Análise Do Livro Canaã De Graça Aranha
Ensaios: Análise Do Livro Canaã De Graça Aranha. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: • 1/7/2014 • 3.575 Palavras (15 Páginas) • 40.573 Visualizações
1. BIBLIOGRAFIA
O romance Canaã tornou famoso o nome de Graça Aranha no início do século XX, mas sua maior contribuição à literatura brasileira talvez tenha sido como animador do movimento modernista de 1922.
José Pereira de Graça Aranha nasceu em São Luís, MA, em 21 de junho de 1868. Formado em direito em Recife, foi discípulo de Tobias Barreto que lhe incitou uma filosofia naturalista e materialista. Como diplomata, serviu em Londres, Oslo, Haia e Paris. Amigo de Joaquim Nabuco, foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras, sem ter ainda publicado nenhum livro. O lançamento, em 1902, de Canaã marcou o momento literário com uma nota ruidosa. Por seu tom avançado de cunho social, e mesmo socialista, o livro constituiu então uma grande novidade. Era uma tese sociológica ligada ao problema da imigração europeia no Brasil, no desenvolvimento da qual o autor usou a fórmula do naturalismo, em seu objetivismo, nas descrições realistas de tipos, episódios e ambientes. Graça Aranha tentou, sem o mesmo êxito, repetir-se em outro romance, A viagem Maravilhosa (1930).
Decidido a interferir na renovação artística e social do Brasil, ligou-se aos jovens do movimento modernista e pronunciou duas conferências que provocaram o escândalo, em 1922 e 1924, depois reunidas em Espírito moderno (1925).
Sua coragem intelectual patenteou-se numa sessão da Academia Brasileira de Letras, em 1924, quando rompeu com os passadistas de sua geração, desencadeando uma verdadeira batalha em que os dois se defrontaram: Graça Aranha na chefia dos moços, enquanto o outro grupo tinha como líder Coelho Neto, “o último heleno”. O espírito de sua obra e a filosofia que esposava, expressos em A Estética da Vida (1920), estão superados, mas, como animador cultural, sua posição é incontestável. Graça Aranha morreu no Rio de Janeiro, em 26 de janeiro de 1931.
2. RESUMO
A obra Canaã retrata a vida em uma colônia de imigrantes europeus no Espírito Santo. Milkau, é um jovem alemão que se estabelece em Porto Cachoeiro (ES) e lá conhece o comerciante (também alemão) Roberto Shultz. Este o apresenta a outro imigrante, Lentz, filho de um general. Milkau almeja adquirir um pedaço de terra para aí se estabelecer. Consegue isso com a ajuda do agrimensor Felicíssimo, indicado por Roberto.
Diferentemente de Milkau, Lentz queria se estabelecer no comércio, porém aquele o convence a ser seu sócio. Assim eles partem em direção ao Rio Doce, onde a terra era distribuída. No caminho conversam sobre a paisagem e as raças brasileira e europeia. O primeiro acredita no progresso pela mistura de povos, enquanto o segundo defendia a superioridade da raça ariana. Apesar das diferenças ambos se assemelhavam por terem imigrado para o Brasil, a fim de ter uma vida nova e superar as frustações do passado.
Ansioso para obter seu lote de terra, Milkau parte com Felicíssimo e Lentz para o acampamento. À noite, após o jantar eles se reúnem com outros homens da terra e trabalhadores alemães e escutam varias lendas. Os planos de utilizar a terra diferem entre eles: Lentz quer ampliar sua propriedade e ter mais trabalhadores sob seu comando, Milkau não tem ganância e anseia por justiça.
Após comprar a terra Milkau constrói uma casa e Lentz o ajuda somente pela amizade, já que tinha outro objetivo como foi explicado anteriormente. No trajeto encontrava-se com um velho colono alemão estranho, que estava sempre com seus cães. Mais tarde o mesmo é achado morto em casa, guardado pelos animais e devorado pelos urubus.
