Conto Para Aula de Português
Por: Gustavo Simão • 22/2/2022 • Resenha • 2.698 Palavras (11 Páginas) • 182 Visualizações
O provedor
“O que um homem faz? Um homem prove sua família. Eles sempre serão sua responsabilidade. O homem sustenta. E ele faz isso, mesmo quando não é apreciado. Ele supera tudo e faz sua parte pela família ”
Gus Fring
Um pequeno sussurro me fez acordar.
Estava deitado em minha cama pensando sobre o futuro e sobre como tudo parecia estar diferente desde o incidente. No meio desses pensamentos, peguei no sono. Acordei com o gemido no nosso porão.
Minha mulher que dormia ao meu lado não se levantou e muito menos teve alguma reação sobre o barulho que emergiu no meio da noite.
Levantei da cama e me pus a me vestir. Ao contrário da minha esposa, eu não poderia ignorar o sussurro silenciado pelas paredes grossas da minha casa. Eu não tinha essa opção, eu não poderia ignorar. Saber a fonte do sussurro e entender o que deveria ser feito me fez perder todo o sono que eu ainda tinha.
“Ela está com fome! ”
Disse colocando minhas piores calças.
Antes de sair, poderia jurar que escutei um choro controlado daquele lado da cama. Me virei para ver algum rosto encharcado me encarando ou até mesmo uma aprovação silenciosa do qual eu entenderia totalmente.
Porém não foi o caso. Ao me virar, apenas visualizei minha esposa deitada de costas para mim.
Desci as escadas lentamente. O sussurro aumentava conforme eu descia.
Cheguei a porta do porão e coloquei minha mão sobre a madeira. Estava fria e firme, por sorte ela não tinha se soltado das correntes como na última vez.
“Calma docinho, papai estará de volta o mais rápido possível. ”
O sussurro se transformou em um gemido agressivo.
Senti uma tristeza me enchendo. Suspirei na frente da porta e decidi que teria que sair o mais rápido possível. Quanto antes sair, mais rápido eu volto.
Fui até a minha garagem e entrei no meu carro.
Estava uma bagunça. Diversos jornais e gaiolas sujas no banco de trás. Eu precisava urgentemente limpar tudo aquilo. Até o momento eu não tive tempo. Somente eu estava fazendo algo a respeito da situação da nossa filha. Minha mulher tinha simplesmente desistido. Ela não fazia mais questão de ajudar ou até mesmo visitar nossa filha no porão. Toda vez que escutava algum barulho vindo dela, seus olhos se enxiam de lágrimas e ela se trancava em nosso quarto. Eu entendia até certo ponto, porém era nossa filha, não era uma criança aleatória. Nosso sangue escorria nas veias dela.
Fazer tudo sozinho era um baita transtorno e não me dava muito tempo para descansar. Mas eu precisava pensar que essa era a minha responsabilidade como pai. Não podia ignorar minha filha. Nenhum pai pode ignorar as necessidades de sua filha.
Ela é minha garota especial. Com este pensamento abri a garagem e me pus a dirigir pela noite.
A noite estava agradável. Nem muito quente e nem muito frio. Era primavera, ou seja, a minha estação favorita. Tempo onde a gripe não existia mais e o suador estava ainda por vir. O período perfeito pensei enquanto percebia que faltava dez minutos para as três horas da manhã.
Conforme meu carro andava pela noite, reparei o quão vazia era aquela parte da cidade. Não tinha carros e sonâmbulos perambulando pela rua O que facilitava o meu trabalho. Tudo estava tranquilamente morto.
Parei o carro numa praça e sai com uma mochila na mão.
Era estranho, pois sua fome estava aumentando dia após dia. Normalmente ela ficava dias sem comer e após esses dias, ela começava a reclamar. O que acontecia agora, era que as suas reclamações sobre falta de comida iam aumentando dia após dia. Era impossível dormir com suas reclamações e arranhões na madeira.
O mais fácil era alimenta-la e assim garantir umas boas noites de sono.
Me sentei num banco e coloquei alguns potes no chão com comida fresca. Agora era só esperar algum animal desavisado passar para que pudesse captura-lo. Normalmente levava cerca de vinte minutos para aparecer algum cachorro ou até mesmo um gato.
Após aparecer, uma martelada firme e bruta resolvia tudo.
Colocava a comida dentro da mochila e ia para casa alimentar minha doce filha. Eu não sabia o motivo dela gostar tanto de carne fresca, só que sabia era que as demais carnes não a enxiam tanto quanto essa carne fresca.
O que me preocupava era que essa não estava mais sendo suficiente também.
Esperei por mais alguns minutos e nada de nenhum bicho aparecer. Comecei a ficar preocupado. Minha mente começou a pensar no que eu poderia fazer caso minha armadilha não funcionasse. O martelo estava firme em minhas mãos.
Foi então que eu reparei em algo se mexendo. Os passos eram lentos e cansados. Parecia haver uma fome em seu andar e nas mãos tinha alguns papelões que eu acreditava ser sua cama móvel.
Pensei na questão por alguns segundos.
“Não, se eu fizer me tornaria a um assassino. ” Falei para mim mesmo.
O homem caminhava lentamente e quando me viu abriu um sorriso triste e curioso. Torci para que não viesse até a minha armadilha. Eu estava em um lugar muito isolado e ninguém poderia nós ver. Seria perfeito.
Ele virou o corpo para mim e veio em minha direção. Caminhava mais rapidamente agora. Os pés quase se embolavam de tanta empolgação.
Minhas mãos suavam e o martelo parecia pertencer a minha mão.
- Oi meu chapa – Disse o mendigo com uma expressão solitária – Caminhada noturna?
- Sim, não estava conseguindo dormir e decidi dar uma volta – Respondi o homem que começou a ter tiques nervosos.
- Você teria cigarro ou alguma comida para mim? – O homem perguntou se beliscando. Parecia estar com abstinência de alguma coisa.
- Não, infelizmente não fumo, e a comida que eu trouxe, era para os cachorros da região – Respondi apontando para o pote que coloquei do lado do banco que eu estava sentado.
A lua brilhava no céu e os olhos do mendigo tinham a mesma expressão de brilho. Ele parecia estar querendo comer a comida do pote dos cachorros.
- Posso? – Perguntou o mendigo.
Afirmei com a cabeça e o vi se atracar naquele pote sujo. Senti nojo conforme vi seu corpo se debruçar e com as mãos começar a devorar aquela comida nojenta.
A sua vida não valia nada. Era um porco comendo restos e comidas podres do qual não valia a pena. Era um drogado que andava de um lado para o outro tentando sobreviver. Era um andarilho sem funcionalidade ou motivação.
Na minha família, chamávamos isso de peso morto.
O deixar vivo era o verdadeiro erro.
Após terminar de comer feito um cachorro o mendigo me olhou com os olhos vidrados. Estava com ar de insanidade, como se aquela refeição, fosse a melhor refeição que já tivesse comido em toda a sua vida.
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