O desenvolvimento econômico no pensamento de Karl Marx
Por: Lisiane Chesini • 16/11/2016 • Pesquisas Acadêmicas • 5.563 Palavras (23 Páginas) • 3.396 Visualizações
O desenvolvimento econômico no pensamento de Karl Marx[1]
Ronaldo Herrlein Jr.[2]
Introdução
Karl Marx é um dos pensadores mais influentes e difíceis de se compreender. Sua obra é de grande complexidade e extensão, abrangendo áreas hoje conhecidas como economia, sociologia, ciência política, filosofia, história, geografia, literatura... Seu pensamento e as diversas interpretações e extensões do mesmo exerceram influência fundamental na história política e social do século XX (o marxismo inspirou inúmeras revoluções e lutas sociais), além de penetrarem, enquanto forma de ciência social e histórica, diversas e recém referidas áreas da academia. Neste capítulo, apresentamos uma breve síntese do pensamento de Karl Marx em sua relação com o tema do desenvolvimento, em particular de sua teoria do desenvolvimento econômico especificamente capitalista. Indicamos também algumas das principais chaves interpretativas de sua visão de mundo. Acreditamos que isso permitirá ao leitor formar uma ideia de conjunto sobre essa visão e o estimulará a seguir descobrindo mais sobre Marx por conta própria.
Os três significados do desenvolvimento na perspectiva marxiana
Para indicar o escopo e o alcance das contribuições de Marx sobre o processo de desenvolvimento econômico, organizamos essas contribuições em relação a diferentes aspectos vinculados àquele processo. Identificamos três níveis de elaboração teórica e análise histórica nos textos de Marx. O desenvolvimento econômico é considerado: a) no contexto da evolução das sociedades humanas (nível meta-histórico); b) com referência às relações capitalistas de produção (nível teórico-histórico), e c) na análise histórica do capitalismo contemporâneo (nível histórico-concreto).[3]
O desenvolvimento econômico, no sentido das formas de organizar e realizar as forças produtivas e a distribuição da riqueza material, é considerado por Marx como fundamento principal da evolução das sociedades humanas. O materialismo histórico de Marx e Engels é uma teoria da história que considera as condições materiais de existência como fundamento para o surgimento (e a compreensão) das formas de pensamento e representações ideológicas. Cada modo de produção e suas respectivas formas de distribuição, circulação e consumo da riqueza material constitui um conjunto de relações econômicas e não-econômicas que organizam a sociedade, o poder e
a cultura. As relações de produção são fundamentais, indicando como os agentes diretos da produção situam-se diante do conjunto da sociedade, geralmente com a presença de outras classes e grupos sociais. As relações de produção são definidas juntamente com certas relações de propriedade, as quais são suportadas por relações de poder e ideologias. Ao longo da história das sociedades humanas pode-se observar diferentes tipos de relações de produção, tais como: relação comunal de produção coletiva, relação feudal de produção, relação escravista, relação capitalista assalariada, relação de produção mercantil autônoma e inúmeros outros arranjos derivados.
Cada modo de produção comporta um conjunto de relações de produção e um conjunto de forças produtivas correspondente. As forças produtivas compreendem as capacidades humanas, sempre em progressão, e os elementos materiais da produção, que também podem ser acumulados. Esse é o sentido mais geral em que o desenvolvimento econômico é considerado por Marx, isto é, como desenvolvimento das forças produtivas. O núcleo das forças produtivas reside no processo de trabalho humano e respectivas técnicas produtivas. Cada conjunto de relações de produção, ao organizar a produção e a distribuição de forma específica, comporta certo grau de desenvolvimento das forças produtivas. Para o materialismo histórico a
evolução das sociedades humanas corresponde a uma sucessão contingente de modos de produção, que se organizam e se desarticulam ao longo da história, conforme as contradições entre forças produtivas e relações de produção. As forças produtivas podem progredir cumulativamente até um ponto em que não podem mais ser promovidas e socialmente reguladas no contexto das relações de produção existentes. Tais relações são então dissolvidas, rompidas ou transformadas, abrindo-se um período de transição, que irá cedo ou tarde fornecer elementos para algum novo arranjo histórico – um outro modo de produção, em que se compatibilizam novamente, mas nunca definitivamente, forças produtivas e relações de produção.
Esse nível de abordagem de Marx sobre o desenvolvimento econômico é denominado meta-histórico pois trata-se do desenvolvimento do gênero humano ao longo da história, considerado como criador de formas e instrumentos de produção (homo faber) e, por decorrência, criador das suas próprias formas de economia, de sociedade e de cultura.[4] Esse tipo de abordagem refere-se assim, em última instância, ao desenvolvimento humano e pode ser encontrado nos manuscritos de Paris (MARX, 2004), nos textos filosóficos produzidos com Engels (A sagrada família e A ideologia alemã)[5] e no célebre Prefácio de Para à crítica da economia política (Marx, 1982). Irma Adelman (1972, cap. 5) formulou um modelo matemático de desenvolvimento que considera essa dimensão meta-histórica, ou seja, o desenvolvimento das forças produtivas do gênero humano.
Entretanto, as principais e mais extensas contribuições de Marx residem na consideração do desenvolvimento econômico capitalista, considerando então como se desenvolvem as forças produtivas sob o regime do capital, isto é, sob relações de produção capitalistas. Trata-se aqui do modo de produção capitalista, indicando-se, em termos teóricos e abstratos, como é o desenvolvimento econômico capitalista. Para essa formulação Marx dedicou a maior parte de sua vida produtiva, elaborando uma teoria econômica de grande complexidade cuja expressão maior está em sua obra principal, O Capital.[6] Nela, Marx trata das relações econômicas capitalistas (históricas) explicitando suas determinações essenciais, isto é, como se estruturam e se transformam relações de natureza capitalista. Tais relações são explicitadas em uma teoria geral referida ao que Marx denomina modo de produção especificamente capitalista, que requer a constituição de forças produtivas adequadas àquelas relações (grande indústria mecanizada). Não se trata de uma abordagem propriamente histórica, visto que não está posto o Estado, nem considerados teoricamente seu papel, as relações econômicas internacionais e as formas dos mercados e da concorrência. Nem mesmo outras classes, além de trabalhadores e capitalistas, são geralmente consideradas. Existem passagens históricas em O Capital que cumprem duas funções: estabelecem uma contraprova ou ilustração do argumento teórico ou fornecem a gênese histórica de elementos e relações do modo de produção capitalista.
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