Alimentos Gravidicos
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Alimentos gravídicos: responsabilidade civil da genitora decorrente da negativa de paternidade
Resumo: O trabalho realizado foi desenvolvido a partir de um estudo da evolução histórica da obrigação alimentar. Em seguida, realizou-se um estudo sobre o conceito de nascituro abordando o tratamento dado pela Constituição Federal de 1988 que defende em seu art 5° o princípio da dignidade humana e o direito a vida, na medida em que o Código Civil de 2002 adota a teoria da personalidade condicional. Esse código diz que os direitos do nascituro são tutelados, porém condicionam o início de sua personalidade ao nascimento com vida. Também foi abordado o direito do nascituro pleitear alimentos, chegando finalmente na análise dos alimentos gravídicos, onde foi abordada a titularidade para pleitear tais alimentos, os aspectos processuais da Lei, ônus probatório e a presunção da paternidade, bem como a revisão, conversão e extinção dos alimentos gravídicos. Tratou-se também da relação do dano moral e material e sua relação com os alimentos gravídicos, chegando assim ao assunto principal desse estudo que é a responsabilidade civil da genitora em caso de negatória de paternidade.*
Palavras-chave: Nascituro. Alimentos Gravídicos. Lei 11.84/08. Responsabilidade Civil da genitora.
INTRODUÇÃO
A presente monografia abrange o tema dos alimentos gravídicos, disciplinados pela Lei 11.804/08, que faculta à mãe, no período de gravidez, pleitear alimentos ao suposto pai, em beneficio do nascituro, na medida em que a Lei põe a salvo o direito desde a concepção.
O primeiro capítulo trata-se do estudo sobre a evolução histórica da obrigação alimentar, passando no segundo capítulo ao conceito de nascituro e o direito tutelado pela Constituição Federal de 1988.
No terceiro capítulo é discutido o início da personalidade jurídica e as teorias acerca do tema, pois com o advento da Lei, o feto passa a ter proteção e direitos ainda dentro da barriga da mãe.
O quarto capítulo analisa o direito do nascituro aos alimentos, o que encontra respaldo na teoria concepcionista e na constituição.
O quinto capítulo aborda a Lei de alimentos gravídicos (11.804/08), passando pela titularidade, ônus probatório, aspectos processuais e a presunção de paternidade que possibilita ao magistrado fixar liminarmente os alimentos ao nascituro, bem como a sua conversão, revisão e extinção desses alimentos.
O capítulo sexto aborda a relação do dano moral e material com os alimentos gravídicos.
Por fim o último capítulo, embasado na teoria concepcionista, trata especificamente da responsabilidade civil da genitora em caso de negatória de paternidade, frisando a responsabilidade subjetiva, uma vez que o artigo 10 da Lei foi vetado. O artigo que previa a responsabilidade objetiva de quem pleiteava tal direito foi vetado sob o argumento de se tratar de norma intimidadora atentando contra o livre exercício do direito de ação.
1 BREVES LINHAS SOBRE A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
1.1 Direito romano
Não há uma determinação precisa do momento histórico a partir do qual a estrutura, no sentido do reconhecimento da obrigação alimentar, foi inserida no contexto de família. Sobre o assunto, Venosa (2003, p. 372) observa que não havia “precisão histórica para definir quando a noção alimentícia passou a ser conhecida”.
Essa imprecisão histórica seria o reflexo da própria constituição da família romana, que subsistiu durante todo o período arcaico e republicano. Nesse período era decorrente da obrigação moral a assistência mútua entre os membros de uma família (os ascendentes os deviam aos descendentes e vice-versa, quer no ramo paterno, quer no materno, e quanto ao filho natural, devia alimentos à mãe, e tinha o direito de ser por ela mantido) ou grupo social, configurando o chamado officium pietatits (dever de afeição), e sem nenhuma ligação, portanto, com normas de direito positivo.
Somente a partir do momento que se constata o vínculo de sangue entre os membros de uma mesma família é que surge o dever moral da obrigação alimentar no direito romano.
Sanchers (apud CAHALI, 2007, p. 39) aduz sobre o momento histórico do reconhecimento da obrigação alimentar:
“Terá sido a partir do principado, em concomitância com a progressiva afirmação de um conceito de família em que o vinculo de sangue adquire uma importância maior, quando então se assiste a uma paulatina transformação do dever moral de socorro, embora largamente sentido, em obrigação jurídica própria, [...]; a controvérsia então se desloca para a extensão das pessoas vinculadas à obrigação alimentar.”
Devido ao conceito de família existente na época (que possuía direta ligação com o vínculo de sangue), os filhos incestuosos, conforme observa Pereira (1988, p. 298), “nenhum direito tinham a alimentos”, somente o filho natural, mesmo espúrio, seria pela mãe criado de leite até a idade de três anos, e qualquer outra despesa com o filho, nesse período, correria por conta do pai.
Ensina-nos ainda Pereira (1988, p. 299):
“[...] caso de não poderem pai nem mãe dar alimentos ao filho natural, deveria este demandá-los aos avós, preferencialmente maternos, e, à falta de ascendentes, passava a obrigação aos irmãos, salvo se o pretendente se tivesse afastado da casa deles, irmãos; se houvesse casado sem licença paterna; ou se, após o falecimento do pai, tivesse contraído matrimonio sem licença dos mesmos irmãos.”
