A Constituição Das Teorias Pedagogicas Da Educação Fisica
Artigos Científicos: A Constituição Das Teorias Pedagogicas Da Educação Fisica. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: edsonpinheiro • 1/3/2015 • 6.266 Palavras (26 Páginas) • 353 Visualizações
A constituição das teorias
pedagógicas da educação física
* Professor de Educação Física do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade
Federal do Espírito Santo.
70 Cadernos Cedes, ano XIX, nº 48, Agosto/99
A utilização de aspas na expressão educação “corporal” fornece
uma pista de uma das questões que pretendemos colocar. A tradição
racionalista ocidental tornou possível falar confortavelmente da possibilidade
de uma educação intelectual, por um lado, e de uma educação física
ou corporal, por outro, quando não de uma terceira educação, a moral
– expressão da razão cindida das três críticas de I. Kant, filósofo que, não
obstante, segundo Welsch (1988), preocupou-se intensamente com as
mediações entre as diferentes dimensões da racionalidade. Essas educações
teriam alvos, objetos bem distintos: o espiritual ou mental (o intelecto),
por um lado, e o corpóreo ou físico, por outro, resultando da soma a
educação integral (educação intelectual, moral e física). É claro, o alvo era
ou é o comportamento humano, mas influenciá-lo ou conformá-lo pode ser
alcançado pela ação sobre o intelecto e sobre o corpo. Também na melhor
tradição ocidental, a educação “corporal” vai pautar-se pela idéia, culturalmente
cristalizada, da superioridade da esfera mental ou intelectual –
a razão como identificadora da dimensão essencial e definidora do ser
humano. O corpo deve servir. O sujeito é sempre razão, ele (o corpo) é
sempre objeto; a emancipação é identificada com a racionalidade da qual
o corpo estava, por definição, excluído.1
A esse respeito, assim se expressa Santin (1994, p. 13):
A racionalidade foi proclamada como a especificidade exclusiva
e única das dimensões humanas. O humano do homem ficou
enclausurado nos limites da racionalidade. Ser racional e ter o
uso da razão constituíram-se nos únicos pressupostos para assegurar
os plenos direitos de pertencer à humanidade.
Ou, como afirma Gil (1994) em seu brilhante Monstros, referindose
à visão de corpo-máquina:
Deu-se uma transferência dos poderes do corpo para o espírito:
de nada serve ao corpo estar substancialmente unido ao espírito
(e, assim, tornar-se vivo e indivisível), é este último que define a
sua natureza humana. Doravante, o único defeito do corpo é poder
levar a alma a enganar-se. (p. 169)
As teorias ou metanarrativas que circunstanciam o projeto da
modernidade e que projetavam perspectivas para a humanidade não
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reservavam ao corpo (a seus desejos, suas fantasias etc.) papel central.
Não lhe atribuíam papel importante para a construção de uma prática
emancipatória, como também nenhum papel subversivo. A emancipação
humana (iluminista) dar-se-ia pela razão, pela consciência
desencarnada. As teorias da consciência, mesmo as de orientação
positivista, são mentalistas – vai ser a psicanálise, que não casualmente
não goza de grande prestígio acadêmico, que colocará o corpóreo, a
dimensão não-racionalizada, como elemento importante para o entendimento
das ações humanas.
Nas teorias do conhecimento da modernidade, que têm sua expressão
máxima no chamado método científico (a ciência moderna), o
corpo ou a dimensão corpórea do homem aparece como um elemento
perturbador que precisa ser controlado pelo estabelecimento de um procedimento
rigoroso (por exemplo: Francis Bacon e os idola).
Para Veiga Neto (1996), se existe alguma culpa na ciência ou na
racionalidade moderna, ela se situa na divisão entre res estensa e res
cogitans, pois essa separação fundamentou o nosso afastamento em relação
ao resto do mundo. Esse afastamento, segundo o autor, deixa-nos
sem compromisso com o destino de tudo o que nos cerca, incluindo aí
os outros homens e mulheres. Tal separação está na base da idéia do
controle racional do mundo.
Tanto as teorias da construção do conhecimento como as teorias da
aprendizagem, com raras exceções, são desencarnadas – é o intelecto que
aprende. Ou então, depois de uma fase de dependência, a inteligência ou
a consciência finalmente se liberta do corpo. Inclusive as teorias sobre
aprendizagem motora são em parte cognitivistas. O papel da corporeidade
na aprendizagem foi historicamente subestimado, negligenciado. Hoje é
interessante perceber um movimento no sentido de recuperar a “dignidade”
do corpo ou
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