Se os Travesseiros Falassem - Crônica

Se os travesseiros falassem...

Aqueles velhos móveis exalavam um leve cheiro de mofo. Apesar disso, os efeitos do tempo não destruíram o cenário melancólico vivido por uma família simples do interior. Hoje jovem, dos cabelos mal arrumados, com olhar benigno e encorajador, mas nem sempre fora assim. Já havia se abrigado a expressão da fome naquela doce criança.

O esposo chega a casa com olhar vazio, bem como os bolsos. Ainda assim, é recebido com um abraço por cada um dos seis filhos, incluindo sua caçula de apenas cinco anos que o beija no rosto. Ao entrar na casa e observar sua mulher que o esperou com uma resposta, fez o sinal negativo com a cabeça e a abaixa em pesar.

A mesma cena já havia sucedido durante várias improváveis tentativas de conseguir um emprego. Num ato de esperança e compreensão, a esposa sorri gentilmente e mais uma vez diz “daremos um jeito”.

A vida de empregada doméstica para uma mulher semianalfabeta, mãe de seis filhos e esposo sem trabalho era um encargo maior do que poderia suportar. Sempre que tinha oportunidade, conseguia restos das refeições de seus patrões para a própria alimentação da família.

Entretanto, nesse dia não havia sobras, pois alguns dos parentes distantes vieram passar com os donos da casa o fim de semana. A consequência disso, resulta na falta de almoço na família da empregada. Tudo o que restava na geladeira era uma vasilha com feijão congelado. A mulher então, tempera o feijão com óleo de soja e três dentes de alho. O cardápio pobre entristecia a empregada conforme o feijão ia se soltando na panela quente. Ao terminar, notou no fundo do armário um pacote de farofa pronta sabor picanha, o que servia de acompanhamento.  

A família senta-se a mesa e notam na cavidade de seus pratos sua refeição, feijão com farofa. O silêncio de todos aguçava ainda mais o paladar. O sabor de picanha da farofa sobressaia sobre todo conjunto, levando-os a imaginar comendo uma fatia de carne suculenta.

Nessa noite, os quartos se calaram. A mãe, chorava e contava o ocorrido para seu melhor ouvinte. O pai, fazia a mais bela oração para mudar aquela realidade. Os filhos, consideraram a hipótese de desistir dos estudos e trabalhar para ajudar em casa. A filha, porém, agradeceu o banquete do dia e pediu fortalecimento e fé. No aconchego dos travesseiros desse lar foi liberado o espirito e amor familiar de pais e filhos.

A intercessão da pequenina operou na perseverança do pai. O semblante animador dele destruiu o quadro pessimista e o deu mais uma chance. A cena não se repetiu e o tabu foi quebrado. Dessa vez, quando sua esposa fez a pergunta, a resposta foi um belo sorriso e uma sacola com algo diferente a qual nunca comeram.

Se os travesseiros falassem, não diriam nada, apenas sorririam...