TÓPICOS DE DIREITO PENAL: POLÍTICA DE DROGAS
Por: YasminMatsuda • 22/2/2016 • Trabalho acadêmico • 1.575 Palavras (7 Páginas) • 530 Visualizações
TRABALHO DA ELETIVA “TÓPICOS DE DIREITO PENAL: POLÍTICA DE DROGAS”
TEMA: “Análise personalizada da discussão atual sobre a discriminalização das drogas no STF”.
Introdução:
O presente trabalho tem como objetivo analisar o RE 635659, interposto ao Supremo Tribunal Federal. O recurso em questão trata da condenação de Francisco Benedito de Souza, um mecânico que assumiu a posse de 3 gramas de maconha, destinado a uso próprio, dentro de uma cela prisional em São Paulo. Diante disto, os ministros do STF devem chegar a uma conclusão a respeito da inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/06, à luz do inciso X da Constituição Federal, no que se refere ao direito à intimidade e à vida privada.
Mais que mera jurisprudência, a importante análise vai além do viés jurídico, estendendo-se, sobretudo, no campo social. Ao longo do semestre, panoramas históricos, médicos, sociais e acadêmicos foram abordados em sala de aula, não se restringindo o estudo da política de drogas atual apenas à visão criminal.
Nesse sentido, os votos dos ministros também precisam envolver amplitude de perspectiva, jamais tratando, em suma, o usuário como criminoso. Assim, os pontos discutidos em sala são fundamentais ao tratamento do referido recurso. Por isso, abordarei fatos pertinentes ao tema de forma ampla, visto que o assunto proposto levanta inúmeros questionamentos, seja nos tribunais ou na sociedade em geral.
Análise histórica e a atual Lei de Drogas brasileira:
Ao longo das décadas, a visão global do consumo de drogas passou por diversas modificações, principalmente por conta dos diferentes tratados e convenções internacionais assinados pelos países dos cinco continentes. Em relação a isso, cumpre analisar quais foram as discussões mundiais mais influentes no ordenamento jurídico brasileiro.
O fato é que em 1830 a posse e venda de cannabis foram criminalizadas por meio de portaria pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro, elaborada anteriormente à discussão sobre proibição internacional de drogas – que só teria início com a Conferência de Xanguai, em 1909. Quase uma década depois, um representante brasileiro na II Conferência Internacional sobre Ópio, realizada em 1924 em Genebra, aderiu, além da proibição da cannabis, à criminalização do uso do ópio e da cocaína, sem que houvesse qualquer discussão sobre o tema no país.
Depois de 1924, houve algumas outras influentes convenções (como a I e a II Convenção de Genebra, realizadas em 1931 e 1936). Hoje, estão em vigor a Convenção Única de 1961 (juntamente com seu protocolo adicional de 1972), a Convenção sobre Drogas Psicotrópicas de 1971 e a Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes de 1988. A grande maioria dos países ratifica os mesmos, embora o cenário internacional caminhe – com certa lentidão – para a descriminalização de certas drogas.
Nesse sentido, um dos mais importantes passos foi dado pelo Uruguai, que descriminalizou tanto o consumo como a venda e o plantio da cannabis. Nos EUA, potência mais influente nos tratados proibicionistas, quatro estados caminharam igualmente para a descriminalização, o que contribui imensamente para a mudança de visão global das drogas. Em outros países, como Costa Rica, Equador e Portugal (este último com ótimos resultados, como acesso a tratamentos e diminuição do consumo entre adolescentes, com a lei que descriminalizou a posse de qualquer droga dirigida a fins pessoais), os avanços no que tange a descriminalização nacional fortalecem a ideia no âmbito internaciona.
A atual Lei de Drogas brasileira (nº 11.343/06), em seu artigo 28, prevê a despenalização do usuário (ou seja, quem adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo, para consumo pessoal, drogas ilícitas, tem a pena aplicada abrandada, de acordo com os incisos do referido dispositivo legal, não havendo pena privativa de liberdade). No entanto, a conduta continua sendo classificada como crime, uma vez que não houve a sua descriminalização. Já o artigo 33 da mesma lei aumenta de três para cinco anos a pena mínima do crime de tráfico, fato que agravou significativamente a situação de superlotação nos presídios brasileiros.
Embora seja menos repressiva que a Lei de Tóxicos de 1976, a nova Lei de Drogas aprofundou a distinção entre usuário e traficante. Além disso, a falta de critérios objetivos aumenta a arbitrariedade da polícia em definir quem consome e quem vende, o que resulta em aprisionamentos em massa e nos dá a desonra de sermos classificados como o 4º país com maior número de presos.
Impactos sociais das políticas proibicionistas:
De acordo com alguns estudos, a lógica proibicionista não controla o consumo, sendo por vezes, paradoxalmente, causa de aumento da utilização de substâncias ilícitas.
Entretanto, a pior consequência social da política adotada pelo Brasil é a criminalização do usuário, que, mesmo despenalizado, continua a ser repreendido como se traficante fosse. A falta de critério objetivo ao artigo 28 da Lei de Drogas contribui para essa estigmatização, uma vez que não há sequer quantidade limite para a classificação de quem utiliza substâncias ilícitas para consumo próprio e de quem as trafica.
Um estudo realizado pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) revelou que, em metade das apreensões de maconha em flagrante ocorridas em 2014, a quantidade apreendida não passou de seis gramas. No caso de outras drogas, como cocaína e crack, o peso encontrado na maioria das ocorrências igualmente desconfiguraria o porte destinado ao tráfico. Percebe-se, dessa forma, que o usuário, ao contrário do que a lei diz, é penalizado com penas privativas de liberdade, sobretudo pela utilização de critério arbitrário em detrimento a um padrão quantitativo.
Além disso, por muitas outras questões sociais, usuários com determinado tipo físico e condição financeira (principalmente negros e pobres) sofrem imensamente mais truculência policial e tratamento injusto. Esse quadro social é evidente quando analisamos casos de usuários de cor branca e situação econômica privilegiada, que, quando são condenados às penas alternativas previstas em lei, não sofrem tantos impactos negativos vindos da sociedade. Novamente, é perceptível a dicotomia feita pelos agentes de polícia e aparato jurídico ao classificar – subjetivamente – usuários e traficantes, denominação esta realizada, na maioria das vezes, de forma totalmente injusta e arbitrária.
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