Um dia em Jequitibá, Lentz e Milkau participam de um culto entre colonos e após isto eles vão para uma festa na casa de Jacob Muller. Nesta escutam música, dançam e Milkau diz a Lentz que era isso o que pretendia: uma vida simples. Ele ainda conhece uma colona, Maria Perutz, cuja história é triste e solitária. O pai morreu antes que ela pudesse conhecê-lo. A mãe viúva, criada na casa do alemão Augusto Kraus, logo falece e Maria fica sob a guarda deste. Entretanto ele morre e a situação da moça piora ainda mais. Ema (nora de Augusto) e o esposo( Franz) tentam separar Maria do filho, Moritz Kraus, temendo um envolvimento amoroso entre eles. A família quer ver o rapaz casado com a rica EmiliaSchenker e o enviam para longe da cidade, para a tristeza de Maria.
Franz Kraus é procurado por um Oficial de Justiça que, desejando saber porque a morte do velho não foi notificada, passa-lhe um documento sobre a necessidade de arrolamento dos bens de Augusto Kraus. Pede que lhe prepare alojamento e comida para cinco pessoas, pois darão plantão em sua casa, recebendo todos os que estiverem na mesma situação de Franz.
O grupo se instala na casa e passa a maltratar os colonos. Após a visita, cobram de Franz Kraus quatrocentos mil réis, além de demonstrarem certo interesse em Maria, notadamente o procurador Brederodes. Kraus sente-se roubado. Maria, dia-a-dia, teme que sua gravidez se revele, por isso aguarda,esperançosa, o retorno de Moritz para lhe contar sobre o filho que espera.
Os pais do rapaz logo percebem o que se passa. Vendo-a mover-se pela casa abatida, sentem ódio e temem pelo casamento do filho. Passam o dia, a tramar para se verem livres dela. Tratam-na com mais frieza, quase não lhe dão comida, aumentam-lhe os trabalhos. Maria resiste para desespero dos velhos. Uma manhã, trêmula e cansada deixa cair um prato. Furiosa, Ema grita e a expulsa de casa.
Amedrontada, ela sai. Pede auxílio ao pastor, mas esse, convencido pela cunhada, com cautela afasta Maria que sem saída parte para a vila em busca de abrigo.
Ao verem o seu estado deplorável, os colonos chamam-na de louca, afugentando-a. O único refúgio que encontra é a floresta, onde cai prostrada e adormece. No dia seguinte, encontra uma estalagem, onde troca a trouxa de roupa por comida e abrigo. A dona do estabelecimento lhe dá dois dias para encontrar um emprego, mas ninguém se compadece dela.
Certo dia, na hora do almoço, Milkau reconhece Maria na estalagem. Ao saber de sua história, ajuda-a, levando-a para a casa de uns colonos. A moça é aceita, mas tratada com desprezo.
Um dia, trabalhando, no cafezal, começa a sentir as dores do parto.Temendo retornar a casa e ser maltratada, resiste até cair e toda ensanguentada, dá luz ao bebê. Alguns porcos, que estavam nas proximidades, correm para lambê-los, mordendo o bebê que falece. A filha dos patrões chega nesse instante e, sem socorrê-la, volta a casa, dizendo que Maria tinha matado o bebê e dado a criança aos porcos. Dois dias depois, Perutz estava presa na cadeia de Cachoeiro.
A população germânica, horrorizada com o crime de Maria, desejava vingança. Roberto Shultz procura os mesmos representantes da Justiça que amedrontaram e extorquiram os colonos, durante o arrolamento de bens. Solicita-lhes que deixem a punição da mãe assassina para os alemães. O procurador Brederodes, ignorado por Maria na época, insiste em puni-la para que aprenda a não ser tão orgulhosa. Chama todos os alemães de hipócritas e parte,desmoralizando Shultz.