Cahali (2007, p. 40) ainda ressalta a “existência de uma obrigação alimentar recíproca entre os cônjuges, mas a matéria é controvertida, pois a grande maioria da doutrina reconhece o direito da mulher aos alimentos, mas ao marido não”.
Já, em relação ao nascituro, a questão dos alimentos é nebulosa, pois inúmeros textos referiam-se ao nascituro como simples víscera materna, não lhe concedendo qualquer autonomia ou direitos.
Sobre esse assunto Chaves (2000, p. 21) esclarece:
“Para o Direito Romano, a personalidade jurídica coincidia com o nascimento, antes do qual não se falava em sujeito ou objeto de direito. O feto, nas entranhas maternas, era uma parte da mãe e não uma pessoa. Por isso, não podia ter direitos e atributos reconhecidos ao homem, mas seus interesses eram resguardados e protegidos de qualquer situação contrária a seus cômodos.”
A Professora Benedita Inêz Lopes Chaves (2000) nos enriquece ainda mais explanando que, consideravam o nascituro como sujeito de direitos. Fato constatado por normas que proibiam a execução capital de uma mulher grávida, cuja pena deveria ser deferida após o parto, bem como uma lei regia que determinasse que fosse aberto o ventre da mulher que morreu prenhe, para tentar- lhe a salvação do filho
Essas duas hipóteses configuram a tutela do direito à vida do nascituro, que também não dependia do nascimento, mas, antes, a ele tinha por escopo. Se os direitos sucessórios dependiam do nascimento com vida, a mesma afirmação não é válida para outros direitos que dele eram independentes, sendo concedidos ao nascituro pelo simples fato de estar concebido, assegurando o direito a alimentos e ao desenvolvimento intra-uterino.
De todas essas considerações, infere-se que os romanos protegiam o feto, com o respeito devido ao ser humano em formação, mas não o consideravam sujeito de direitos, resguardado sempre o interesse do nascituro, direitos que viria a ter quando do nascimento com vida.
1.2 Direito canônico
No direito canônico, onde a igreja interferia de maneira direta nas famílias, foi estendido o campo da obrigação alimentar, inclusive nas esferas de relações extrafamiliares, levando-se em conta o vínculo espiritual, de acordo com as tradições e costumes do lugar.
Para Cahali (2007, p. 41):
“A obrigação alimentar poderia originar-se, para além do vínculo de sangue, de outras relações, quase dar alimentos ao asilado; questionava-se entre os canonistas se haveria uma obrigação alimentar entre o tio e sobrinho, ou entre o padrinho e o afilhado, em razão do vínculo espiritual.”
Confirma-se, portanto, no direito canônico o reconhecimento do vínculo de parentesco na relação familiar e o ponto de partida para o reconhecimento ao direito de alimentos aos filhos espúrios em relação ao companheiro da mãe durante o período de gravidez, sem que se pudesse invocar, para excluí-lo, a exceptio plurium concumbentium[1].
Particular consideração merece a influência do cristianismo na tutela do nascituro, onde, apesar de escassos testemunhos, era exigível a concepção, enquanto no mundo romano se chegasse a prescindir do fato da concepção. Os pensamentos somente se convergiam na consideração de que ao nascituro devesse limitar seus efeitos à proteção somente de seus interesses, não de terceiros.
1.3 Ordenações filipinas
Nas Ordenações Filipinas, o texto mais expressivo sobre a obrigação alimentar encontra-se no Liv. I, Tít. LXXXVIII, 15, referindo-se a proteção orfanológica, onde o juiz lhes daria o necessário para a sua sobrevivência (alimentos, vestuário), isso de ano em ano. Mandaria ainda ensinar a ler e a escrever.
Sobre o assunto, observa Cahali (2007, p. 42):
“Se alguns órfãos forem filhos de tais pessoas, que não devam ser dados por soldados, o juiz lhes ordenará o que lhes necessário for para seu mantimento, vestido e calçado, e tudo mais em cada um ano. E mandará escrever no inventário, para se levarem conta a seu Tutor, ou Curador. E mandará ensinar a ler e escrever aqueles, que forem para isso, até a idade de 12 anos. E daí em diante lhes ordenará sua vida e ensino, segundo a qualidade de suas pessoas e fazenda.”
Importante ressaltar a intervenção do judiciário para dosar o quanto e o como, deveria ser prestada a obrigação alimentar.
Não podemos deixar de citar o art. 230 das Ordenações Filipinas que traçava em seu arcabouço que “o direito recíproco à prestação de alimentos entre pais e filhos é extensivo a todos os ascendentes e descendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”. (MOURA et al, 2008, p. 143) Já o art. 231 também das Ordenações Filipinas, estendia a obrigação alimentar ao âmbito fraterno, ao dispor que “os irmãos são obrigados a alimentar os irmãos por todos e quaisquer bens que possuam.” (MOURA et al, 2008, p. 143)
1.4 Código Civil de 1916
No Código Civil de 1916 a obrigação alimentar era considerado como efeito jurídico do casamento, conforme arts. 231, III, “mútua assistência”, 231, IV “sustento, guarda e educação dos filhos” (BRASIL, 1916) e 233, IV, faz competir ao marido, como chefe da sociedade conjugal “prover a manutenção da família” (BRASIL, 1916) ou como decorrência das relações de parentesco.
