BRINGEL, B. Ativismo transnacional, o estudo dos movimentos sociais e as novas geografias pós-coloniais.
Por: Mikitivo de Albuquerque • 19/8/2021 • Resenha • 3.309 Palavras (14 Páginas) • 239 Visualizações
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O artigo debate e aprofunda os estudos na América Latina acerca das ações coletivas e dos movimentos sociais até o ano de 2010, em substituição aos antigos paradigmas estadunidenses e eurocêntricos, na busca de “abordagens mais plurais e inclusivas, sem que os enfoques clássicos percam totalmente sua influência”. Ao longo do texto o autor busca descolonizar as teorias dos movimentos sociais e assinala “a importância de uma abertura mais ampla, de caráter epistemológico” sobre o tema, principalmente através das dinâmicas e experiências do ativismo transnacional dentro das novas geografias pós-coloniais do Sul Global. Aqui vale lembra as palavras de Grosfoguel (2008, p. 120-121) apud Enrique Dussel (1994),
[...] o ego cogito cartesiano (“Penso, logo existo”) foi precedido, 150 anos antes (desde o início da expansão colonial europeia em 1492), pelo europeu ego conquistus (“Conquisto, logo existo”). As condições históricas, políticas, económicas e sociais que possibilitaram a um sujeito assumir a arrogância de se assemelhar a Deus e de se arvorar em fundamento de todo o conhecimento Verídico foi o Ser Imperial, ou seja, a subjectividade daqueles que estão no centro do mundo porque já o conquistaram. Quais as implicações descoloniais desta crítica epistemológica na nossa produção de conhecimento e no nosso conceito de sistema-mundo?
Para essas abordagens o autor divide o artigo em três partes.
Na primeira parte do artigo o autor dialoga com autores que promovem “epistemologias alternativas", desde o debate feminista com Verta Taylor (1998) sobre os casos de depressão pós parto; a abordagem de escritores africanos vinculados à negritude e ao pan-africanismo que pensam o racismo como uma “razão helênica” que ofuscou durante muito tempo as produções locais de conhecimento, muitos desses autores totalmente desconhecidos na América Latina, como Théophile Obenga, Mabika Kalanda e Chinweizu, que trazem importantes discussões sobre a origem da filosofia no Egito negro e não na Grécia; e sobre a descolonização da mente africana desde as lutas anticoloniais no Congo até as formas de dominação do colonizador em termos culturais, econômicos, políticos e científicos.
O autor, ainda relata as experiências dos grupos "modernidade/colonialidade" e a rede de "antropologias do mundo" que discutem o pós-colonialismo na América Latina exposta ainda a uma colonialidade do poder, do saber e do ser que juntas abarcam a política, a economia, a filosofia, a ciência, a sexualidade e subjetividades . Esses grupos avaliam como no Sul Global, as narrativas e epistemologias locais foram silenciadas, e reivindicam uma nova “geopolítica do conhecimento”, o autor cita Dussel (1977) e Mignolo (2000) para embasar a existência de outras racionalidades descolonizadas, havendo assim, uma pluralidade e renovação do conhecimento produzido, principalmente nas universidades e centros de pesquisas científicos que ainda refletem uma visão do conhecimento colonizador do centro do sistema-mundo. Nesse sentido transmoderno, a participação de atores e movimentos sociais, faz parte desse processo de descolonização, tais como as ações dos zapatistas no México e o MST, no Brasil ou ainda, a Universidade Intercultural das Nacionalidades e Povos Indígenas "Amawtay Wasi" no Equador e o projeto da Universidade Popular dos Movimentos Sociais que atuam para a coprodução de conhecimento orientado para a ação.
O autor analisa as décadas de 1960 e 1970 onde houve grande produção acadêmica latino americana acerca das realidades políticas e sociais da região e o envolvimento militante nessas discussões, entretanto, segundo o mesmo autor, nos anos 80 houve uma intensa especialização e profissionalização das ciências sociais que, como efeito, distanciou-se da ação militante, o que se intensificou na década de 1990, com advento do neoliberalismo, com a privatização do ensino, da quantificação, burocratização e tecnificação intelectual que deslegitimou a pesquisa militante.
Para Bringel, no novo milênio, houve um novo ciclo de mobilização dos atores e movimentos sociais na produção do conhecimento das realidades Sul-Global. O autor traz à luz a metáfora do “intelectual anfíbio” proposto pela psicóloga social argentina Maristella Svampa onde este conceito gera um equilíbrio entre a distância da pesquisa e investigação militante e do conhecimento do mundo acadêmico tradicional. A lógica epistemológica do intelectual anfíbio “avança na direção da confluência crítica no processo de geração de conhecimento” que maximiza as possibilidades e capacidades “de transitar entre diferentes ambientes”, tanto o acadêmico com suas ferramentas teóricas e conceituais utilizadas no estudo das ações coletivas e dos movimentos sociais, como o militante, que nega a neutralidade da ciência mas valoriza as subjetividades e os proietos de transformação social, assim, “gerando vínculos múltiplos, solidariedades e cruzamentos entre realidades diferentes”. (BRINGEL, 2010, p. 194).
Essa argumentação do autor, tem uma grande analogia com a visão do próprio Dussel na produção do conhecimento científico e acadêmico, pois compreende “uma filosofia e uma inspiração política de liberação, uma visão de mundo e posicionamento na realidade social”.
Dussel (2021), por sua vez, avalia a urgente necessidade de uma mudança cultural no sistema educacional desde a base até o nível universitário, uma grande revolução cultural na América Latina ele propõe, mas compreende que os grandes revolucionários locais capazes de tal façanha são todos, ironicamente, eurocêntricos.
Na segunda parte do artigo o autor apresenta o debate pós-colonial e o estudo das ações coletivas e dos movimentos sociais que apresentam desafios teóricos e políticos inter-relacionados que norteiam o entendimento emergente do ativismo transnacional e auxiliam na construção de alternativas transformadoras na atualidade, através da espacialidade da contestação social, da noção de tradução e das dinâmicas de difusão.
Ao argumentar sobre a espacialidade da contestação social através do estudo da ação coletiva, o autor abarca os processos de territorialização dos movimentos sociais através do conflito e reivindicações coletivas e das resistências à geografia colonial; e como o espaço - como campo de disputa e luta; e o lugar - na criação de novas territorialidades, afetam esses processos. Bringel, propõe “considerar a espacialidade do ativismo como um rasgo que transcende os limites disciplinares” através da exploração de três dimensões ou conceitos chave: lugar (estrutura geográfica dos movimentos sociais), escalas (de intervenção política) e redes (a relação entre lugar e identidade) e “destacar a importância de pensar as complexas espacialidades contemporâneas, múltiplas e imbricadas, que não podem ser entendidas somente com uma visão territorial do lugar”.
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