Milkau fica sabendo do destino de Perutz e ao encontrar-se com ela em Cachoeiro fica chocado com a palidez e a decadência de Maria. Volta a vê-la dias seguidos, passando a ser olhado com desprezo e desconfiança, pois, pensavam os moradores que era ele o pai da criança. Apesar de repelido pelos mesmos, permanece ao lado de Maria.
Certa manhã, acompanhado por Felicíssimo, Milkau encontra Maria, sendo levada por dois soldados para o tribunal. Durante todo o julgamento é apontada culpada. Milkaupresencia todas as sessões, chegando a ficar amigo do juiz Paulo Maciel. Este lhe diz que o final não será feliz, pois os depoimentos não deixam dúvidas sobre o crime. O juiz impossibilitado de fazer justiça por uma série de circunstâncias observa que a decadência ali existente é um “misto doloroso de selvageria dos povos que despontam para o mundo, e do esgotamento das raças acabadas. Há uma confusão geral”. No entanto, Milkau crê que a inocência de sua amada seja provada.
Porém, à medida que acompanha o definhar da amiga na prisão, vai se deixando tomar pela tristeza. Então, numa noite, Milkau liberta Maria e foge com ela, correndo pelos campos em busca de Canaã, “a terra prometida”, onde os homens vivem em plena felicidade.
3. PERSONAGENS
Milkau:“(...)Descobrira a cabeça de um louro de ninfa, e sobre ela, e na barba revolta, a luz do sol batia, numa fulguração de resplendor. Era um varão forte, com uma pele rósea e branda de mulher, cujos poderosos olhos , da cor do infinito, absorviam, recolhiam docemente a visão segura do que ia passando. A mocidade ainda persistia em não o abandonar; mas na harmonia das linhas tranqüilas do seu rosto já repousava a calma da madureza que ia chegando.”.
Milkau acreditava no progresso pela mistura de povos e no rejuvenescimento da civilização com a fusão das raças adiantadas com as selvagens, além disso pensava na justiça perfeita, sem ganâncias ou lutas.
Lentz: “E enquanto se entretinham,Milkau admirava a mobilidade da fisionomia do jovem Von Lentz e não se cansava de observar o fulgor de seus olhos fulvos, dominando o rosto sem barba, cujas linhas eram acentuadas e fortes, e se projetavam de uma cabeça ampla, roliça como a de um patrício romano.”
Lentz acreditava na superioridade da raça ariana de modo que o homem brasileiro não era um fator de progresso e sim um híbrido. Esperava pela invasão e domínio alemão sobre o Brasil.
Maria: “Havia nela certa beleza, uma distinção maior do que era comum nos colonos; o porte era gracioso, o busto erguido, porém de um contorno farto, e as mãos brancas, talvez longas demais, saiam dos braços como cabeças de galgo. Mas o que ela tinha de superior era a fronte aberta, era o cabelo louro, fofo, volátil, era a expressão da boca, da sua boca descorada, mas úmida e bondosa.”
Maria era uma mulher triste e solitária não chegou a conhecer o pai e a mãe morreu quando esta ainda era criança, vivia como criada na casa de Augusto Kraus.
Sr. Felicíssimo: “Dizendo isto, indicava um moço magro, baixo e moreno, com o rosto talhado em triângulo, cheio de marcas de bexigas, numa chata cabeça de bacurau, em que os olhos negros cintilavam vivos e secos. ”
Destacou-se pelo seu papel de agrimensor, ajudou Milkau e Lentz a conseguir o seu pedaço de terra e destes permanecera amigo.
Existem ainda personagens secundários como: Sr. Roberto Schultz (recebeu Milkau em seu estabelecimento, apresentou-lhe Lentz e o Sr. Felicíssimo), Joca, Augusto Kraus,Franz Kraus, Moritz Kraus, Emília Schenker, Emma Kraus, Sr. Brederodes, Sr. Dr. Souza Itapecuru, Manoel, Dr.Paulo Maciel e Pantoja.
