O DEBATE TEÓRICO E EMPÍRICO SOBRE A QUESTÃO DA INDEPENDÊNCIA DO BANCO CENTRAL
Por: Luiz Oliveira • 30/8/2016 • Trabalho acadêmico • 9.143 Palavras (37 Páginas) • 427 Visualizações
O DEBATE TEÓRICO E EMPÍRICO SOBRE A QUESTÃO DA INDEPENDÊNCIA DO BANCO CENTRAL
INTRODUÇÃO
Uma das questões da atualidade que suscitam mais polêmica na esfera econômico-financeira é a que envolve a independência ou autonomia dos bancos centrais. Os defensores dessa idéia argumentam que, na prática, essa é a melhor forma de garantir a estabilidade da moeda de uma nação. A justificativa dada é que a independência ou autonomia daria condições ao banco central de se manter imune às pressões políticas para afrouxar a disciplina e o rigor da política monetária. Para esses teóricos, esse tipo de pressão é característica, sobretudo, de períodos eleitorais. Nestes períodos, os governos têm interesse em implementar políticas expansionistas, com o objetivo de obter um crescimento mais rápido do produto e do emprego, ainda que não seja sustentável ao longo do tempo, em decorrência dos seus custos inflacionários. O Brasil, país com histórico de inflação alta e persistente, apenas há alguns anos, com a implantação do Plano Real, conseguiu mantê-la sob controle. Esse feito, para muitos estudiosos, está relacionado principalmente à maior independência que o BC adquiriu nestes últimos tempos em relação ao governo, sendo proibido por lei de financiar os déficits governamentais, como ocorria no passado.
No cenário internacional, assiste-se à uma tendência de os governos nacionais concederem maior independência ou autonomia aos seus bancos centrais, principalmente por conta do consenso das sociedades nacionais em torno da estabilidade de preços, o que pressupõe que tal medida criará um ambiente adequado para o controle da inflação.
É nesse contexto que assistimos no Brasil ao desenrolar dessa controvérsia, que deverá delinear o grau de liberdade de atuação para o seu banco central. Apesar de envolver principalmente estudiosos e profissionais ligados à área, além do governo central, essa não é apenas uma discussão teórico-acadêmica, restrita aos interesses do sistema financeiro, ou a um setor do governo. Apesar da natureza dual público-privada dos bancos centrais, essa discussão tem uma amplitude muito maior, já que a mesma deverá trazer uma definição sobre quem de fato controlará o banco central. Essa também é uma questão de Estado, que afeta toda a sociedade. Por isso é uma discussão que se reveste de uma importância toda especial.
Esse trabalho tem como objetivo analisar de forma sucinta as origens desse debate, conceituação de independência do banco central, posicionamentos teóricos e as evidências empíricas levantadas tanto por defensores como pelos oponentes da independência da autoridade monetária, além de situar contextualmente o caso brasileiro.
1.ORIGENS E EVOLUÇÃO DO DEBATE
Nem sempre se acreditou que se deveria estabelecer limites rígidos à concessão de crédito aos governos por parte dos seus bancos centrais. Muito menos que estes deveriam ficar estritamente independentes daqueles. Essa é uma tendência relativamente recente. Quando do seu surgimento, os bancos centrais tiveram como uma de suas atribuições o financiamento dos governos nacionais, além da preservação da estabilidade da moeda e do sistema financeiro em geral. Funcionaram como garantidores do desenvolvimento econômico, já que tinham como principal tarefa a prevenção e solução para as crises que surgiam na arena econômico-financeira.
No entanto, diante das transformações ocorridas no cenário internacional nas três últimas décadas, principalmente com o advento da globalização, as crises passaram a assumir características peculiares e distintas. Até uma nova terminologia foi estabelecida para identificar a combinação da crise recessionário-inflacionária na década de 70, algo inédito à época: estagflação. Para muitos analistas, os instrumentos preconizados em Bretton Woods para garantir o pleno emprego tinham esgotado o seu papel. Os bancos centrais tinham um papel fundamental nesse esquema, já que uma parcela considerável do crescimento pós-guerra foi obtida através de políticas fiscais e monetárias expansionistas, onde estas últimas ficam sob a responsabilidade do banco central. Muitas vezes a manutenção de taxas de juros reais negativas, uma política keynesiana, foi um instrumento usado para impulsionar o crescimento. Mas com a alteração do ambiente favorável a estas políticas, principalmente por conta dos choques do petróleo da década de 70 e a conseqüente estagflação, começou a haver o questionamento da subordinação dos bancos centrais aos objetivos da política macroeconômica dos governos. O grande consenso da sociedade em torno da busca do pleno emprego foi eclipsado pela ascensão dos vetores sociais que viam como objetivo primordial a estabilidade de preços, diante do recrudescimento inflacionário..Assim, surgiram novas abordagens teóricas aos limites de atuação do Estado. Nessa perspectiva é que o tema da independência do banco central começa a ser tratado com profundidade a partir das décadas de 80 e de 90. Para seus defensores, os bancos centrais estavam sendo desviados de sua função primordial, que era a defesa do poder de compra da moeda, por conta de interesses políticos. A necessidade de um redesenho institucional entre as políticas monetária e fiscal mostrou-se relevante também em conseqüência do surgimento de inovações financeiras e de uma maior importância relativa da concessão de crédito para o crescimento das economias.
Dessa forma, o fortalecimento da tese de independência/autonomia do banco central passa a ser vista pelos defensores da idéia como essencial à estabilidade de preços, condição fundamental para um bom desempenho econômico. Essa tese ganha espaço em muitas partes do mundo. Entre 1989 e 1994, mais de trinta países concederam maior grau de independência ou autonomia a seus bancos centrais, principalmente na Europa, em função da processo de unificação monetária. Assim, uma das exigências para um país europeu fazer parte da União Monetária Européia-UME é a renúncia ao seu poder de emissão monetária, através da subordinação a um banco central único e independente, nos moldes do antigo Bundesbank, o banco central alemão, célebre por sua disciplina monetária e autonomia frente às decisões de governo. Reino Unido, Nova Zelândia e Chile concederam autonomia a seus bancos centrais, enquanto outros países da Europa Oriental e da América Latina, entre eles o Brasil, estudam aplicar idêntica medida.
A despeito do amplo grau de difusão do tema da independência da autoridade monetária por todo o mundo, ele não se constitui em consenso, como seria de se esperar. A defesa dessa tese envolve a defesa de questões fundamentais para algumas escolas de pensamento econômico, que vão desde a crença na auto-regulação da economia, passando pela concepção de moeda, até a coordenação entre políticas e a interação entre economia e política. São questões suscetíveis a análises divergentes e até totalmente contraditórias, daí que a discussão em torno delas resulte em recomendações distintas.
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