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PAC Governo Lula

Por:   •  28/11/2015  •  Monografia  •  7.994 Palavras (32 Páginas)  •  425 Visualizações

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UMA BREVE ANÁLISE DO PAC TENDO COMO BASE A RETROSPECTIVA DOS PLANOS ECONÔMICOS DOS GOVERNOS MILITARES NO BRASIL ENTRE 1964 E 1985* Stefano José Caetano da Silveira1 Régis Rathmann 2 RESUMO Este artigo busca analisar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), tendo como base os Planos Econômicos surgidos durante o período em que os militares ocuparam o poder no Brasil (1964-1985). Propõe-se a discutir as ações tomadas pelos cinco governos de farda, principalmente às que deram origem ao Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), ao Plano Estratégico de Desenvolvimento (PED), ao Projeto Brasil Potência (PBP) e aos Planos Nacional de Desenvolvimento (PND´s), bem como a forma como tais políticas foram implementadas e o legado de cada uma delas para a sociedade brasileira, inclusive na concepção do programa de desenvolvimento vigente. O artigo inicia por uma breve revisão do momento político em que os Planos Econômicos foram lançados, seguindo-se uma abordagem de cada um deles e de uma discussão dos seus principais aspectos positivos e negativos, assim como das suas principais contribuições para o atual cenário econômico do país. Palavras-Chave: Brasil; Planos Econômicos; PAC; PAEG; PED; PBP e PND. 1 INTRODUÇÃO O recente anúncio feito pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva da implementação do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), o qual prevê investimentos em setores de base da economia brasileira, tais como o de infraestrutura, pode representar a retomada do planejamento de longo prazo na economia. Neste sentido, deve-se recorrer à última experiência deste tipo ocorrida no Brasil, a qual deriva do período de 1964-1985, onde os militares estiveram no poder, possibilitando antecipar possíveis reflexos que o PAC pode causar na economia brasileira. 1 Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) E-mail: stefanosilveira@procergs.rs.gov.brBacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 2 Mestrando em Agronegócios pelo CEPAN/UFRGS E-mail: rrathmann@ea.ufrgs.br Est. CEPE, Santa Cruz do Sul, n.25, p 4-20 jan/jun 2007 5 O golpe militar ocorrido no Brasil em 1964 foi o reflexo de alguns antecedentes, tanto de ordem econômica (a crise do início dos anos 1960) quanto de ordem política (incapacidade dos governos populistas em atender as demandas da sociedade, ora chamadas de crise populista). Mais especificamente na questão política, pode-se constatar o surgimento de movimentos originados em diversas camadas sociais que se opuseram entre si, uma vez que reuniram de um lado os apoiadores e de outro os opositores do governo João Goulart. Pelo lado dos apoiadores, cita-se a greve dos 700 mil operários em São Paulo, a manifestação das ligas camponesas e dos marinheiros, cabos e sargentos. Estes movimentos reivindicaram fundamentalmente aumentos de salários e reformas sociais. Já pelos oposicionistas ao governo, cita-se a marcha da família com Deus pela liberdade. È a partir destas instabilidades de ordem econômica e política, que se oportunizou o golpe militar de 31 de março de 1964, o qual retirou João Goulart do poder (FONSECA; MONTEIRO, 2002). Durante o primeiro mandato militar do período, do presidente Humberto de Alencar Castello Branco, foram promulgados uma série de atos institucionais, que entre outras coisas, suspenderam os direitos políticos por dez anos de diversos opositores do novo regime, fecharam associações civis, proibiram greves, criaram órgãos repressores (Serviço Nacional de Informação – SNI) e instituíram o bipartidarismo no Brasil. Além disso, foram revogadas as eleições diretas para a presidência da república e governadores de estado e se promulgou uma nova Constituição, a qual buscou a legitimidade do governo militar, instituindo uma nova lei de imprensa e a Lei de Segurança Nacional, além do controle da sociedade civil através da incorporação dos artigos descritos nos atos institucionais (REZENDE, 1999). Este período inicial do governo militar foi marcado por políticas monetária e fiscal conservadoras, as quais procuravam a estabilização da economia brasileira, bem como por mudanças institucionais que buscavam inserir o Brasil de forma mais competitiva no mercado externo. É neste contexto, qual seja de uma estagnação econômica gerada por meio das políticas de estabilização e de um país institucionalmente mais organizado, que assumiu o comando, em 15 de março de 1967, o novo presidente da república, o ex-ministro da Guerra Arthur da Costa e Silva. Tendo na condução da política econômica nacional, os ministros Delfim Neto (na Fazenda) e Hélio Beltrão (no Planejamento), começou um período de grande esforço desenvolvimentista, inicialmente por meio do Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED) – concebido em julho de 1967 –, e posteriormente pelo I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND), que vieram a ser um grupo de estratégias definidas, que mais do que solucionar provisoriamente os problemas, buscaram superar em longo prazo os principais entraves da economia brasileira. Entre seus principais objetivos se destacavam: a) atingir o crescimento econômico, associado ao aumento dos investimentos em setores diversificados; b) buscar o crescimento da participação do setor privado na economia nacional; c) ampliar a fatia do Brasil no montante do comércio exterior e; d) alcançar, por meio de uma estratégia definida, a ampliação do número de empregos e de benefícios sociais (ABREU, 1989). Est. CEPE, Santa Cruz do Sul, n.25, p 4-20 jan/jun 2007 6 Em 28 de agosto de 1969, em virtude de problemas de saúde do presidente, acabou o governo Costa e Silva, cuja principal herança foi a composição de um novo bloco hegemônico, composto pelo empresariado/tecnoburocracia/oficialato, o qual apresentou ao país um modelo de desenvolvimento ancorado no tripé Estado/multinacionais/grande capital nacional. Após um breve período, em que