Além disso, elenca em seu arcabouço as relações decorrentes de contrato e/ou testamento, obedecendo às disposições reguladoras dos Direitos Obrigacionais, funcionando, ainda, como indenização, conforme estabelecia em seu art. 1.537.
Diversas outras alterações foram introduzidas por um complexo de leis extravagantes, entre elas o Decreto Lei 3.200, de 19.04.1941 (Lei de proteção à Família), preconizando em seu art. 7º o desconto em folha da pensão alimentícia; a Lei 968, de 10.12.1949, instituindo a tentativa de acordo nas causas de desquite litigioso e alimentos, inclusive os provisionais (art. 1º); a Lei 883, de 21.10.1940, cuidando de alimentos provisionais em favor do filho ilegítimo reconhecimento pela sentença de primeira instância, e mais recentemente, a Lei 8.560, de 20.12.1992, previu, em ser art. 7º, a regulamentação da investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e a concessão, pela sentença de procedência de ação, de alimentos provisionais ou definitivos ao reconhecido que deles necessitasse.
Em relação aos nascituros, o Código Civil de 1916 (BRASIL, 1916) em seu art. 4º, acompanha a corrente natalista, considerando o início da personalidade a partir do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Sobre a teoria natalista Semião (2000, p. 42) se manifesta:
“De acordo com a teoria natalista, o nascituro não tem vida independente, nem mesmo existência própria. O feto nada mais é do que parte das vísceras maternas, haja vista que na fase gravídica, a mãe e o filho nascituro chegam a manter um órgão comum a ambos, que é a placenta.”
Percebe-se que a forte corrente amparada pelo Código Civil de 1916 (BRASIL, 1916) defendia que a personalidade jurídica teria como termo inicial o nascimento com vida e, durante o período compreendido entre este e a concepção, o feto não era considerado pessoa.
1.5 Código Civil de 2002
A promulgação do Código Civil de 2002 trouxe grandes inovações em relação ao Código Civil de 1916, embora a redação de diversos artigos tenha sido mantida. O Direito de Família foi o ramo no qual se efetivaram as mais expressivas alterações durante a tramitação do projeto, de modo a adequá-lo aos ditames constitucionais.
Em se tratando da obrigação alimentar o Código Civil traz em seus arts. 1.694 a 1.710, o “estabelecendo o parentesco (“jus sanguinis”), o casamento e a união estável como fontes da obrigação alimentar”, conforme indica Venosa (2003, p. 373). Importante destacar que nem todos os parentes são chamados a prestar alimentos uns aos outros, limitando tal possibilidade às classes e graus elencados pelo ordenamento jurídico, sob a ótica de que o afastamento em parentesco faz diminuir o vínculo afetivo, o sentimento de solidariedade e a ligação moral que existe entre os parentes mais próximos.
A exemplo do Código Civil de 1916 (art. 4º), o Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002), em seu art. 2º, declara que a personalidade jurídica se inicia com o nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Para Almeida (2000, p. 158):
“Há direitos que não dependem do nascimento com vida, como o direito à vida, à integridade física, à saúde – direitos absolutos, erga omnes – e o direito a alimentos. Também não dependem do nascimento com vida a curatela e a representação, as quais, juntamente com o direito a alimentos, já eram reconhecidas ao nascituro desde a concepção, pelo instituto do bonorum possessio ventris nomine do Direito Romano.”
Montoro (2000, p. 494), afirma que “o nascituro é pessoa desde a concepção, embora não tenha qualquer capacidade de exercício e goze de uma relativa capacidade de direito.”
Já o jurista José Carlos Barbosa Moreira (2006, p. 146), aponta uma contradição aparente da lei:
“O que impede deixar assente é que a comparação entre as duas partes do art. 2° coloca o intérprete ante esta alternativa: ou aceita a possibilidade de se titular de direitos um ente desprovido de personalidade, ou imputa ao Código contradição insolúvel, violação escancarada de um dos primeiros princípios da razão especulativa.”
Isto posto, conclui Moreira (2006) supracitado em seu artigo que se faz desnecessária a interpretação da segunda parte do art. 2º do Código Civil, já que os outros artigos que tutelam a proteção dos direitos do nascituro manteriam a sua eficácia, fundamentado nos princípios previstos na Constituição de 1988, de proteção à vida e a dignidade da pessoa humana, fundamentos embasadores da pretensão alimentar.
2 NASCITURO
2.1 Conceito
O tema nascituro, embora pouco estudado por nosso ordenamento jurídico, é cercado de uma legislação específica, utilizando subsidiariamente a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Código Civil, o Código de Processo Civil (CPC), doutrinas e jurisprudências como fontes do direito.
De acordo com Silva (2008a, p. 944-945), o nascituro é “o ente que está gerado ou concebido, tem existência no ventre materno, está em vida intra-uterina, mas não nasceu ainda”.
Corroboram com esse pensamento Farias e Rosenvald (2008, p. 200). Vejamos:
“Etimologicamente, nascituro é a palavra derivada do latim naciturus, significando aquele que deverá nascer, que esta por nascer, nesse passo, o nascituro é aquele que já está concebido, mas ainda não nasceu, é aquele que ainda esta no corpo da genitora.”
