Sobre a obra Vigiar e Punir de Michel Focault
Por: athos Teixeira • 15/9/2022 • Artigo • 8.031 Palavras (33 Páginas) • 155 Visualizações
1– Introdução
A obra apresenta a história dos suplícios no sistema punitivo desde meados do século XVIII a final do Século XIX; demonstrando o grau de crueldade e suplício aplicado nas condenações penais que na verdade formavam um grande circo de horrores em praça pública com intuito claro de afirmar o poder dos soberanos; demonstrando a capacidade punitiva do Estado, coibia-se a prática delitiva e mantinha-se o status do poder nas mãos de seus detentores os “Reis”, que assim continuavam a cometer os mais diversos abusos, garantindo a manutenção da ordem e moldando o indivíduo a viver da forma “correta”, “legal” de acordo com seus interesses.
Na fase absolutista o emprego dos castigos corporais ocorreram com a aplicação de duras penas à pessoa do condenado; a severidade do castigo era a forma de se exercer a devida punição àqueles que infringiam a lei, que também era considerada uma afronta ao poder do soberano/rei; assim, aplicavam-se os suplícios corporais, penas animalescas, que trazia à tona a face mais obscura do ser humano, o flagelo, a dor, a tortura, o vexame, o tratamento degradante que perdurava até depois da morte; tinha como escopo que o povo pudesse ver o que ocorreria com aquele que desafiasse o poder/lei/rei/soberano, era o verdadeiro caráter intimidador da pena.
Já nos regimes democráticos verificamos o deslocamento dos castigos corporais para o que ele diz ser a alma do condenado, ou seja, aplica-se a vigilância sobre o indivíduo a fim de não ocorrer os delitos, caso este venha a existir que o sujeito pague com aquilo que é mais caro “a liberdade” (aprisiona-se o corpo com intuito de infringir sua alma); nos regimes democráticos, em tese, o suplício desaparece e a sociedade passa a ser constantemente disciplinada; esta evolução se dá com a interferência dos mais diversos estudioso, filósofos, juristas, que passam a questionar e a se revoltar com o caráter desumano das penas; entretanto, a preocupação não era somente com as penas, mas com a criação de vias que garantissem a diminuição no número de crimes cometidos, então, nasce a sociedade disciplinada e vigiada.
Em sua obra, Foucault, faz analogia do sistema prisional como se estivesse ligado direta e sistematicamente à noção de Poder, haja vista que os castigos corporais e incorpóreos eram formas de controle do indivíduo que desde a sua infância é condicionado a obedecer, a seguir regras, tarefas, chegando a seguir, verdadeiramente, um roteiro pré-estabelecido e de acordo com o mandamento do que convencionamos ser “legal”; o que é demonstrado claramente no modelo do panóptico de Jeremy Bentham.
Ao analisar-se a obra “Vigiar e Punir” de Michel Foucault, publicada em 1975 e que alterou o modo de pensar e fazer política social no mundo ocidental, haja vista ser um exame dos mecanismos sociais e teóricos que motivaram grandes mudanças produzidas nos sistemas penais ocidentais na era moderna, em consonância ao Sistema Carcerário Brasileiro vigente no século XXI pode-se visualizar a atualidade e importância da obra, bem como de suas críticas; os diversos elementos retratados pelo autor ainda fazem parte do âmbito legislativo punitivo brasileiro; ainda se percebe a vigente ótica de “vigiar e punir”.
Entretanto, ao analisar profundamente o espaço punitivo brasileiro a sua legislação, pode-se perceber que os elementos positivos da punição, através da prisão, da obra de Michel Foucault, estão extremamente engendrados no ordenamento jurídico brasileiro, contudo, juntamente com as falhas e problemas já encontrados no sec. XVII e XVIII, com alguns agravos; de modo, que a teoria da execução penal e prisão nos dispositivos legais brasileiros encontram-se como um dos melhores do mundo, porém, sua aplicação é uma das mais desumanas possíveis.
2– O Suplício Público à Punição Generalizada
Foucault analisa o “nascimento da prisão” como parte de uma transformação mais ampla das relações de poder ocorridas a partir do final do século XVIII, estendendo-se pelo século XIX, e como essa origem da prisão está relacionada, com uma nova configuração de sociedade baseadas em “disciplinas”, essas disciplinas em conjunto formam uma “Microfísica de Poder” que age sobre os corpos em diferentes instituições: escolas, hospitais, fábricas e prisões.
Quando Foucault inicia a sua obra relatando o caso de Damiens que fora condenado ao esquartejamento, a sua intenção não é só fazer com que nos questionemos só acerca dos excessos cometidos pelo Soberano, mas também acerca da vigilância e poder que é exercido sobre nós, mostrando como cada época produziu os seus meios punitivos e coercitivos, apontando que desde a Antiguidade Clássica, passando pela Idade Média até a Modernidade, o castigo do corpo era uma forma pública, não somente de punição, mas de demonstração do poder do soberano, quando um crime era praticado, esse crime era visto como uma ofensa, não somente à sociedade, mas principalmente à figura do governante.
Michel Foucault relata que depois de mais de dois séculos houve uma mudança no estilo de pena, com o desaparecimento dos suplícios e a aplicação de penas de reclusão, pois foi uma época de uma nova confecção na maneira de punir, devido aos escândalos da justiça tradicional e as exigências sociais aos projetos de reforma; dentre essas modificações houve o desaparecimento dos suplícios, se antes a prática de punir descarregava no corpo do condenado toda a fúria e vingança do soberano, as punições agora não visam agredir fisicamente o preso, embora o submeta a sofrimentos mais sutis, menos despojados de ostentação. A confissão pública também foi abolida, haja vista a ostentação do suplício ter passado a ter um cunho negativo; o corpo deixou de ser alvo da repressão criminal, segundo Foucault: “Em algumas dezenas de anos, desapareceu o corpo supliciado, esquartejado, amputado, marcado simbolicamente no rosto ou no ombro, exposto vivo ou morto, dado como espetáculo. Desapareceu o corpo como alvo da repressão penal. (FOUCAULT, 2008, p.20)”.
De acordo com Foucault: “o teatro público dos horrores foi abolido na França em 1848” (Id. ibid.p.12), e com ele também às forças do pelourinho, patíbulo, chicote e o ferro quente que foi abolido na Inglaterra no ano de 1834, houve uma inversão na maneira de punir, o sofrimento físico e a dor deixaram de ser elementos constitutivos da pena, embora a guilhotina tivesse permanecido.
De acordo com Oksala: “A guilhotina foi instalada dentro dos muros das prisões e qualquer testemunha que descrevesse a cena seria processada; a pena de morte nos anos 70 constituía um estranho segredo entre a justiça e aqueles que ela condena. (OKSALA, 2011, p.78)”.
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