uma junta militar composta pelos ministros da marinha, do exército e da aeronáutica esteve no poder, assumiu o governo, em 1969, o gaúcho Emílio Garrastazu Médici. Nesta época o país já apresentava forte crescimento, pois desde meados de 1967 vivia um período de grande prosperidade, que ficou conhecido como “Milagre Econômico Brasileiro” (REZENDE, 1999). Segundo SINGER (1972, p.62), o referido período “... teve por causa básica uma política liberal de crédito que encontrou uma economia, após vários anos de recessões, com baixa utilização de capacidade produtiva, taxas relativamente altas de desemprego e custo reduzido de mão-de-obra de pouca qualificação.", estendendo-se até o final de 1973, combinando considerável crescimento econômico com taxas moderadas de inflação, diversificação das atividades produtivas e concentração de renda, o que propiciou a formação de uma classe média ascendente. Exemplo disso é o crescimento médio anual do PIB no período, a taxa de 11,2%, tendo seu pico em 1973, com variação de 13,9%, associado a uma inflação anual média que não ultrapassou 19% (LAGO, 1989, BRESSER-PEREIRA, 2002). Os anos transcorridos entre 1964 e 1974 foram marcados por uma dualidade entre prosperidade econômica e cerceamento dos direitos políticos e civis. Assim, é somente a partir de 1975, já no governo do presidente Ernesto Geisel, que assumira um ano antes, que se deram os primeiros passos para a abertura política. Coincidentemente ou não, o período de maior crescimento econômico da história do Brasil, denominado de “Milagre Brasileiro”, foi também o período do apogeu da ditadura militar no país, que passou a história como “os anos de chumbo”. Tendo a frente dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento, Mario Henrique Simonsen e João Paulo dos Reis Velloso, respectivamente, deve-se citar que o presidente Geisel assumiu em meio ao contexto do primeiro choque do petróleo, cuja conseqüência foi a “falência” do padrão de acumulação mundial, designado keynesianismo, que aliado à crise de natureza endógena, decorrente do esgotamento do ciclo de expansão da indústria de bens de consumo duráveis, propiciou o final do período do “Milagre” (CONCEIÇÃO, 1990). Segundo Castro (1985), os problemas foram mais amplos, sendo tanto de ordem econômica (volta da inflação, concentração de renda, déficit do balanço de pagamentos, entre outros), quanto de ordem política (conflito ideológico interno no exército, efeitos da chamada “distenção lenta e gradual”), dos quais restaram duas alternativas ao governo militar: optar pelo ajustamento, modelando a economia aos impactos do choque do petróleo, ou escolher o caminho do endividamento, sustentando o nível da atividade econômica com o aumento da divida externa. Tendo-se em vista estas duas opções, o governo optou pelo endividamento, pois acreditava poder “atacar o mal pela raiz”, ou seja, procurava por meio de uma política vigorosa de investimentos (II Plano Nacional de Desenvolvimento – II PND) salvar aquilo que se herdou do período do “Milagre”. A autoridade governamental Est. CEPE, Santa Cruz do Sul, n.25, p 4-20 jan/jun 2007 7 visava, essencialmente, acabar com o principal problema da vulnerabilidade externa do país, por meio da constituição de uma estrutura industrial completa. A estratégia governamental apresentada pelo presidente Geisel, seja pelo lado político (do início da distensão gradual dos direitos civis), ou pelo lado econômico (do crescimento e reconversão industrial por meio do endividamento), permearam o final do governo Médici, e o último mandato do período militar, do general João Batista de Oliveira Figueiredo (1979-1985), sendo seus reflexos até hoje visíveis na sociedade brasileira. Por mais que possam mencionar seus aspectos negativos, de fato foi o último plano de desenvolvimento econômico de longo prazo experimentado pela sociedade brasileira. No atual governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por meio do PAC, busca retomar alguns preceitos utilizados pelos planos econômicos do período militar. Todavia, resta a dúvida se do programa vigente resultarão reflexos positivos para o País, como ocorreu no caso das estratégias de desenvolvimento dos governos militares. Frente a todo esse contexto, este artigo tem como objetivo analisar detalhadamente os planos econômicos lançados durante o período em que os militares ocuparam o poder no Brasil, entre os anos de 1964 e 1985. Para isso buscar-se-á verificar as semelhanças em termos de preceitos doutrinários com aquilo que se busca por meio do PAC. 2 A AUSTERIDADE E A ESTAGNAÇÃO PROPICIADAS PELO PLANO DE AÇÃO ECONÔMICA DO GOVERNO (PAEG) O golpe militar ocorrido no Brasil em 1964 foi o reflexo de alguns antecedentes, tanto de ordem econômica (a crise do início dos anos 1960) quanto de ordem política (incapacidade dos governos populistas em atender as demandas da sociedade, ora chamadas de crise populista). Dado o golpe, após um período de transição de 15 dias, onde a presidência da república foi exercida formalmente pelo presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, foi empossado o marechal Castello Branco. A equipe econômica composta por Roberto Campos, no Ministério do Planejamento, e por Octávio Bulhões, no Ministério da Fazenda, desde o inicio da gestão deixou clara sua intenção de conduzir uma política econômica ortodoxa, a qual visava conter a alta inflação herdada do governo Goulart, uma vez que se acreditava que o crescimento econômico era uma decorrência imediata do controle inflacionário. Analisando as diferenças entre o Produto Interno Bruto (PIB) e as taxas de inflação planejadas e aquelas que foram observadas para o triênio 1964 – 1966 3, pode-se considerar o combate à inflação – apesar do repique inflacionário de 1966 – como relativamente bem sucedido, porém não se pode afirmar o mesmo em relação ao crescimento econômico (REZENDE, 1999). Conforme já mencionado, durante o governo Castello Branco (1964-1967) a economia brasileira experimentou um forte ajuste, dentro das rígidas normas do Fundo Monetário Internacional (FMI), estabelecido por meio do Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG). Lançado