Alguns juristas, no entanto, divergem sobre esse conceito, abrangendo o nascituro ao zigoto formado in vitro, mesmo que ainda não implantado. Porém, o requisito considerado para ser um nascituro é que o ovo fecundado deve estar no ventre materno. Essa posição é defendida por Pamplona Filho e Araújo (2007, p347) afirmando que o nascituro caracteriza como “ente já concebido (onde já ocorreu a fusão dos gametas, a junção do óvulo ao espermatozóide formando o zigoto ou embrião), nidado (implantado nas paredes do útero materno), porém não nascido.”
No presente trabalho vamos nos ater especificamente ao estudo da corrente concepcionista, promovendo um rápido estudo acerca das demais teorias, conforme discorreremos em item posterior.
2.2 O nascituro e a Constituição Federal
Segundo Bobbio (apud FERST, 2011, p. 57) “os direitos do homem são indubitavelmente, um fenômeno social”, nos faz pensar no Direito como uma ciência mutável, onde o homem vem ao longo dos tempos incorporando em seu patrimônio jurídico novos direitos.
Vejamos:
“É a valorização dos direitos, decorrentes do principio da dignidade da pessoa humana, que confere ao nascituro o direito a alimentos, pois a Constituição Federal dispõe, no art 227, que serão atendidos, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, entre outros. Corrobora-se à previsão Constitucional, o art 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que assegura a criança e ao adolescente o direito à proteção a vida, à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência” (FERST, 2011, p. 57-58).
Ferst (2011, p. 58) ainda acrescenta:
“Verifica-se, assim, que o sistema jurídico brasileiro protege a pessoa humana desde a sua concepção, assegurando-lhe ainda, uma proteção integral, pois nenhuma criança, a teor do art. 5º da ECA, e do 227 da CF, será objeto de qualquer forma de negligência, punindo na forma da lei, qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.”
Nesse diapasão, vale ainda destacar a consagração expressa na Constituição Federal sobre a dignidade da pessoa humana, que possui grande valor no ordenamento jurídico por ser um atributo inerente a todo ser dotado de razão. A dignidade não depende de qualquer circunstância, requisito, situação, comportamento, característica mental, física ou anímica.
Camargo (2007, p. 114-115) sustenta que:
“A idade, o sexo, a nacionalidade, a raça, a inteligência, a saúde mental, a educação, a bondade, entre outros aspectos, são irrelevantes para que uma pessoa tenha dignidade, pois esta não representa a superioridade de um indivíduo sobre o outro, mas do ser humano sobre todos os demais seres. [...] Desse modo, como decorrência de seu próprio conteúdo e significado, todas as pessoas naturais, concreta e individualmente consideradas, dos nascituros aos que já falecerem, são titulares do direito ao respeito, proteção e promoção da sua dignidade.”
O status de princípio fundamental preenchido pela dignidade demonstra o reconhecimento do valor do homem, resguardando desta forma os fatores capazes de assegurar a integridade física e psíquica para que se possa ter uma vida digna e saudável e com fundamento no ordenamento jurídico.
José Afonso da Silva (apud CHAVES, 2000, p. 50) preleciona:
“Não se considera a vida apenas no seu sentido biológico, de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica, mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão, por ser algo dinâmico, que evolui incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo que se instaura com a concepção, transformando-se e progredindo para manter sua identidade, até mudar de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte e tudo que interfere, em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante, contraria a vida.”
Desta forma, fica clara a importância da Constituição Federal no que se refere à vida, servindo assim, de guia para as normas que irão tutelar os direitos do nascituro de forma específica.
3. PERSONALIDADE JURÍDICA DO NASCITURO
Os direitos da personalidade, por não terem conteúdo econômico imediato e não se separarem da pessoa do seu titular, distinguem-se dos direitos da ordem patrimonial.
O Código Civil de 2002 (BRASIL 2002) dispõe em seu art. 2o, que a personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida, implicando em uma relação estreita de ter personalidade jurídica e ser sujeito de direitos e obrigações.
Nesse sentido Gagliano e Pamplona Filho (2002, p. 88-89) ensinam que:
“Personalidade jurídica, portanto, para a Teoria Geral do Direito Civil, é a aptidão genérica para titularizar direitos e contrair obrigações, ou, em outras palavras, é o atributo necessário para ser sujeito de direito. Adquirida a personalidade, o ente passa a atuar, na qualidade de sujeito de direito (pessoa natural ou jurídica), praticando atos e negócios jurídicos dos mais diferentes matizes. A pessoa natural, para o direito, é, portanto, o ser humano, enquanto sujeito/destinatário de diretos e obrigações.”
Na conceituação de Gonçalves (2005, p. 58) os direitos da personalidade “são inerentes à pessoa humana, estando a ela ligados de maneira perpétua. A sua existência tem sido proclamada pelo direito natural, destacando, dentre outros, o direito à vida, à liberdade, ao nome, ao próprio corpo, à imagem e à honra”.
Para Diniz (1999, p. 9) os direitos da personalidade são:
“Direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria cientifica, artística ou literária); e a sua integridade moral (honra, recato, segredo profissional e doméstico, identidade pessoal, familiar e social).”
