A Simbolização e a narrativa: poderes e limites
Por: Beto Salvatore • 2/6/2018 • Abstract • 2.110 Palavras (9 Páginas) • 346 Visualizações
A proposta desse texto é de forma resumida mostrar o poder da leitura em diversos contextos em que a simbolização e a narrativa acontecem nos casos de crise e o tratamento desses traumas através da mediação cultural. E os limites para que isso aconteça de maneira eficaz.
Os textos ou imagens apresentados às pessoas fazem com que de modo espontâneo, relembrem fatos de sua vida através da associação do texto lido ou da imagem apresentada. Isso faz com que a narrativa se torne explícita e espontânea. Logo, essas pessoas que antes não falavam, por traumas ou outros motivos, começam a narrar suas próprias histórias e idéias de maneira crítica. A leitura faz com que exercitem o pensamento crítico sobre o que foi lido ou apresentado. Petit (2009) afirma: ler faz com que as crianças e os adolescentes, as pessoas idosas falem por si mesmos, ou um com os outros.
Quando não há um pensamento crítico de interpretação para situações, se torna fácil o “controle” dos indivíduos através da manipulação. No momento em que esse “controle” é rompido pelos efeitos da leitura, causa o desconforto dos dominadores, porém o sentimento de liberdade (de expressão) por parte dos dominados. Nos lugares onde apenas alguns detinham a palavra, as leituras orais darão também a idéia de que cada um pode ter a sua própria voz. (PETIT, 2009).
De acordo com Petit (2009, p. 69), “os textos lidos ou ouvidos ajudam a despertar em uma pessoa regiões silenciadas ou enterradas no esquecimento, dar-lhes forma simbolizada, compartilhada, e transformá-las”. A leitura também liberta os sentimentos que foram enterrados ou proibidos de emergir. Faz com que alguns se identifiquem a tal ponto que começam uma narrativa muitas vezes silenciada, nesse aspecto a leitura age como uma mediadora entre o interior imerso trazendo para o exterior a emergência dos sentimentos reprimidos.
A realidade socioeconômica também influencia na dificuldade do hábito de ler. A falta de informação, acesso e principalmente oportunidade para esses indivíduos, faz com que muitos sejam marginalizados ao ponto de serem considerados dispensáveis para a sociedade. Segundo Petit (2009, p. 70), “para esses jovens, a oralidade é fundamental, pois é muito difícil se apropriarem do objeto livro. A literatura e a cultura na leitura em conjunto, nesse caso, têm uma ação libertadora. Promove a ressocialização e a construção desses indivíduos.
A identificação com o que é lido mesmo que de maneira indireta, ou seja, sem falar abertamente sobre o assunto, faz com que os próprios indivíduos externem sentimentos e idéias reprimidas. Eles se reconhecem e interpretam suas ações através da literatura, contam sua própria história esclarecendo de maneira lenta e progressiva os sentimentos. Os textos lidos abrem aqui um caminho em direção à interioridade, aos territórios inexplorados da afetividade, das emoções, da sensibilidade; a tristeza ou a dor começam a ser dominadas. (PETIT, 2009).
Os livros são como uma segunda linguagem que é usada para falar sobre si mesmo. Onde se descobre coisas que o próprio indivíduo não havia percebido. A maneira como a leitura é apresentada se torna de grande importância para o modo de aceitação do individuo. Se não for imposta, de maneira obrigatória, deixará que se sinta como parte da história, fazendo com que traga novamente à memória sua história de vida. Traz para o campo da linguagem coisas não ditas, sem que o próprio indivíduo fale sobre isso, através da literatura. Para alguns estudiosos, ler algo que se gosta é se reencontrar de alguma maneira. Trazer de volta algo perdido, uma busca incessante por um segredo atormentador. Para Petit (2009), nossa sede de palavras, de elaboração simbólica, é tamanha que, com freqüência, imaginamos assistir a esse retorno de um conhecimento sobre nós mesmos surgindo sabe-se lá de que estranhas fontes, redirecionando o texto lido a nosso bel-prazer, encontrando nele o que o autor nunca teria imaginado que havia colocado.
Segundo Petit (2009, p.75), “a leitura reconduz cada um ao seu âmago, ‘ao centro do desconhecido que nos dá origem’ e ‘é terapêutica, pois as representações oferecidas despertam o que dorme ou é ignorado em nós, ressuscitam pedaços de histórias, fragmentos de memórias, os vapores de sensações esquecidas”. Por ser considerada “terapêutica”, explicaria o fato de pessoas, independentemente das classes sociais, terem o hábito de ler antes de dormir. Como se o livro fosse a ponte para o sonho depois de um dia cheio.
As figurações simbólicas podem ser usadas para escapar da confusão interior ou exterior, porém a leitura, por ela mesma, não pode ser suficiente para retratar os dramas vividos. O que está em nós precisa primeiro procurar uma expressão exterior, e por vias indiretas para que possamos nos instalar em nós mesmos. (PETIT, 2009).
De acordo com Petit (2009, p.77), “são tantas as pontes lançadas entre o eu e os outros, tantos os vínculos entre a parte indizível de cada um e a que é mostrada aos outros”. Há uma identificação com outro, principalmente ao se tratar dos assuntos dramáticos e melancólicos. Essa aproximação acontece quando os indivíduos compartilham sentimentos em comum, de maneira inconsciente, como o medo. E passam a tratar desses assuntos com naturalidade, encarando a realidade através da literatura, transpondo as altas barreiras da solidão, como a depressão.
A simbolização de alguma forma sempre estará ligada à perda e a renúncia. No seu primeiro estágio, na infância, se dá pela imitação do gesto ou comportamento na ausência do outro. Depois o caso se torna objeto de estudo por Freud, ao observar seu neto de dezoito meses que não chorava na ausência da mãe, mas tinha o hábito de brincar com um carretel. O menino se retratava na brincadeira com o carretel onde o fazia desaparecer e depois aparecer novamente. Com esse teatro ele pensava estar no controle da situação, subvertendo a realidade. Para Petit (2009, p.80), “o jogo contribui para dominar a ausência, estabelecer na criança uma continuidade, a despeito das idas e vindas daquela que o mantém, alicerça a sua emancipação progressiva, que lhe permitirá se relacionar com os outros”. O “jogo do carretel” foi de extrema importância para entender como a simbolização é essencial para o desenvolvimento humano, a saída do trauma e o controle sobre a situação. Esse controle gera uma satisfação, mesmo que inconsciente, no domínio da situação representada nos arremessos do carretel. Ainda no período inicial da infância, psicanalistas e psiquiatras infantis enxergaram que a representação de gestos que os bebês repetem das mães seria o ponto de partida para uma narrativa posterior. A criança seria capaz de assimilar a ausência da mãe entendendo que ela está em outro lugar, a partir do segundo semestre. Fazendo assim, uma dicotomia entre a linguagem da situação e a linguagem da narração. Se as crianças acessarem esses dois pontos, serão capazes de construir narrativas verbais sobre as próprias vidas com tudo a sua volta.
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