em agosto de 1964, sob a tutela de Est. CEPE, Santa Cruz do Sul, n.25, p 4-20 jan/jun 2007 8 Roberto Campos e Octávio Bulhões, este buscou, principalmente, combater o processo inflacionário – o que tornaria possível a retomada do crescimento do país – , o qual desde 1962 estava estagnado, uma vez que a taxa de crescimento caiu de 6,9% ao ano, entre 1957-1961, para 3,4% ao ano, entre 1962-1964 (MARTONE, 1970). Além de estabelecer metas de crescimento e de inflação para 1964 e os dois anos seguintes, constavam em seu programa a criação de novos empregos e a diminuição do déficit público, bem como dos desequilíbrios regionais, setoriais e sociais. Uma vez que a equipe econômica entendia que o principal motivo do baixo crescimento do país era a inflação, causada, nas palavras de Rezende (1999, p. 119) “...pelos déficits públicos, pela expansão do crédito às empresas e pelas majorações institucionais de salários em proporção superior à do aumento da produtividade...”, acreditava-se que ao combater suas causas, entendida como essencialmente de demanda, necessariamente estaria gerando-se crescimento econômico. Este diagnóstico acabou transformando o PAEG apenas em um plano de estabilização econômica. Em relação aos déficits públicos, diversos cortes foram efetuados. Foram cancelados programas de investimento, reduzidas despesas de custeio e majoradas diversas tarifas públicas, como energia elétrica, transporte urbano e frete marítimo. Além disso, o sistema tributário foi reformulado visando impedir evasão fiscal, onde impostos foram aumentados e a máquina arrecadatória praticamente monopolizada pelo governo central. Criada pelo ministro Roberto Campos e utilizada como instrumento de atualização de valores em atraso a serem recebidos, a correção monetária permitiu ao governo lançar um novo título no mercado, as Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN’s), recorrentemente utilizadas pelo poder público para financiar seu déficit (REZENDE, 1999). As medidas ortodoxas implementadas pelo PAEG conseguiram reduzir o déficit público nominal, em relação ao PIB, de 4,2% em 1963, para 3,2% em 1964, 1,6% em 1965 e 1,1% em 1966. Em 1965 o déficit do governo foi financiado pelas ORTN’s no montante de 55%, atingindo 100% no ano seguinte (REZENDE, 1999). Apesar de eficiente no setor público, o plano não conseguiu restringir o crédito das empresas privadas em seus dois primeiros anos. Apenas em 1966 a expansão monetária, de 34,5%, foi menor que a inflação, de 37,4%. A razão principal de tal quadro foi o superávit do balanço de pagamentos de 1965, da ordem de US$ 331 milhões, obtido graças aos empréstimos adquiridos junto a instituições internacionais ligadas ao governo norte-americano, que superaram em 65% o registrado no ano anterior, aliados à queda das importações e ao aumento das exportações 4 (REZENDE, 1999). Outro fator que contribuiu para este cenário, segundo Rezende (1999), foi a capacidade ociosa da indústria, de cerca de 30% até meados de 1966. Em função disto, o setor industrial só começou a sentir os efeitos do aperto no crédito no segundo semestre deste mesmo ano. Pôde-se constatar que o PAEG trouxe consigo efeitos colaterais amargos no combate à inflação. Uma vez que as autoridades governamentais acreditavam que a estagnação era uma decorrência dos altos índices inflacionários e que bastava que tais índices baixassem para que o país voltasse a crescer, não imaginavam que, Est. CEPE, Santa Cruz do Sul, n.25, p 4-20 jan/jun 2007 9 uma vez alcançado o principal objetivo, o resultado fosse de uma queda acentuada nos níveis de emprego e renda 5. Em decorrência disso, pode-se mencionar que ainda no início de 1967 havia caído consideravelmente o consumo de energia elétrica, bem como aumentado o passivo real das empresas e os pedidos de falência e concordata, que, durante o ano de 1966, foram superiores aos de 1965 na ordem de 70%. Em relação aos salários, no ano de 1965, tanto os vencimentos dos servidores públicos, como o salário mínimo, passaram a ser calculados pela fórmula dos três elementos, que englobavam o salário real médio dos 24 meses anteriores, um coeficiente de produtividade, bem como um índice de inflação futura. Além disto, os referidos salários passaram a sofrer correção anual, ao invés de semestral. No ano seguinte, tal fórmula foi estendida a todos os assalariados brasileiros, pois foram proibidas as negociações diretas entre patrões e empregados. Ainda em 1966, o governo extinguiu a estabilidade no mesmo emprego que o trabalhador obtinha após dez anos e em seu lugar instituiu o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) (REZENDE, 1999). Como resultado houve uma queda acentuada do salário real, uma vez que a expectativa de inflação futura ficou aquém dos índices oficiais em 1965 (prevista 25% e observada 28,3%) e 1966 (prevista 10% e observada 37,4%). Em termos reais o salário médio nacional perdeu 25% de seu poder de compra, na comparação entre março de 1967 e fevereiro de 1964. A perda do salário real, em conjunto com a dificuldade de obtenção de crédito e com o corte nos gastos governamentais, derrubou a inflação. Se no princípio de 1964 a expectativa anual inflacionária aproximava-se de 140%, no final de 1966 apresentou como índice oficial 37,4% (FGV/RJ, 2004). Sendo assim, a despeito dos já referidos efeitos colaterais, enquanto plano de estabilização econômica o PAEG teve êxito e este sucesso contribuiu para, já a partir de 1966, a retomada da confiança externa na política econômica brasileira, trazendo de volta os empréstimos e financiamentos estrangeiros que foram essenciais para o crescimento observado durante os anos do “Milagre”. No entanto, não se pode deixar de mencionar a concentração de renda como uma das heranças do período, a qual foi se acentuando posteriormente e, na atualidade, veio a se tornar um dos principais problemas da economia brasileira. 