio de outrem. Nessa perspectiva, o juiz pode determinar que “o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou por outra forma, compense o prejuízo da vítima[17]”. Fatalmente, é evidente que tal medida não se dirige tão-somente à proteção – e nem mesmo unicamente à punição – do adolescente, mas, sim, possui um caráter de reprovabilidade da conduta e de “acerto de contas” perante a sociedade.

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