A Lei e a Propriedade
Resenha: A Lei e a Propriedade. Pesquise 861.000+ trabalhos acadêmicosPor: 2424 • 9/6/2013 • Resenha • 2.634 Palavras (11 Páginas) • 330 Visualizações
A Lei e a Propriedade
Uma tal transformação do sistema de trabalho implica uma transformação do Direito. Não se trata, evidentemente, de fazer votar novas lei no parlamento e pelo Congresso. Estas transformações atingem as próprias bases da sociedade, todos os seus costumes e as suas práticas, muito além das modificações provisórias que resultam dos actos parlamentares. Esta transformação reporta-se às leis básicas de toda a sociedade e não apenas de um determinado país, porque se fundamentam nas convicções dos homens sobre o Direito e a Justiça.
As leis não são imutáveis. As classes dominantes sempre tentaram preservar o Direito existente, proclamando que se baseia na natureza, que se fundamenta nos direitos eternos do homem, ou que é consagrado pela religião. Tudo isto tem como objectivo único consolidar os seus privilégios e votar as classes exploradas a uma escravidão perpétua. Na história, pelo contrário, é bem evidente que as leis se modificam incessantemente, segundo as concepções do bem e do mal que, também elas se vão modificando.
O sentido do bem e do mal, a consciência da justiça, não são coisas acidentais no homem. Tudo isto se desenvolve, irresistivelmente e naturalmente, a partir da sua experiência, a partir das condições fundamentais da sua vida. A sociedade tem de viver, e por isso as relações entre os homens devem ser reguladas de maneira tal que a produção do necessário vital se possa processar sem entraves (e é este o papel da lei). É justo antes de tudo, o que é bom e necessário para viver; não só útil no momento presente, mas necessário em geral tanto para a vida de um único indivíduo como para a de todos, considerados no seu conjunto, isto é, como comunidade, não tomando unicamente em consideração os interesses pessoais ou temporários, mas igualmente a felicidade duradoura de todos. Quando mudam as condições de vida, quando o sistema de produção se desenvolve e assume novas formas, as relações entre os homens modificam-se, e simultaneamente o sentido que os homens têm do bem e do mal. A lei tem então de ser modificada.
Isto transparece claramente nas leis que regem o direito de propriedade. No estado original, selvagem e bárbaro, a terra era considerada como pertencendo a uma tribo que nela vivia, caçava ou apascentava gado. Para empregar a linguagem de hoje, pode dizer-se que o território era propriedade comum da tribo, que o utilizava para viver e o defendia contra as outras tribos. As armas, os utensílios, que o indivíduo podia fabricar com as suas próprias mãos, eram de certo modo pessoais, eram a sua propriedade privada, mas não no sentido exclusivo, consciente, que este termo assume para nós, e isto devido aos laços mútuos e poderosos que uniam os membros da tribo. Não eram leis e sim usos e costumes que regulamentavam as relações mútuas. Esses povos primitivos e mesmo, em épocas mais próximas de nós, determinadas populações agrícolas (como, por exemplo, os camponeses russos de antes de 1860) não podiam conceber a ideia de propriedade privada de uma parcela de terreno, tal como nós não podemos conceber a ideia de propriedade privada de uma determinada quantidade de ar.
Estas regulamentações tiveram de se modificar quando as tribos se estenderam e se fixaram, desbastaram as florestas, se dispersaram em individualidades distintas (ou seja, em famílias), trabalhando cada uma uma parcela distinta. Modificaram-se ainda mais quando o artesanato se separou da agricultura, quando o trabalho ocasional de todos passou a ser o trabalho permanente de alguns, quando os produtos se transformaram em mercadorias destinadas à venda, quando se estabeleceu um comércio regular, quando os produtos passaram a ser consumidos por outros que não os produtores. Era contudo natural que o camponês, que havia trabalhado uma parcela de terra, que a havia melhorado, que tinha labutado ele próprio, sem recorrer a outras pessoa, dispusesse livremente da terra e dos utensílios, que o produto da terra lhe pertencesse, que a terra e a produção que dela extraía continuassem a ser propriedade sua. Todavia, na Idade Média, foram feitas restrições a estas regulamentações: assumiram a forma de obrigações feudais, tornadas necessárias para assegurar a defesa das terras. Por outro lado, era natural que o artesão, único a manejar os seus utensílios, deles dispusesse em exclusivo, tal como dos objectos que fabricava: continuava a ser o único proprietário deles.
A propriedade privada passou deste modo a ser a lei fundamental de uma sociedade baseada em unidades de trabalho de pequena dimensão. Sem que tenha sido expressamente formulado, isto foi sentido como um direito necessário: quem utilizasse exclusivamente os utensílio, a terra, um produto, devia ser dono deles, e dispor deles livremente. A propriedade privada dos meios de produção é própria do pequeno comércio, é o seu complemento jurídico necessário.
Nada deste ponto de vista se modificou quando o capitalismo se transformou em senhor da indústria. Quando muito, estes princípios foram expressos, com uma clareza ainda maior, pela Revolução Francesa que, em pleno conhecimento de causa, proclamou a liberdade, a igualdade e a propriedade como direitos fundamentais do cidadão. E era nem mais nem menos que a propriedade privada dos meios de produção que vemos manifestar-se quando, em vez de alguns aprendizes, o mestre de ofício recrutava servos, em número cada vez maior, para o auxiliarem no seu trabalho, a quem fornecia utensílios que continuavam a ser propriedade sua, e que fabricavam, para ele, produtos destinados à venda. Por intermédio da exploração da força de trabalho dos operários, as fábricas e as máquinas, propriedade privada do capitalista, transformaram-se em fonte de uma acumulação, imensa e sempre crescente de capital. A propriedade privada desempenha assim uma nova função na sociedade. Enquanto propriedade capitalista, trouxe o poder e uma riqueza cada vez maior a uma nova classe dirigente: os capitalistas; permite-lhes desenvolver poderosamente a produtividade do trabalho e estender o seu domínio sobre a terra inteira. Esta instituição jurídica, apesar da degradação e da miséria dos trabalhadores explorados, surgiu assim como uma instituição benéfica e mesmo necessária, veiculando a promessa de um progresso ilimitado da sociedade.
Pouco a pouco, este desenvolvimento provocou transformações no carácter interno do sistema social. A função da propriedade privada modificou-se de novo. Com as sociedades por acções, cindiu-se o duplo carácter do proprietário capitalista (dirigir a produção e meter ao bolso a mais-valia). Outrora intimamente ligados, o trabalho e a propriedade estão presentemente separados. Os proprietários são, hoje, accionistas que vivem fora do
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