3 OS PLANOS ECONÔMICOS DO PERÍODO DELFIM NETO Em meio ao contexto dos reflexos do PAEG – de estabilização econômica e de um país institucionalmente mais organizado –, é que assumiu o comando, em 15 de março de 1967, o presidente da república Arthur da Costa e Silva. Tendo a frente do Ministério da Fazenda o professor e economista Delfim Neto e do Ministério do Planejamento o também economista e advogado Hélio Beltrão, começou o período ao qual se convencionou chamar de “Milagre Brasileiro”, o qual se estendeu até o final do ano de 1973, onde se tinha como objetivo completar o trabalho de saneamento iniciado por seus antecessores (VICTORINO, 2002). Com a posse de Costa e Silva, Delfim Neto assumiu o comando da equipe Est. CEPE, Santa Cruz do Sul, n.25, p 4-20 jan/jun 2007 10 econômica que englobava os Ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio. Apesar de não discordar dos pressupostos de Roberto Campos e Octávio Bulhões, os quais definiram a inflação brasileira como sendo essencialmente de demanda, o mesmo revelou que, uma vez estabilizado o déficit público, o processo inflacionário no Brasil era basicamente de custos, causado pelos elevados preços de tarifas e serviços essenciais, como a energia elétrica, bem como pelo alto custo do crédito (LAGO, 1989). De acordo com este diagnóstico, o governo brasileiro deveria concentrar seus investimentos em infra-estrutura, especialmente nos setores energético, de transportes e de comunicações. Além disso, a política econômica deveria primeiramente flexibilizar as políticas monetária e fiscal, para posteriormente, após a indústria nacional não mais apresentar ociosidade, expandir a capacidade produtiva industrial (REZENDE, 1999). A partir de 1967, com a flexibilização do crédito, houve uma expansão dos meios de pagamento na ordem de 43% em comparação com o ano anterior. Além disso, houve o tabelamento das taxas de juros praticadas no país e o controle administrativo de preços pelo Conselho Interministerial de Preços (CIP), que obrigava as 350 maiores empresas que operavam no Brasil a justificar qualquer aumento que praticavam (REZENDE, 1999). O conjunto destas medidas serviu de base para o lançamento, no segundo semestre de 1967, do Plano Estratégico de Desenvolvimento (PED), cujas principais propostas eram a aceleração do desenvolvimento e a contenção da inflação. Seu objetivo era, segundo Rezende (1999, p. 127) “... expandir o nível de atividade, e, simultaneamente, atingir a relativa estabilidade de preços. No tocante à estabilização, o progresso será gradual: em cada ano um ritmo de inflação inferior ao do ano anterior”. Apesar dos resultados obtidos em 1967 terem sido abaixo das expectativas, com o PIB crescendo 4,2% e a inflação situando-se em torno de 23%, no ano seguinte (o primeiro da aplicação do PED nos 12 meses do ano), os números apresentados deixaram a equipe econômica do governo otimista. O PIB subiu 9,3% em comparação com 1967; a produção industrial cresceu 15,5% (favorecida pelo fim da capacidade ociosa industrial) e a inflação manteve-se no mesmo patamar (LAGO, 1989). O relativo êxito do PED pôde ser creditado a um conjunto de fatores combinados, como o saneamento das contas públicas e ao financiamento do déficit público, obtidos por meio da emissão de títulos no governo Castello Branco. Com isto, tornou-se possível elevar investimentos em infra-estrutura, tendo-se como exemplos as usinas de energia elétrica de Jaraguá e Volta Grande, em Minas Gerais, e Promissão e Ilha Solteira, em São Paulo, que acabaram por alavancar investimentos privados nos setores de bens de consumo duráveis e bens de capital. Além disso, uma vez que as contas públicas encontravam-se equilibradas e também as estatais estavam recorrendo ao financiamento externo, o governo pôde praticar uma política industrial que englobava subsídios e incentivos fiscais que, entre outras coisas, buscou a melhoria e o desenvolvimento de setores e regiões específicas. Entre os citados incentivos fiscais e subsídios governamentais, destacavamse: isenção do Imposto de Renda (IR), do Imposto de Circulação de Mercadorias Est. CEPE, Santa Cruz do Sul, n.25, p 4-20 jan/jun 2007 11 (ICM) e do Imposto de Produtos Industrializados (IPI) nas operações de exportação, e da isenção dos impostos de importação sobre máquinas e equipamentos sem similar nacional. Alia-se a isso os financiamentos subsidiados à produção destinada ao exterior, sobretudo dos produtos manufaturados, que acabaram por gerar um crescimento das exportações nacionais, após um período de considerável estagnação. Beneficiando-se do aumento do comércio internacional, o montante exportado saltou de US$ 1,65 bilhão em 1967, para US$ 1,88 bilhão em 1968 e US$ 2,31 bilhões em 1969, com o aumento da participação dos manufaturados na pauta de exportações, passando de 2% no início dos anos 1960 para 11% em 1970 (REZENDE, 1999). Também o mercado interno beneficiou-se com o PED, por meio da retomada do consumo e da recuperação econômica. Com o crédito em abundância e, já a partir de 1968, com a inclusão do mecanismo da correção monetária referente à diferença entre as inflações esperadas e confirmadas abrangendo, tanto o salário mínimo quanto as maiores remunerações, foi possível o financiamento de bens de consumo duráveis, sobretudo das indústrias automobilística e de eletrodomésticos. A população brasileira, além de voltar a consumir, pode aplicar, principalmente por meio das cadernetas de poupança, que incorporaram o mecanismo da correção monetária, e da participação no mercado acionário, via Bolsa de Valores. Conforme Rezende (1999), um dos reflexos da mudança estrutural da economia nacional foi a concentração das operações de crédito no mercado financeiro. Devido às baixas taxas de juros e ao grande volume de recursos necessário para atender tais operações, houve uma diminuição considerável no número de bancos no Brasil, que caíram de 336 em 1964, para 195 em 1970. Financiada com recursos do FGTS, via Sistema Nacional da Habitação (SNH), a indústria da construção civil apresentou, em 1968, um crescimento de mais de 17%, em comparação com o ano anterior (LAGO, 1989). Além das linhas de financiamento tomadas pelas empresas privadas no Banco do Brasil (BB), no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e nos demais bancos comerciais e estaduais, o