Almeida (2000, p. 81) entendem que:
“A personalidade do nascituro não é condicional; apenas certos efeitos de certos direitos dependem do nascimento com vida, notadamente os direitos patrimoniais materiais, como a doação e a herança. Nesses casos, o nascimento com vida é elemento do negócio jurídico que diz respeito à sua eficácia total, aperfeiçoando-a.”
Esses conceitos estão ligados ao nascimento com vida. Assim, questiona-se a necessidade de interpretação do conceito da personalidade jurídica do nascituro para que se possa compatibilizar a sua proteção.
A questão não é pacífica na doutrina, existindo três teorias (teoria da personalidade condicional, teoria natalista e teoria concepcionista), divergentes acerca do termo inicial da personalidade jurídica do nascituro. A seguir cada uma delas será analisada.
3.3.1 Teorias do início da personalidade jurídica
3.3.1.1 Teoria da personalidade condicional
Aos adeptos da teoria da personalidade condicional, o nascituro adquiriria a personalidade jurídica desde a concepção, sendo, assim, considerado pessoa.
Nesse sentido, Lopes (1988, p. 254) ensina que:
“Antes do nascimento, portanto, o feto não possui personalidade. Não passa de uma spers hominis. É nessa qualidade que é tutelado pelo ordenamento jurídico pátrio, protegido pelo Código Penal e acautelado pela curadoria ao ventre [...] A aquisição de todos os direitos sugeridos médio tempore da concepção subordina-se à condição de que o feto venha a ter existência. Se tal acontece, dá-se a aquisição de diretos e, por outro lado, se não houver nascimento com vida, ou por ter ocorrido um aborto, ou por se tratar de um natimorto, não há uma perda ou transmissão de direitos, como deverá de suceder se o nascituro fora reconhecida uma personalidade ficta.”
A teoria da personalidade condicional atribui aptidão apenas para a titularidade de direitos da personalidade (direito à vida ou a uma gestação saudável), impondo uma condição suspensiva, uma vez que seus direitos patrimoniais só existam a partir do nascimento com vida.
Renomada autora, Maria Helena Diniz (2005, p. 477) afirma que:
“Na vida intra-uterina, tem o nascituro personalidade jurídica formal, no que atina aos direitos personalíssimos e aos da personalidade, passando a ter a personalidade jurídica material, alcançando os direitos patrimoniais, que permaneciam em estado potencial, somente com o nascimento com vida. Se nascer com vida, adquire personalidade jurídica material, mas se tal não ocorrer, nenhum direito patrimonial terá.”
Adeptos dessa teoria, por sua vez, asseveram que o nascituro teria direitos que estariam subordinados a uma condição suspensiva consistente no nascimento com vida.
3.3.1.2 Teoria natalista
A teoria natalista vincula a personalidade jurídica ao nascimento com vida, não considerando, assim, o nascituro como pessoa e sim um mero expectador de seus direitos. Nesse sentido, ensina Venosa (2005, p. 374) que essa expectativa “é a mera possibilidade ou simples esperança de se adquirir um direito”.
Nas palavras de Rodrigues (2003, p. 35):
“Nascituro é o ser já concebido, mas que ainda encontra-se no ventre materno. A lei não lhe concede personalidade, a qual só lhe será conferida se nascer com vida. Mas, como provavelmente nascerá com vida, o ordenamento jurídico desde logo preserva seus interesses futuros, tomando medidas para salvaguardar os direitos que, com muita probabilidade em breve serão seus”.
Portanto, para a teoria natalista a personalidade jurídica está vinculada ao nascimento com vida.
3.3.1.3 Teoria concepcionista
Já a teoria concepcionista sustenta que a personalidade jurídica se inicia com a concepção, ou seja, adquire a capacidade de direito, sendo assim, o nascituro considerado pessoa, e sujeito de seus direitos.
Nesse sentido, Almeida (apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008, p. 84), apresenta uma formulação mais precisa do problema:
“Juridicamente, entram em perplexidade total aqueles que tentam afirmar a impossibilidade de contribuir capacidade ao nascituro ‘por este não ser pessoa’. A legislação de todos os povos civilizados é a primeira a desmenti-lo. Não há nação que se preze (até a China) onde não se reconheça a necessidade de proteger os direitos do nascituro (Código chinês, art. 1°). Ora, quem diz direitos, afirma capacidade. Quem afirma capacidade, reconhece personalidade”. (ALMEIDA apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008, p. 84)
A problemática que surge sobre as três teorias analisadas é de saber a partir de que momento se reconhece o inicio da vida humana, consequentemente, o início da personalidade jurídica. No presente trabalho, iremos focar na teoria concepcionista, onde o fundamento está na proteção da personalidade desde a concepção do ser humano.
4 DIREITO DO NASCITURO A ALIMENTOS
O artigo 2º do Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002) adere a corrente natalista e estabelece a personalidade jurídica do homem ao nascimento com vida, não deixando dúvidas no que se refere ao direito e a legitimidade do nascituro para pleitear alimentos.
Neste contexto, muito bem define Cahali (2007, p. 29):
“Desde o momento da concepção, o ser humano – por sua estrutura e natureza – é um ser carente por excelência; ainda no colo materno, ou já fora dele, a sua incapacidade ingênita de produzir meios necessários à sua manutenção faz com que se lhe reconheça, por um princípio natural jamais questionado, o superior direito de ser nutrido pelos responsáveis por sua geração.”