4. TEMPO
A história se passa no início do século XX (1902). Há a presença dos tempos cronológico e psicológico.
No tempo cronológico os fatos são apresentados de acordo com a ordem dos acontecimentos. Por exemplo:
“Na manhã seguinte, Milkau e Lentz muito cedo estavam admirando o lugar.”
“(...) Às vezes, de madrugadinha, vamos para a pescaria levantar a rede.”
Já no tempo psicológico é a maneira pela qual a passagem do tempo é vivenciada. Como exemplos têm-se:
“Depois da narração os colonos ficaram cismando vagamente. Cada qual remontou por instantes aos princípios da sua vida, e as recordações do passado encheram-lhes a alma de sombras e saudades.”
“(...) E o jardim lembrou a Milkau a terra que abandonara, e ele transportou-se no voo da saudade para a velha Germânia. (...) Recordou-se dos bosques, dos jardins, das casas, da gente no regozijo de novidade a o calor benfazejo do sol.”
5. ESPAÇO
A trama tem como cenário uma colônia de imigrantes em Porto de Cachoeiro no Espírito Santo (espaço físico): “Milkau cavalgava molemente o cansado cavalo que alugara para ir do Queimado à cidade do Porto do Cachoeiro, do Espírito Santo.”
Quanto ao espaço social, podemos citar o armazém de Roberto Schultz: “Ali se negociava em tudo, em fazendas, em vinhos, em instrumentos de lavoura, em café; era um desses tipos de armazém de colônia, que são uma abreviação de todo o comércio e conservam, na profusão e multiplicidade das coisas, certo traço de ordem e de harmonia. A loja àquela hora já estava cheia de gente(...)”; a Igreja: “Uma tarde, Lentz voltava e Santa Tereza, trazendo a notícia de que no dia imediato haveria uma festa em Jequitibá. O novo pastor celebrava o seu primeiro serviço religioso com o concurso dos pastores de Altona e Luxemburgo. Em SantaTeresa e nas casas de colonos por onde Lentz passara, todos se preparavam para essa diversão(...)”; e a festa na casa do rico Jacob Muller: “ No caminho viram muita gente que tomava o rumo da casa da festa.(...) Ao chegarem ao terreiro da casa já as vozes da festa vinham ao encontro dos dois novos colonos, e lês foram entrando no meio do ruído da agitação dos alemães à sombra da varanda (...)”.
6. FOCO NARRATIVO
A história é narrada em terceira pessoa, sendo o narrador onisciente.
Ex: “A história de Maria Perutz era simples como a miséria. Nascera na colônia, na mesma casa aonde ainda vivia. Filha de imigrantes, não conhecera o pai, morto ao chegar ao Brasil, no barracão da Vitória; a mãe viúva e quase mendiga empregara-se como criada na casa do velho Augusto Kraus, antigo colono estabelecido no Jequitibá, longe do porto do Cachoeiro”
“Maria não podia esquecer os fugitivos momentos do seu encontro com Milkau. Muito das palavras do desconhecido se impregnara no seu espírito, e ela guardava recordação desse dia do baile como de uma festa tranqüila para sua alma, de um pequeno clarão dentro da amargura da sua vida.”
7. ESTILO
O autor utiliza linguagem culta e formal. A principal característica da obra são as descrições constantes da natureza e da população que ali se encontra. Como por exemplo, no capítulo II: “A floresta tropical é o esplendor da força na desordem. Árvores de todos os tamanhos e de todas as feições; árvores que se alteiam umas eretas, procurando emparelhar-se com as iguais e desenhar a linha de uma ordem ideal (...).” Para isso o autor usa farta adjetivação, na qual dois ou três adjetivos ligam-se ao mesmo substantivo: “E Milkau ia lentamente adormecendo, feliz e sossegado naquela benfazeja noite tropical, no meio de homens primitivos, no seio de uma nova terra suave e forte”.
