Politica Externa Dos EUA
Exames: Politica Externa Dos EUA. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: rodrigo10digo • 21/3/2015 • 5.949 Palavras (24 Páginas) • 153 Visualizações
A POLÍTICA EXTERNA DOS ESTADOS UNIDOS: DA PRIMAZIA AO EXTREMISMO
ESTUDOS AVANÇADOS 16 (46), 2002 53
ATA DO INÍCIO da década de 1990 o trabalho de Samuel Huntington
utilizando a noção primacy (primazia), que começava a ter uso corrente
na “comunidade estratégica” dos Estados Unidos. O artigo apreciava as
relações econômicas com o Japão, que então preocupavam o governo Clinton,
mas as implicações conceituais eram mais amplas e justificam a seguinte citação,
algo longa:
É errôneo pensar que a principal razão pela qual os Estados buscam a
primazia internacional consiste em capacitar-se para vencer guerras e que,
portanto, se uma guerra é improvável, a primazia não é importante. Os
Estados buscam a primazia para manter a sua segurança, promover seus
interesses e conformar o ambiente internacional de forma a refletir os interesses
e valores deles. Ela é desejável não fundamentalmente para obter
vitória em uma guerra, mas para alcançar os objetivos do Estado sem recurso
a ela. A primazia é, pois, uma alternativa à guerra (Huntington,
1993) (1).
Até aqui Tucídides e seu notável tradutor inglês, Hobbes, demonstrariam
complacência no entendimento do ponto, mas decerto teriam maiores dificuldades
em acompanhar o autor em sua conclusão: a primazia norte-americana não
apenas serve ao seu país, mas também “ao futuro da liberdade, da democracia, de
economias abertas e da ordem internacional do mundo” (idem).
Data da mesma época a difusão da noção de “unipolaridade”, a partir de
trabalho de um analista político do New York Times (Krauthammer, 1991). A noção,
digamos assim, “pegou”, incentivando uma enorme indústria de artigos.
Sua “afinidade eletiva” com a “primazia” é óbvia, e mais o fica na principal antologia
que lhe é dedicada, cujo prefácio rende forte homenagem a Huntington
(Kapstein e Mastandumo, 1999).
A unipolaridade “benigna” – que já aparece em Huntington – e a primazia
que nem sempre diz seu nome são noções teórico-ideológicas interessantes para
tentar compreender a passagem do “fim da Guerra Fria”, com o primeiro Bush,
aos governos de Clinton e do segundo Bush – este último, o objeto da parte final
do presente trabalho.
A política externa
dos Estados Unidos:
da primazia ao extremismo
CESAR GUIMARÃES
D
CESAR GUIMARÃES
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Sem a Guerra Fria, como justificar, interna e externamente, a política externa
expansionista dos três governos?
“Os Estados Unidos encontravam extremas dificuldades para definir seus
‘interesses nacionais’ diante da ausência do poderio soviético”, afirma Condoleezza
Rice, em seu artigo originariamente publicado em fevereiro de 2000, plataforma
de política externa do futuro governo de George W. Bush (Rice, 2001).
O artigo da atual assessora para Assuntos de Segurança Nacional do governo
americano é uma formulação a que não falta brilho, mas, nesta passagem, repete
um lugar comum de natureza estritamente ideológica. Pois o “interesse nacional”
(um termo recuperado também nos de 1990) não se alterou profundamente
desde meados do século passado. O que, sim, passou a necessitar de reformulação
foi a rationale para as ações pertinentes.
A grande número de estudiosos de relações internacionais incomoda o
lançar mão do conceito de legitimidade – afinal, no limite, a “anarquia” do sistema
clama pelo poder em seu sentido mais explícito. Weber refere-se à importância
do apresentar-se como legítimo quer no quadro administrativo de uma ordem
política, quer junto dos governados. Não é de todo errôneo substituir, no
plano internacional, o “quadro administrativo” pelas potências aliadas e ampliar
a noção de “governados” para além do território de exercício direto da autoridade,
a fim de abranger a opinião pública internacional.
A identidade de interesses do Estado líder com seus aliados era principalmente
garantida, durante a Guerra Fria, pela “contenção”, em primeiro lugar, da
União Soviética. Isto se amplia desde a Doutrina Truman, de 1947, e do memorando
68 do Conselho de Segurança Nacional, de 1950, para abranger o bloco
soviético, a China, dentro ou fora do bloco, os países e partidos comunistas e
seus “assemelhados”, movimentos e governos nacionalistas. A “contenção” permitia
afirmar que “os valores norte-americanos são universais” (Rice, 2001), compartilhados
com o mundo livre.
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