A Educação De Crianças Hoje: Quando O Excesso De Sentido Segrega O Sujeito

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS

FAE/UEMG - Disciplina: Sociologia

- 2014

A educação de crianças hoje: quando o excesso de sentido segrega o sujeito

Este artigo refere-se ao trabalho de doutorado na FAE/UFMG cujo objeto é o mal-estar do professor e a “criança considerada problema”: um estudo de psicanálise aplicada à educação. Subsidiados teoricamente pela psicanálise, demonstraremos que a equação inicialmente formulada pelos educadores “criança considerada problema” = “família problemática” é uma equação que não fecha. Paradoxalmente, ter acesso ao seu modo de viver, à dura realidade que enfrentam em seu dia-a-dia, atinge os educadores fazendo-os recuar, muitas vezes, com certo horror. . O que desfavorece, portanto, a inserção da criança na escola deixa de ser da ordem de uma carência em seu ambiente, para se tornar algo susceptível ao que excede nas representações dos professores.

A psicanálise trata as questões concernentes à família com base em referencias que esclarecem como o sujeito se constitui e as modalidades particulares de enlaçamento que unem cada um ao social, por intermédio do discurso.

Para Lacan (1953, p. 301), “a função da linguagem não é informar, mas evocar”. Fiel a esse aporte, ele associa a comunicação baseada na informação à redundância, à superabundância e ao excesso.

No presente artigo, portanto, trabalharemos uma equação formulada pelos educadores em uma escola da rede pública municipal: “criança considerada problema = família problemática”, demonstrando ser possível provocar um giro em suas pressuposições.

A família de cada um: Eu estou achando complicado, na minha cabeça, saber o que é família, na verdade [...] O que é família hoje? Questiona um educador. Até poucas décadas atrás, dúvidas sobre o conceito de família, tomadas como célula fundamental da sociedade, não seriam consideradas pertinentes. Hoje, porém, já é ponto pacífico para a sociologia que as famílias não mais atendem à modalidade pai provedor financeiro e mãe dona-de-casa. No transcorrer dos tempos, diferentes modelos foram surgindo estabelecendo-se uma descontinuidade entre a família naturalmente constituída e a família humana, inserida no mundo da linguagem.

Para Miller (2007), “a psicanálise, assim como o cristianismo, é também solidária da família” (p. 3).

Lacan afirma que se pode observar, no quadro da família humana, a prevalência das instâncias culturais sobre as instâncias naturais.

Diferente do instinto, a cultura flexibiliza os modos de organização da existência humana, dando lugar à invenção, por meio do simbólico, de diferentes formas de estruturação familiar.

se a família, para a psicanálise, é o lugar do Outro da língua, é também o lugar do Outro da lei, do interdito. Nesse momento, instaura-se um desvio promovido pela pulsão, que, diferentemente do instinto, afasta-se do caminho traçado pela natureza.

Lacan (1955-1956) elucida a transmissão do lugar de autoridade dentro da dinâmica familiar, dando ênfase ao espaço que o pai ocupa no sentido metafórico, não da realidade ambiental. Deixa clara a responsabilidade do dizer da mãe, que coloca em jogo os “efeitos de prestígio” na relação ternária do Édipo. Sua reverência é decisiva nessa função. Dá ênfase ao “vínculo de amor e respeito pelo qual a mãe coloca ou não o pai em seu lugar de ideal” (p. 585).

Após reafirmar que a metáfora paterna concerne ao pai e que está no centro da questão do Édipo, Lacan interroga: “Será que um Édipo pode constituir-se normalmente quando não existe um pai?”. No que se refere à carência do pai, Lacan argumenta que nunca se sabe no que ele é carente. Em certos casos, é meigo demais, diz ele; em outros, lhe conviria ser malvado.

faremos referência ao artigo de Lacan (1969), “Nota sobre a criança”. Ele esclarece que além de transmitir a vida, a família parental teria a “função de resíduo”, ao implicar o sujeito com um desejo que não seja anônimo, e não apenas a de cumprir a satisfação de suas necessidades.

Nesse texto, Lacan atribui à mãe a função de marcar a criança com seu interesse particularizado. Do pai, espera-se que seu nome seja o vetor da lei do desejo. Vemos, portanto, que o posto que compete à família, segundo a psicanálise, é o de possibilitar a emergência o desejo, na constituição subjetiva, e não apenas transmitir valores culturais.

espaço de uma Conversação com professores, podemos demonstrar o mal-entendido que permeia a instituição escolar, em situações nas quais o “fracasso” da aprendizagem das crianças é atribuído ao “fracasso” de suas famílias. Santiago (2005)

“Criança considerada problema” = “família problemática”: uma equação que não fecha

uma professora declara: Não estou dizendo daqui dessa comunidade. Eu estou dizendo... se a gente for olhar em um âmbito maior, o que é a família hoje na verdade? A mãe fica o dia inteiro fora trabalhando, o pai também. A mãe está bêbada, e o filho está em casa sozinho ou em algum outro lugar. Quem está educando essas crianças? [...] A gente vê hoje é isso aí [...] O que vai acontecer?

“O que vai acontecer?”. Perturba-se e expressa um não saber, por ter perdido o “fio da meada”. Faz referência ao descumprimento, pelos pais, do lugar da transmissão. Atribui ao Outro familiar a causa do fracasso das crianças na escola: Além da agressividade, o que eu percebo é falta de desejo das crianças [...] E, se a família não colaborar, não incentivar, não estiver junto... Porque, mesmo ela não sabendo ler e escrever, ela pode valorizar essa oportunidade que o filho está tendo. Além da agressividade, o que eu percebo é falta de desejo das crianças [...] E, se a família não colaborar,