Outras marcas do autor são o uso de maiúsculas no meio do texto: “E para afugentar a persistente Tristeza, que o cercava (...)”; e figuras de linguagem como comparação: “As pequenas casas, todas brancas e toscas abriam-se, cheias de luz, como olhos que acordassem.”; personificação: “em pé, no meio do terreiro, de chapéu na mão, a cabeça ao sol, o colono via com os olhos desvairados a Justiça sumir-se na estrada... e quando Ela desapareceu e tudo voltou ao sossego profundo, ficou ele longo tempo com a vista pregada na mesma direção.”
8. MOVIMENTO LITERÁRIO
Canaã faz parte do Pré-modernismo brasileiro: este não foi propriamente uma escola literária; é um movimento eclético em nossa literatura, que reúne um conjunto de autores diferentes entre si, os quais receberam influências de diversos outros períodos e, nesse momento, apresentam pelos menos uma característica em comum: a preocupação com os problemas culturais e sociais existentes no país. Assim Canaã revela-se uma obra sincrética. Do realismo encontramos traços na fixação da paisagem humana da colônia, em prosa quase documental, com a simplicidade da vida laboriosa dos imigrantes ou as doenças da burocracia judiciária. Do naturalismo as seguintes cenas se destacam: o enterro do velho caçador cujo cadáver é disputado por cães furiosos e urubus famintos; o rito bárbaro dos magiares, que fecundam a terra com o sangue de um cavalo açoitado até a morte; o pavor de Maria na estalagem em que se abriga, dormindo juntamente com uma velha criada que esconde pedaços de carne sob o colchão e, à noite, os ratos passeiam-lhe sobre o corpo; enfim o nascimento do filho de Maria em plena mata, entre porcos, que acabam por devorar a criança diante do horror da mãe. Do simbolismo encontramos a preocupação metafísica, a alegoria retórica, a associação das sensações do momento que faz com que o naturismo ultrapasse a simples observação da realidade.
“A fusão cósmica das raças, o entrechoque de cultura desencadeia, para Aranha, o processo de formação do nacional. No espírito moderno, o novo modelo de arte proposto pelo escritor preconiza a força da tradição empenhada na valorização da brasilidade, da arte brasileira: o espírito moderno é dinâmico e construtor. Por ele temos de criar nossa expressão própria. Em vez de imitação, criação. Nem a imitação europeia, nem a americana – a criação brasileira.”
9. VEROSSIMILHANÇA
Segundo Antonio Arnoni Prado, a modernidade de Canaã decorre do fato de que trazia ao debate um problema que um homem como Gilberto Freyre considerava dramático para o Brasil e que em muitos aspectos, ainda hoje nos preocupa. Este problema refere-se à nossa capacidade ou não de assimilando a influencia estrangeira, manter a integridade de nossa cultura, sem correr o risco de nos descaracterizar enquanto povo e enquanto nação.
Tal fato é apresentado pela oposição de ideias entre Milkau e Lentz. O primeiro representa o otimismo, a confiança no futuro do Brasil e na força regeneradora do amor universal. Ele prega a integração harmônica de todos os povos, revelando um evolucionismo humanitário: “O tempo da África chegará. As raças civilizam-se pela fusão; é no encontro das raças adiantadas com as raças virgens, selvagens, que está o repouso conservador, o milagre do rejuvenescimento da civilização. O papel dos povos superiores é o instintivo impulso do desdobramento da cultura, transfundindo de corpo a corpo o produto dessa fusão (...).” Já o segundo é um adepto das teorias racistas. Para ele, os brasileiros por serem mestiços, estão condenados à dominação por parte de raças “superiores”. Lentz profetiza a vitória dos arianos, sobre o brasileiro fraco e indolente. Suas ideias refletem o darwinismo social, que classifica as sociedades em mais ou menos evoluídas: “Os grandes seres absorvem os pequenos. É a lei do mundo, a lei monárquica; o mais forte atrai o mais fraco; o senhor arrasta o escravo, o homem a mulher. Tudo é subordinação e governo.”