PED proporcionou uma linha direta de investimentos públicos que se desvinculou das obras de infra-estrutura e que ajudou a colocar empresas estatais, como a Petrobrás e a Cia. Vale do Rio Doce, entre as maiores empresas do mundo. Devido às posições estratégicas que ocupavam na época, o crescimento destas empresas contribuiu para a consolidação da indústria de transformação no país, sobretudo a indústria automobilística. Entretanto, a aplicabilidade do PED trouxe de volta alguns problemas que se imaginavam superados. Um dos mais significativos foi a volta do déficit público, após seu completo financiamento pelos títulos governamentais lançados no mercado financeiro, em 1966. Em 28 de agosto de 1969 acabou, por problemas de saúde do presidente, o governo Costa e Silva, ao qual se seguiu um breve período, em que uma junta composta por três ministros militares esteve no poder. Ainda em 1969, o gaúcho Emílio Garrastazu Médici, em meio a um acentuado crescimento econômico que havia iniciado em meados de 1967, assume o governo. Assim que ascendeu ao poder, o governo Médici propôs colocar em prática uma estratégia que visasse prosseguir os preceitos do PAEG, plano que fora Est. CEPE, Santa Cruz do Sul, n.25, p 4-20 jan/jun 2007 12 batizado de Projeto Brasil - Potência (PBP). A partir de 1969, segundo Lago (1989, p. 250) “... o déficit de caixa passa a ser financiado integralmente pela colocação de títulos junto ao público (basicamente Obrigações Reajustáveis do Tesouro nacional – ORTN’s e Letras do Tesouro Nacional – LTN’s), que se tornam fator permanente de contratação dos meios de pagamento”. Tal medida permitiu a recuperação das contas públicas, que chegaram a alcançar um pequeno superávit nominal em 1973, de 0,06% do PIB, ajudando a atrair investimentos externos, que passaram de US$ 1,632 bilhão no final de 1966, para US$ 4,579 bilhões em 1973, tendo seu montante quase triplicado em sete anos (LAGO, 1989). Neste momento, iniciou-se efetivamente o “Milagre Econômico Brasileiro”, com aceleração do desenvolvimento industrial, principalmente com ênfase na indústria de bens de consumo duráveis e bens de capital, objetivando fazer do Brasil uma nação moderna e incluída no sistema capitalista mundial (SINGER, 1972). O PBP estabelecia o Estado, as empresas transnacionais e o capital nacional, como os agentes indutores do desenvolvimento. Ao Estado caberia o investimento em infra-estrutura, a atuação monopolista em setores estratégicos (como a prospecção de petróleo, no setor energético) e o controle social. As transnacionais deveriam impulsionar o desenvolvimento, por meio da ampliação da capacidade produtiva existente, ocupando setores novos que seriam abertos e ampliando a produtividade industrial do país, via transferência de tecnologia. Ao grande capital nacional projetava-se sua associação com as empresas transnacionais, visando à exploração mineral e o abastecimento do mercado interno (REZENDE, 1999). Contudo, quando do lançamento do PBP, buscavam-se algumas metas, como assegurar o crescimento do PIB entre 8% e 9% anualmente; não permitir que a inflação atingisse 20% anuais; e assegurar às reservas em moeda estrangeira um crescimento de, no mínimo, US$ 100 milhões até o fim do mandato do presidente Médici. Estas metas foram plenamente alcançadas e devido a este sucesso acabaram incorporadas ao I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND), em 1972, que procurou estruturar as idéias contidas tanto no PED como no PBP. O sucesso obtido nas proposições do I PND pode ser creditado a dois fatores: o ingresso de capital estrangeiro no país e o crescimento das exportações – de US$ 2,74 bilhões em 1970, para US$ 6,20 bilhões em 1973. Porém, como o capital internacional entrava no Brasil geralmente sob a forma de empréstimos de médio prazo e havia um grande fluxo de negócios no comércio internacional, pode-se constatar que o crescimento econômico estava ancorado em bases frágeis e que qualquer mudança no cenário externo poderia comprometer seu ritmo (REZENDE, 1999; TAVARES, 2004; BELLUZZO, 2004). Enquanto o setor externo não sofreu grandes transformações, a economia nacional encontrava-se em escala ascendente, ano após ano, sendo este o principal motivo do período ter sido batizado de “Milagre”. Entretanto, com o esgotamento do modelo concentrador de renda aplicado até então, uma mudança de paradigma se tornou necessária. O novo gabinete executivo, liderado pelo presidente Ernesto Geisel, deveria promover esta mudança, que foi apresentada à nação por meio do II PND. Est. CEPE, Santa Cruz do Sul, n.25, p 4-20 jan/jun 2007 13 4 A MUDANÇA DE PARADIGMA COMO O II PND Apesar de um contexto interno de otimismo, externamente começavam a eclodir crises que viriam a afetar a economia brasileira. Neste sentido, deve-se mencionar o conflito entre Síria, Israel e outros países da região, o qual fez com que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) resolvesse diminuir a produção mundial da commodity no final de 1973, fazendo com que em poucos meses o preço do barril saltasse de US$ 3 para US$ 12. Neste momento da história brasileira, apenas 20% do petróleo consumido internamente era produzido no País. Logo, o governo Geisel teria de escolher entre seguir os preceitos da teoria econômica convencional e continuar o processo de crescimento através de financiamentos (endividamentos) externos, ou optar por um rigoroso processo de ajustamento econômico (CASTRO, 1985; SERRA, 1982). O financiamento (ou endividamento), que não requeria uma realocação interna de recursos na economia, seria a alternativa para um diagnóstico de que a crise era passageira, onde as autoridades preferem evitar dificuldades e sacrifícios a serem enfrentados para que a nação se adapte às novas circunstâncias, cuja condição necessária é a disponibilidade de recursos no mercado internacional (CASTRO, 1985). As taxas de juros internacionais subiram, dificultando a obtenção de crédito principalmente para os países em desenvolvimento. Os agentes financeiros internacionais, entretanto, poderiam lançar mão dos chamados petrodólares (capital financeiro depositado em bancos