Partindo desta posição que melhor se adapta a nossa realidade (teoria concepcionista) e justamente por existir um direito à personalidade, isto é, aos direitos do nascituro, há de se por a salvo certas necessidades para o bom desenvolvimento da pessoa intrauterina. Para tanto, deve-se conceder à mãe, todo um ambiente propício para o bom desenvolvimento do feto, como a assistência médica e o pré-natal, remédios necessários, dentre outras tantas coisas necessárias em uma gestação, com o qual não poderá furtar o pai da criança em formação.
Pontes de Miranda (apud RIZZARDO, 2011, p. 687) cita:
“A obrigação alimentar também pode começar antes do nascimento e depois da concepção (CC, arts. 397 e 4º), pois, antes de nascer, existem despesas que tecnicamente se destinam à proteção do concebido e o direito seria inferior à vida se acaso se recusasse atendimento a tais relações inter-uterinas, solidamente fundadas em exigências de pediatria.”
Nesse mesmo sentido, interpreta Alberton, 2001, p. 111 que: “sendo o direito à vida um direito constitucional fundamental reconhecido ao nascituro, [...] ao nascituro deve ser reconhecido o direito a alimentos a fim de assegurar o seu nascimento com vida”.
Pereira (2004, p. 130), se opondo aos doutrinadores que não admitem o direito do nascituro à alimentos, expõe o seu ponto de vista à luz da Constituição Federal:
“Com toda a vênia, espanta-me que ainda haja posições em contrário, sem dúvida baseadas em uma visão puramente tecnicista e lógico-formal do direito, que deixa de lado, além disto, a exegese sistemática construída a partir da Constituição Federal. Trata-se simplesmente do maior de todos os direitos, que é o direito à vida e à vida com dignidade! Bastaria uma leitura do art. 1°, inciso III, da Constituição Federal, que situa a dignidade da pessoa humana como um fundamento da República Federativa do Brasil. De que adianta pôr a salvo os direitos do nascituro desde a concepção, se ele vier a morrer por falta de alimentos?” (PEREIRA, 2004, p. 130)
Verifica-se, portanto, que os direitos do nascituro aos alimentos, estão resguardados em nossa constituição, uma vez que visam à dignidade da pessoa humana, proporcionando e garantindo ao alimentado condições de subsistência.
5. OS ALIMENTOS GRAVÍDICOS
A lei que regula os alimentos gravídicos é a Lei 11.804, de 05 de novembro de 2008. A referida Lei reconheceu, a favor da mulher gestante, o direito a alimentos em face do futuro pai, onde o fato gerador do direito subjetivo é a gravidez, visando à proteção dos direitos do nascituro, desde a concepção, uma vez que segundo o art. 2º do Código Civil, a personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida. Ao referir-se a tal assunto Ferst (2011, p. 55) afirma que “embora a lei civil indique que a personalidade civil da pessoa começa com o seu nascimento com vida, protege os direitos do nascituro desde a concepção, daí o questionamento sobre o direito a alimentos do nascituro”.
A Lei ainda confere à futura mãe a legitimidade ativa para a propositura da ação de alimentos e, o que irá proporcionar ao ente concebido um nascimento com dignidade.
Lima (2008) de forma sucinta, fala sobre os alimentos gravídicos:
“Com efeito, a grávida, no exercício do dever em face do nascituro e do direito perante o suposto pai, está autorizada a pleitear alimentos mediante ação judicial. E este abrangerá os valores necessários para cobrir despesas adicionais do período de gravidez, incluindo alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas, além de outras que venham a ser consideradas indispensáveis.”
Desta forma a Lei serve como uma garantia de assistência ao nascituro, suprindo todos os gastos adicionais decorrentes do tempo em que se desenvolve o embrião no útero materno, desde a concepção até o nascimento.
De início é interessante ressaltar o art. 2º da Lei 11.804/08:
“Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.
Parágrafo único. Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos.” (BRASIL, 2008)
Como podemos observar no § único do art. 2º da Lei 11804/08, ambos os genitores possuem responsabilidade recíproca de prover alimentos ao nascituro, dependendo da possibilidade econômica de ambos.
5.1 Titularidade
A Lei 11.804/08 confere em seu art. 1º à mulher gestante a titularidade para pleitear os alimentos gravídicos. A legitimidade passiva foi atribuída exclusivamente ao suposto pai, não se estendendo a outros parentes do nascituro. Diferente do que acontece quando se é pleiteado a pensão alimentícia, os alimentos são devidos à gestante (em benefício do nascituro) e não diretamente a criança, pelo simples convencimento do Juiz dos indícios da paternidade.
Vejamos: “Art. 6o: Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré”. (BRASIL, 2008)
Trata-se de presunção iuris tantum da paternidade, a qual tem validade até que se prove o contrário (PEREIRA, 2007).
A despeito disso, afirma Donoso (2009) “que inicialmente titularidade, e por conseqüência a legitimidade ativa, é da gestante, sendo que, após o nascimento com vida haveria a conversão da titularidade em pensão alimentícia para o menor”.
