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Uma introdução da Concepção islâmica do Direito Internacional Humanitário

Por:   •  24/9/2016  •  Ensaio  •  3.010 Palavras (13 Páginas)  •  266 Visualizações

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UMA INTRODUÇÃO SOBRE A CONCEPÇÃO ISLÂMICA DO DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO

LUCIEN VILHALVA DE CAMPOS[1]

Agosto de 2016

A concepção do islamismo a respeito do direito humanitário está intimamente ligada ao seu sistema jurídico. Baseada na percepção das relações entre o mundo islâmico e o mundo não-islâmico, a natureza jurídica islâmica adquire duas características que se distinguem dos sistemas jurídicos ocidentais:

  1. A ordem divina, onde a fé se configura como elemento essencial no ordenamento das relações humanas, pois além de ser uma doutrina religiosa, o Islã possui um conjunto de normas que regem o comportamento dos crentes, influenciando na vida em sociedade. Nesse sentido, a fé e a ordem jurídica são elementos inseparáveis e que se complementam;
  2. A indissolução dos ramos do direito internacional. Ao contrário do direito ocidental, no direito islâmico não há a desvinculação entre o direito público e o privado. Seu ordenamento encontra-se sob a égide do Alcorão e suas regras são recursos divinos que se destinam aos homens.

O Alcorão é a palavra de Deus dividida em cento e catorze capítulos (ou sunas), com seis mil e seiscentos versos (ayat). Deus assume o papel de juiz dos homens, definindo os princípios da humanidade. Dos seiscentos versos, duzentos revelam os cinco princípios do sistema jurídico islâmico: justiça, reciprocidade, igualdade, consulta democrática e o respeito ao compromisso assumido.

Não existe um Deus e um Direito. A ordem divina e a natureza jurídica islâmica suplementam-se, sem distinção, regulando as diferentes relações humanas e não permitindo a inserção de mecanismos da ciência jurídica ocidental. Para o Islã, não existe a possibilidade de negar ou modificar seus elementos, como ocorre demasiadas vezes em alguns sistemas jurídicos contemporâneos.

Conservado desde a sua origem, o direito islâmico oscila a intensidade de sua força dependendo dos regimes governamentais, podendo em alguns casos se definir como extremo e ultraconservador, ou em outros casos mais moderador. Mas, apesar destas variações, nenhum Estado muçulmano deixa de remeter às leis do século VII. Sendo assim, como o Islã pode apresentar uma concepção humanitária se o direito internacional humanitário se cristalizou somente no século XX?

Para se responder essa questão, recorre-se exatamente aos cinco princípios que fundamentam o sistema jurídico islâmico. Todos eles dependem do exercício da ética e moralidade, assumindo o dever de se aplicarem extensivamente, sem caráter discriminatório ou distintivo.

Mohamed El Sayed Said, cofundador do Instituto de Estudos dos Direitos Humanos do Cairo disserta que “ao contrário das concepções populares do Ocidente, os sagrados textos islâmicos estão em completa harmonia com o atual sistema de direitos humanos, pelo menos em uma dimensão fundamental, isto é, a universalidade”[2]. (Said, 1997: 10)

O Islã é uma religião monoteísta, e que segundo Mohamed Said, foi “ […] construído na noção da unidade de Deus. A consequência dessa posição essencial é a doutrina da unidade humana. Em contradição com as antigas práticas religiosas, o Islã proíbe absolutamente a etnicização da religião”[3]. No Islã, Deus “ […] se destaca como uma realidade imutável, absoluto e abstrata de toda a existência, incluindo a existência humana. A mensagem do Islã é explicitamente universal, direcionada e comunicada à todas as pessoas na terra”[4]. (Said, 1997: 10)

De acordo com a visão de Hamed Sultan, ex-Professor Catedrático da Universidade do Cairo e especialista na área do direito humanitário, “a concepção islâmica do direito internacional humanitário compreende certas regras consideradas como fundamentais e que caracterizam muito particularmente o sistema jurídico islâmico”[5]. (Sultan, 1986: 51)

Para Sultan (1986: 51), “o campo de aplicação dessas regras se estendem para todos os conflitos armados, de qualquer natureza que sejam. No Islã, não se pode diferenciar os conflitos armados internacionais dos conflitos armados não internacionais no que concerne a aplicação das regras humanitárias”[6].

A concepção islâmica não diferencia a natureza dos conflitos armados porque no século VII não existia a noção de Estado moderno. Nessa lógica, o direito islâmico versa pelo cumprimento de seus princípios morais e éticos para com todos os homens, tanto em tempo de paz, quanto em tempo de guerra. As regras de guerra islâmicas foram baseadas na misericórdia, clemência e compaixão, para que jamais se ultrapassassem os limites da justiça e equidade.

Mohamed Said e Hamed Sultan evidenciaram que o princípio da equidade aos meios e métodos de guerra do Islã foi incorporado na Segunda Conferência de Paz de Haia em 1907, evento do qual reforça o Direito de Haia, primeiro ramo jurídico do direito humanitário.

Além das regras de guerra, outra regra importante da concepção islâmica é a integridade e proteção da dignidade humana. De acordo com a explanação de Said (1997: 10-11), “a dignidade do homem, em resumo, ocupa um lugar crucial no discurso islâmico, visto que não se constitui apenas como um direito mas também é uma importante justificação da sua própria criação e de sua mensagem religiosa”[7].

Em relação a dignidade humana, Sultan (1986: 52) afirma que “é necessário acrescentar que esta dedução cai em conformidade com os direitos do homem, na qual o sistema jurídico do Islã foi o primeiro a reconhecer e a consagrar”[8].

No Islã estão formalmente proibidos os tratamentos que violam a dignidade dos civis, como a mutilação e a tortura para com os inimigos que se rendem. As sunas e justificações de muitos juristas islâmicos são claras face a proibição formal das violações contra a população civil e combatentes rendidos.

As regras de guerra islâmicas também zelam pela integridade e dignidade da pessoa humana. A exceção incide no tratamento para com os espiões capturados, uma vez que para o direito islâmico os espiões não estão protegidos pelo mesmo direito que recebem os prisioneiros de guerra. Justificam-se, assim, os inúmeros assassinatos de espiões capturados por grupos armados islamitas, pois para a concepção islâmica, se for comprovado que os indivíduos capturados cometeram o crime de espionagem, eles não estarão sob a proteção das regras do direito humanitário.

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