norte-americanos e europeus, originados dos países membros da OPEP) como instrumento de fomento. Além disso, outras importantes fontes de financiamento interno poderiam ser utilizadas pelo governo: parte dos recursos do Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), que juntos formaram o fundo de participação PIS-PASEP. Em média, entre 1974 e 1988, 38% da arrecadação dos recursos do PIS-PASEP (cerca de R$ 700 milhões, em valores atualizados) foram geridos pelo BNDE, sendo empregados em programas de desenvolvimento econômico e no mercado de capitais (BNDES, 2005). Por outro lado, caso a percepção fosse de que a crise era duradoura, o ajustamento seria a alternativa adequada, onde as políticas fiscal e monetária (via fixação de metas de superávit primário, depósitos compulsórios e elevação da taxa básica de juros) seriam utilizadas para desaquecer a economia e reforçar a reação automática do mercado. Esta tese foi defendida pelo ex-ministro Delfim Neto, que entendia que qualquer outro caminho nada mais seria que o adiamento dos problemas vigentes. Segundo interpretações amplamente difundidas, o governo brasileiro reiterou sua opção, datada de meados da década de 1960, de crescimento com endividamento (CASTRO, 1985; AGUIRRE e SADDI, 1997). Entretanto, sob a ótica de Castro (1985), embora tenha evitado o ajustamento ao se negar a “frear” o crescimento econômico e tenha ampliado e mantido o financiamento – em grande parte devido à safra do “Milagre” –, a opção adotada foi diferente das duas alternativas anteriormente apresentadas, pois a nova proposta, de caráter duradouro, exigiu uma mudança estrutural na economia brasileira, ou seja, objetivou reduzir a dependência do país com relação aos bens de capital e bens intermediários, que continuavam sendo largamente importados 6. A indústria de Est. CEPE, Santa Cruz do Sul, n.25, p 4-20 jan/jun 2007 14 bens de consumo duráveis deixou de ser prioritária e o processo de crescimento passou a ser reorientado para a produção interna de insumos básicos (como metalurgia e petroquímica) e bens de capital (AGUIRRE e SADDI, 1997). Indústrias produtoras deste tipo de bens exigem um tempo maior de maturação – em torno de uma década – e conseqüentemente de retorno, o que fez com que, além da utilização ampla das empresas estatais (como Petrobrás, Eletrobrás e Embratel) para o cumprimento das principais metas do programa, o governo tenha contado com a participação do capital privado, através da orientação de todo o sistema de incentivo a estes setores industriais. Este conjunto de medidas, denominado de “Marcha Forçada”, formou a base do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), sob a égide dos ministros Mário Henrique Simonsen (Fazenda) e João Paulo dos Reis Velloso (Planejamento). O objetivo básico do II PND foi de superar conjuntamente a crise generalizada advinda do primeiro choque do petróleo, aliada a diminuição do hiato entre o subdesenvolvimento e o desenvolvimento, através da sustentação da conjuntura que impediu uma descontinuidade de conseqüências imprevisíveis, da abertura de espaço para a absorção do surto anterior de desenvolvimento (originado nos anos do “Milagre”) e na modificação, no longo prazo, da estrutura produtiva. Com isso, buscava-se gerir um amplo processo de desenvolvimento social, que eliminaria no menor prazo possível os focos de pobreza absoluta do país, através de substanciais aumentos da renda real. O maior legado deixado pelo II PND foi a consolidação do parque industrial brasileiro. Além disso, o mesmo foi exitoso na maior parte de seus objetivos, principalmente nos referentes à manutenção da continuidade do crescimento do PIB em taxas elevadas (chegou a alcançar 10,3% em 1976 e 6,8% no último ano do governo Geisel) e na mudança de paradigma que se propôs a realizar, o que permitiu ao país reverter a difícil situação econômica que se encontrava no princípio da década de 1980 7, onde, além do empréstimo obtido de forma direta junto ao FMI, em 1981, assistiu suas finanças se deteriorarem no ano seguinte, devido à crise dos juros da dívida dos países em desenvolvimento, desencadeada pelo México. Todavia, a exemplo do período do “Milagre”, o II PND não conseguiu combater àquilo que não se propunha, quais sejam a pobreza e a redistribuição de renda. 5 O RETORNO DE DELFIM NETO, O FRACASSO DO III PND E A RETOMADA DAS PPE´S COM O PAC Em 1979, após afastar-se do poder enquanto esteve à frente da embaixada brasileira na França, durante o mandato do presidente Geisel (1974-1979), Delfim Neto volta a ocupar um posto ministerial, desta vez na pasta da Agricultura do governo do general João Figueiredo (1979-1985). Entretanto, quatro meses após a posse do novo mandatário do poder executivo federal, Delfim substituiu Mário Henrique Simonsen no ministério do Planejamento, devido à sua prematura demissão, uma vez que entendia ser iminente a aproximação de uma nova crise de Est. CEPE, Santa Cruz do Sul, n.25, p 4-20 jan/jun 2007 15 dimensões globais (algo que veio realmente a ocorrer no final deste mesmo ano, com a revolução islâmica no Irã que deu origem ao segundo choque do petróleo) e que a economia local deveria se preparar para ela. Uma vez que se sentiu isolado na preocupação desta questão, não lhe restou outra saída, senão deixar o governo (REZENDE, 1999). Com a missão de efetuar um novo “Milagre Econômico”, a partir das idéias formuladas no III Plano Nacional de Desenvolvimento (III PND), que previa basicamente o prosseguimento das metas de desenvolvimento vigentes até então, Delfim teve de lidar com sucessivas crises, que produziram um quadro recessivo e inflacionário, agravado consideravelmente, a partir de 1982, pela crise dos juros da dívida (CONCEIÇÃO, 1990). Por conta disso e procurando manter a “gestação” das indústrias da “safra do II PND” – uma vez que o prejuízo seria ainda maior se tais indústrias parassem de receber os investimentos necessários – a equipe econômica pôs em prática uma política gradualista, o que fez com que as proposições contidas no III PND não saíssem do papel (REZENDE, 1999). Entretanto, em fevereiro de 1983 a equipe econômica