Essa conversão está expressa no art. 6º, parágrafo único da Lei, vejamos: “Parágrafo único. Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão.” (BRASIL, 2008)
Conclui-se que os alimentos gravídicos extinguem-se com o nascimento com vida e nos casos de aborto ou com a comprovação da negativa de paternidade.
5.2 Aspectos processuais
Donoso (2009) destaca em seu texto que os alimentos gravídicos são fixados desde a inicial, deferidos pela antecipação de tutela, fazendo-se necessária a demonstração de dois pressupostos legais: verossimilhança do direito, bem como o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação (art. 273, caput e I do CPC).
Se os requisitos necessários para a antecipação da tutela não forem comprovados, é facultativo ao Juiz designar audiência de justificação para analisar os indícios de paternidade (arts. 6º, 11 da Lei 11.804/08 c/c arts. 125 e 130 do CPC).
O foro competente para ajuizar a ação de alimentos gravídicos é a do domicílio do nascituro (CPC art 100, II) e o rito é o da Lei de Alimentos, não sendo necessário cumular com ação de alimentos, a favor do nascituro, pois com o nascimento, ocorre a transformação do encargo.
Vejamos:
“Como a obrigação perdura mesmo após o nascimento, oportunidade em que a verba fixada se transforma em alimentos a favor do filho, ocorre a mudança de sua natureza. A partir desse momento passa a ser atendido o critério da proporcionalidade, segundo as condições econômicas do genitor. Isto porque o encargo decorrente do poder familiar tem parâmetro diverso, pois deve garantir o direito do credor de desfrutar da mesma condição social do devedor (CC 1694). Deste modo nada impede que sejam estabelecidos valores diferenciados, vigorando um montante para o período de gravidez e valores outros, a títulos de alimentos ao filho, a partir do seu nascimento.” (DIAS, 2010, p. 530)
A Lei concede o prazo de 05 dias para apresentar a contestação (art. 7º da Lei Nº 11.804) (BRASIL, 2008). De qualquer modo, “nada impede que o juiz fixe outro prazo para a resposta, quer determine a citação do réu para contestar, quer designe a audiência, quando começa a fluir o prazo de resposta” (DIAS, 2010, p. 529)
Dias (2010) ainda alerta sobre a possibilidade de ocorrer o nascimento ou ser indeferido o pedido aos alimentos provisórios no decorrer da demanda. Neste caso, afirma a estimada doutrinadora que não ocorrerá a sua extinção, e a ação não perderá o seu objeto, apenas mudará a sua natureza. Neste caso, cabe ao juiz fixar os alimentos de acordo com o artigo 462 do CPC.
5.3 Ônus probatório
Garcia (2008) expõe que os alimentos ao nascituro tinham como fundamento a Lei 5.478/68 (Lei de Alimentos), sendo, entretanto, necessário existir prova cabal de parentesco entre as partes, o que dificultava a eficácia da medida, isto já não acontece com os alimentos gravídicos.
Na verdade, como bem lembra Dias (2008) através do exame de DNA, existe a possibilidade de verificar se o nascituro é filho do suposto pai. Contudo, este método não é pacificado no meio jurídico, porque a coleta do líquido amniótico pode trazer risco de morte para o nascituro. Destarte, como o bem maior a ser protegido é a vida do nascituro, os Juízes não autorizam à realização do exame de DNA, notadamente porque a lei é clara quando diz: “indícios de paternidade”.
Vejamos:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO - INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - ALIMENTOS GRAVÍDICOS - ART. 6º, LEI 11.804/08 - PRESENÇA DOS INDÍCIOS DE PATERNIDADE - AUSÊNCIA DE PROVAS ACERCA DA ALEGADA IMPOSSIBILIDADE FINANCEIRA - DESPROVIMENTO DO RECURSO.” (MINAS GERAIS, TJ. Agravo de Instrumento n. 1.0024.09.478064-0/001, Rel. Des. Roney Oliveira, 2009)
Verifica-se, portanto, que o ônus probatório é da mãe, conforme determina o inciso I, do art 333 do CPC. Sobre tal dispositivo processual, o Prof. Alan de Matos Jorge (2007) nos ensina que o ônus probandi é incumbido ao autor quanto ao fato constitutivo de seu direito, pois, quem alega, deve ter os elementos probatórios necessários para demonstrar os fatos que constituem o seu direito, não podendo nessa hipótese transferir o ônus probatório para o réu. Sendo a prova insuficiente, ou mesmo não existindo prova, o autor terá o seu pedido julgado improcedente, salvo em situações especiais.
Já o inciso II, do art. 333 do Código de Processo Civil, nos diz que incumbe ao réu o ônus da prova quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Nesse mesmo sentido o professor Alan de Matos Jorge (2010) ressalta que:
“No ônus há ideia de carga, e não a idéia de obrigação ou dever. É pacífico o entendimento de que o ônus da prova é uma conduta que se espera da parte incumbida de provar. Ao autor incumbe provar os fatos alegados na sua inicial, constitutivos de seu direito, e ao demandado cabe provar os fatos presentes em sua defesa.” (JORGE, 2010)
Ainda em consonância com os ensinamentos do Professor Alan de Matos Jorge (2010) o parágrafo único do mesmo artigo do CPC, indica as situações em que se faz jus a inversão do ônus da prova à parte contraria, para direito indisponível de determinada parte, ou quando é excessivamente difícil a uma parte provar seu direito.