Nota-se ainda a descrição da transição econômica, politica, cultural e social pelo qual o país, recém-egresso da escravidão passava: coronéris falidos, escravos livres, mas excluídos do mercado devido a falta de qualificação – “Governo tirou os escravos. (...) Governo acabou com as fazendas, e nos pôs todos no olho do mundo, a caçar de comer, a comprar de vestir, a trabalhar como boi.” Diante disso a narrativa gira em torno da implantação da mão-de-obra livre na economia brasileira, através do incentivo a imigração europeia. Esta muito mais que o sonho de “fazer a América”, representou também o desejo do governo brasileiro de promover o “branqueamento” da população: “O problema social para o progresso de uma região como o Brasil está na substituição de uma raça híbrida, como a dos mulatos, por europeus. A imigração não é simplesmente para o futuro da região do País um caso de simples estética, é antes de tudo uma questão complexa, que interessa o futuro humano”.
Segundo Caio Prado Junior, existia na república velha “uma crença na superioridade inata do trabalhador europeu”. Esta força de trabalho, empregada no colonato, que consistia em um sistema misto de remuneração por tarefa e por medida colhida, foi uma das alternativa para o sustento a produção cafeeira após a abolição.
Nesse aspecto, a obra também representa a intervenção de países estrangeiros na economia brasileira. No trecho seguinte o personagem Pantoja questiona a situação politico-economica do país: “Onde está a nossa independência financeira? Qual é a verdadeira moeda que nos domina? (...) Para que serve o nosso miserável papel senão para comprar libra inglesa?. (...) É ou não o regímen colonial com o nome disfarçado de nação livre?”.
Entre os temas tratadosna obra, que tem relação com a atualidade, podemos citar:
- o despreparo das autoridades, retratadas por exemplo na ingenuidade do agrimensor Felicíssimo e nas arbitrariedades da justiça, cujos agentes, como o Pantoja, o dr.Brederodes, o dr. Itapecuru, nada mais refletem do que a inaptidão dos nativos para conviver como os códigos da vida organizada;
- o pessimismo e a falta de fé no Brasil;
- a desigualdade social que reflete na oportunidade de estudo: “ – Oh! Patrão... O pai diz que eu volte já; hoje é dia de ir com a mae fazer lenha, após tratar os animais, consertar a rede (...). O imgrante compadecido testemunhava naqueles nove anos do desgracado a assombrosa precocidade dos filhos dos miseráveis”.;
- em contraposição a isso mostra que a morte é inevitável, é o destino de todos, independentemente da condiçãofinanceira: “E dentro da igrejinha, velados pelas divindades enclausuradas, jazam no chão sagrado os túmulos de senhores e de escravos, igualados pela morte e pelo esquecimento”.
- e o final, no qual a busca por Canaã, a Terra Prometida, representa a busca pela felicidade e pelo progresso que marca a historia da humanidade.
10. CONCLUSÃO
Canaã abre praticamente o pré-modernismo (literariamente), junto com os sertões de Euclides da Cunha. Fazendo uma reflexão entre o estilo literário e o livro Canaã, percebemos principalmente que o livro tem como característica o regionalismo. O livro possui o debate entre dois alemães: Milkau e Lentz, onde Milkau defende a miscigenação e Lentz a supremacia ariana.
O trabalho de Graça Aranha demonstrou como a imigração é estilizada, ou seja, como a obra representa a implantação da mão de obra imigrante no lugar da escrava. Pode-se observar que a narrativa do romance trás um registro polifônico de diferentes vozes – o imigrante, o brasileiro, o escravo – a debaterem a cultura brasileira e a formação do nacional.
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