promoveu uma maxidesvalorização da então moeda brasileira, o cruzeiro, o que, aliado ao fato das importações terem sido limitadas em um máximo de US$ 17 bilhões anuais para o biênio 1983-1984, permitiu às contas externas atingirem as metas acordadas com o FMI. O superávit comercial chegou a US$ 6,47 bilhões, atribuído também, à redução das importações em 6,8% do PIB (FGV, 2004). Embora estes resultados tenham sido alcançados pelo início da operacionalização das indústrias gestadas durante o II PND, aliado a pequena queda dos preços do barril de petróleo no mercado internacional, o ministro Delfim prefere creditar tais números ao rígido ajustamento por ele conduzido nos três primeiros anos de governo, bem como à política econômica ora ortodoxa, ora heterodoxa implementada. Todavia, apesar da retomada do crescimento, o volume de importações não aumentou consideravelmente, fazendo com que o superávit comercial atingido em 1984, de US$ 13,07 bilhões, fosse o terceiro maior da década. Desta forma, encerrou-se o período das Políticas de Planejamento Econômico (PPE´s) dos governos militares no Brasil, as quais deixaram legados para economia, bem como problemas que permanecem ainda hoje, como o elevado endividamento do setor público brasileiro. Desde a recondução de um civil ao maior posto do executivo nacional, em 1985, as PPE´s foram praticamente abandonadas pelo poder central – devido à dedicação quase que exclusiva dos governos pós- 1985 ao combate ou manutenção em níveis estáveis dos índices inflacionários –, apesar de algumas tentativas de reeditá-las, como nos Plano Plurianuais (PPA´s) no governo Fernando Henrique Cardoso e, mais recentemente, pelo lançamento do PAC do presidente Lula. O PAC deverá resultar em um investimento total de R$ 503,9 bilhões até 2010. A medida rompe com a letargia desenvolvimentista que assolava os sucessivos mandatários do poder executivo em Brasília, desde o governo Figueiredo (1979-1985), após um primeiro mandato em que a manutenção do controle inflacionário foi a principal preocupação (SILVEIRA, 2007). Sua prioridade é a aplicação de recursos em infra-estrutura. Serão destinados Est. CEPE, Santa Cruz do Sul, n.25, p 4-20 jan/jun 2007 16 R$ 58,3 bilhões na construção/manutenção de estradas, portos e aeroportos, R$ 278,4 bilhões na ampliação e no desenvolvimento de fontes de energia, e R$ 170,8 bilhões para o saneamento básico e a habitação. Do montante orçado inicialmente, R$ 67,8 bilhões provêm de recursos orçamentários do governo central, enquanto R$ 436,1 bilhões serão rateados entre empresas estatais, setor privado e estados da federação – no caso destes últimos, através de renúncia fiscal nas suas respectivas fatias do IPI e do IR (SILVEIRA, 2007). Mesmo aplaudido, o PAC mostra algumas deficiências. A principal é a generalização da origem dos recursos, pois não está claro qual será a parcela de investimento que caberá aos setor privado, às estatais e aos estados, nem mesmo quanto do montante total será empregado na forma de empréstimos (crédito) e quanto como investimentos diretos. Da mesma maneira, não está garantida a viabilidade da constituição do Fundo de Investimento em Infra-Estrutura, com recursos do FGTS, cujo aporte inicial previsto é de R$ 5 bilhões, pois tal matéria é motivo de contestação jurídica por parte da Força Sindical. Apesar de algumas medidas anteriormente adotadas, como a reabertura da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), o programa carece de medidas sociais mais claras. O governo parece acreditar que o desenvolvimento econômico é uma conseqüência do crescimento. Este equívoco já ocorreu no passado, como no caso do PED e dos PND´s. Quando da aplicação destes programas o País cresceu, em média, a taxas superiores a 10% ao ano, porém, em um contexto de concentração de renda. O governo admite abrir mão de uma considerável parcela da receita fiscal. Cálculos preliminares indicam que somente na diminuição do prazo de recuperação dos valores do PIS e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) cobrados em edificações, de 25 anos para 24 meses, somado à isenção dos mesmos na venda de computadores de mesa ou notebooks, a renúncia fiscal poderá oscilar entre R$ 1,35 bilhão e R$ 2,5 bilhões (SILVEIRA, 2007). Uma vez que parte da receita governamental está sendo transferida para as linhas de crédito e investimentos diretos, o que parece não encontrar oposição perante a opinião pública, discute-se agora uma forma de aumentar os recursos de fomento. Uma das maneiras seria a ampliação deste esforço concentrado para a diminuição das despesas de custeio, ou ainda pela aceleração da reforma política e das Parcerias Público Privadas (PPPs). Se o PAC irá se revelar um programa de sucesso, e se suas principais medidas serão atingidas com êxito, ainda é cedo para afirmar. Entretanto, pelo que se propõem a realizar – ser um programa desenvolvimentista – a escolha do comitê gestor está em boas mãos, uma vez que é dividida pelos ministros Guido Mantega (Fazenda), Dilma Rousseff (Casa Civil) e Paulo Bernardo (Planejamento). Espera-se que a partir de agora, todos os governos que vierem a assumir tenham em suas mãos planos de gestão e claras políticas de planejamento econômico, pois isto não ocorre de fato no Brasil desde o segundo choque do petróleo, em 1979. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Est. CEPE, Santa Cruz do Sul, n.25, p 4-20 jan/jun 2007 17 Teve-se como objetivo neste artigo analisar os Planos Econômicos surgidos durante o período em que os militares ocuparam o poder no Brasil (1964-1985), de forma que se pudessem verificar as semelhanças em termos de preceitos doutrinários com aquilo que se busca por meio do PAC. Procurou-se não somente apontar se os mesmos foram exitosos ao atingirem suas metas, mas também fazer uma análise crítica sobre os efeitos das suas distorções para o atual contexto econômico brasileiro, de forma a poder se chegar a algumas considerações quanto ao seu legado e seus equívocos. Os principais aspectos positivos obtidos entre 1964 e 1985, no campo econômico, foram a consolidação do parque industrial brasileiro, a diversificação das atividades produtivas e a retomada das relações políticas e negociações comerciais com diversos organismos internacionais, suspensas desde o governo Kubitschek. Mesmo que alguns planos tenham apresentado um caráter ortodoxo mais acentuado, como o PAEG e o PBP, enquanto outros foram explicitamente desenvolvimentistas como o PED e os dois primeiros PND´s, constata-se que, com exceção do III PND, todos atingiram seus principais objetivos, mesmo que de forma parcial. Por outro lado, existem diversas críticas à condução da política econômica da época. A principal delas é quanto ao modelo concentrador de renda, presente em todo o período e ainda vigente nos dias atuais. Mesmo com a promessa de redistribuição da riqueza em períodos futuros, após o crescimento do “bolo”, a verdade é que o “bolo” somente foi partido, ainda que precariamente, quando do lançamento do Plano Cruzado, em 1986. Dá mesma forma, a excessiva dependência da economia brasileira ao sistema financeiro internacional e o regime político fechado, revelaram-se, posteriormente, grandes fatores de ruptura do modelo então vigente (BIER, PAULANI, MESSEMBERG, 1987). Diante do que foi exposto neste trabalho e remetendo ao momento econômico atual, pode-se estabelecer uma comparação. Assim como ocorrera durante o mandato do presidente Castello Branco, os primeiros quatro anos do governo atual foram utilizados para estabilizar a economia (não é o objetivo aqui comparar os números macroeconômicos dos dois governos, uma vez que os momentos históricos são distintos) ao mostrar ao mercado que não haveria mudança de rumo na política econômica. Neste aspecto, conforme comprovação empírica, ambos foram bem sucedidos. Passa-se agora para um novo estágio, onde a busca do crescimento através do lançamento do PAC, torna-se prioridade. Tal situação assemelha-se ao início do governo Costa e Silva, quando, após o protagonismo do monetarismo do período anterior, o país empreendeu um amplo programa desenvolvimentista, que pelas razões aqui expostas pode ser considerado bem sucedido em relação ao crescimento econômico. Espera-se, contudo, que o PAC, além de crescimento sustentável, permita ao Brasil desenvolver-se economicamente, não apenas com a ampliação da infra-estrutura, mas também com distribuição de renda entre a população. Est. CEPE, Santa Cruz do Sul, n.25, p 4-20 jan/jun 2007 18 ABSTRACT This article searches to analyze the Program of Acceleration of Growth (PAC), having as base the appeared Economic Plans during the period where the military had occupied the power in Brazil (1964-1985). It is considered to argue the actions taken for the five military governments, to that they had mainly given origin to the Plan of Economic Action of the Government (PAEG), to the Strategical Plan of Development (PED), to Project Brazil Power (PBP) and to the Plans National of Development (PND´s), as well as the form as such politics had been implemented and the legacy of each one of them for the Brazilian society, also in the conception of the program of effective development. The article begins for one brief revision of the moment politician where the Economic Plans had been launched, following a boarding of each one of them and a quarrel of its main positive and negative aspects, as well as of its main contributions for the current economic scene of the country. Key-Words: Brazil; Economics Plans; PAC; PAEG; PED; PBP and PND. NOTAS 1 Entre 1964 e 1966 o PIB planejado foi de 6% ao ano, sendo observado respectivamente 3,1%, 3,9% e 4,4%, enquanto a taxa de inflação estava planejada em 80% para 1964, 25% para 1965 e 10% para 1966 para efetivamente apresentar 93,3%, 28,3% e 37,4% em cada ano de governo (FGV, 2004). 2 O PAEG se propunha originalmente a simplificar o sistema cambial, criando desta forma incentivos às exportações e, ao mesmo tempo, garantindo um montante de importações que não impediriam o crescimento produtivo interno, além de atrair capital externo com o intuito de alcançar a taxa de investimento necessária para atingir a meta de crescimento (MARTONE, 1970). 3 Quando da elaboração do PAEG, “... a política de combate à inflação não deveria sofrer um descompasso entre as medidas destinadas a cortar os excessos de demanda, a fim de evitar flutuações de liquidez do sistema que pudessem conduzir para baixo o nível de atividade e emprego.” (MARTONE, 1970, p.75). 4 Porém, deve-se salientar que já no final de 1970, nas palavras de José Serra (1982, p. 40): “... as autoridades econômicas governamentais se deram conta do desequilíbrio potencial existente e procuraram eliminá-lo, mediante incentivos aos investimentos privados e realização de investimentos públicos diretos na indústria de bens de capital e de insumos básicos”. 5 Com o início das atividades da maior parte da “safra do II PND”, como a hidrelétrica de Itaipu, no Paraná, em 1984, no mesmo ano o Brasil voltou a apresentar um crescimento significativo, conforme verificado pelo PIB (-4,3% em 1981, 0,8% em 1982, -2,9% em 1983, 5,4% em 1984 e 7,8% em 1985, último ano do governo militar no país). Fonte: IBGE, 2004. Est. CEPE, Santa Cruz do Sul, n.25, p 4-20 jan/jun 2007 19 REFERÊNCIAS ABREU, Marcelo de Paiva et alli. A ordem do progresso: cem anos de política econômica. Rio de Janeiro: Campus, 1989. AGUIRRE, Basília M. B. e SADDI, Fabiana. Uma alternativa de interpretação do II PND. In: Revista de economia política, out./nov. São Paulo, v. 17, n.4(68), 1997, p. 78-98. Disponível em: . Acesso em: 09 mai. 2007. BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL (BNDES). Disponível em: . Acesso em: 04 de out. 2005. BELLUZZO, Luiz. G. Quando a burguesia resolveu falar. Gazeta Mercantil, São Paulo, 12 abr. 2004. BIER, Amauri; PAULANI, Leda; MESSEMBERG, Roberto. Do heterodoxo ao pósmoderno: o cruzado em conflito. Rio de Janeiro: ed. Paz e Terra, 1987, p. 69-93. BRESSER-PEREIRA, Luiz C. Resenha de “Em busca de um novo modelo” de Celso Furtado. In: Revista de economia política, jul./set. São Paulo, v. 22, n.3(87), 2002, p. 157-159. Disponível em: . Acesso em: 10 mai. 2007. 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