Segundo Jorge (2010)
“No entanto, o parágrafo único do mesmo dispositivo prevê expressamente duas exceções existentes a esta convenção, são elas:
I – recair sobre direito indisponível da parte; e
II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.
Ora, se estamos tratando de direitos indisponíveis, estes não se encontram na esfera de negociação das partes, nem mesmo daquela que, em tese, detém tal direito.
Para estes direitos, ditos indisponíveis pela legislação, devem incidir, no campo do ônus probatório, todas as regras previstas nos incisos do art. 333, sem qualquer modificação dos moldes de distribuição dos ônus ali previstos.
Quando a distribuição do ônus da prova recair sobre direito disponível da parte, esta será livre, desde que tal distribuição não torne excessivamente difícil a uma parte o exercício de seu direito, sendo exatamente esta a segunda exceção prevista pelo legislador, exceção esta que nos ocuparemos nos parágrafos abaixo.
No caso da segunda exceção, o legislador também taxou de nula qualquer convenção das partes que distribua de maneira diversa o ônus da prova todas as vezes que esta distribuição tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.
Nesta hipótese, verificamos que o legislador interfere diretamente na distribuição do ônus probatório pelas partes naquelas situações onde tal ônus recaia sobre direito disponível de qualquer uma delas.No caso da primeira exceção, o legislador taxou de nula qualquer convenção das partes que distribua de maneira diversa o ônus da prova todas as vezes que este recair sobre direito indisponível da parte.” (JORGE, 2010)
No caso da ação de alimentos gravídicos, como nos indica Donoso (2009), para a concessão dos alimentos provisionais não se faz necessária a prova direta da paternidade, mas sim fatos subjacentes, conduzindo assim a uma “presunção de paternidade”, seja por meio de fotos, testemunhas, cartas, e-mails, entre tantas outras provas lícitas que puder trazer aos autos, para o convencimento do juiz.
5.4 Presunção de paternidade
Na legislação em comento (Lei 11.804/08), em seu art. 6º, nos diz que basta que a requerente, no caso a mãe, comprove os “indícios de paternidade”, para que o juiz possa fixar desde logo os alimentos gravídicos.
Freitas (2008) assinala sobre o assunto que:
“Informada na lei através de fotos, testemunhas, cartas, e-mails, entre tantas outras provas lícitas que puder trazer aos autos, lembrando que ao contrário do que pugnam alguns, o simples pedido da genitora, por maior necessidade que há nesta delicada condição, não goza de presunção de veracidade ou há uma inversão do ônus probatório ao pai, pois este teria que fazer (já que não possui o exame pericial como meio probatório) prova negativa, o que é impossível e refutado pela jurisprudência.”
A respeito de tal assunto Ferst (2011), aponta que recebida a petição inicial, e convencido dos indícios da paternidade, o juiz fixará liminarmente, os alimentos gravídicos.
“AGRAVO DE INSTRUMENTO - ALIMENTOS GRAVÍDICOS - FINALIDADE COBRIR DESPESAS ADICIONAIS RELACIONADAS À GRAVIDEZ - REDUÇÃO DO QUANTUM - OBRIGAÇÃO DE AMBOS OS GENITORES - RECURSO PROVIDO. - Os chamados alimentos gravídicos tem por finalidade "cobrir despesas adicionais do período de gravidez e que sejam delas decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes" (art. 2º da Lei n. 11.804/09). (MINAS GERAIS, TJ. Agravo de instrumento cível n° 1.0105.10.014405-1/001, Rel. Des. Silas Vieira, 2010)
“ALIMENTOS GRAVÍDICOS - DEVER DO FUTURO PAI - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA IMPOSSIBILIDADE - Lei 11.804/08. O agravado tem a obrigação de contribuir para que a agravante tenha uma gestação saudável, pelo menos com o mínimo de recursos para o desenvolvimento saudável do feto. Segundo a lei, os alimentos devem cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive aquelas relativas a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.” (MINAS GERAIS, TJ. Agravo De Instrumento N° 1.0024.09.540175-8/001, Rel. Des. Wander Marotta, 2009)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS GRAVÍDICOS. CABIMENTO. O agravante não nega o relacionamento amoroso mantido com a agravada, tampouco que tenha mantido relação sexual com ela à época da concepção. Alegação de dúvida sobre a paternidade não infirma o disposto no art. 2º do CC quanto à proteção aos direitos do nascituro. Precedentes. Recurso desprovido.” (SEGREDO DE JUSTIÇA) _ DECISÃO MONOCRÁTICA_ (RIO GRANDE DO SUL. TJ. Agravo de Instrumento Nº 70029200391, Rel. Juiz José Ataídes Siqueira Trindade, 2009)
Sendo os alimentos gravídicos concedidos liminarmente antes de se realizar o exame DNA, é necessário aguardar o nascimento para requerer a realização de tal exame. O suposto pai pode utilizar-se de outros meios para provar que é descabida a presunção de paternidade.
Freitas (2008) cita algumas provas que podem ser produzidas para se comprovar a negativa de paternidade, como por exemplo, um exame de infertilidade ou prova de que o suposto pai fez uma vasectomia.
Vale ressaltar que a Lei veio reconhecer e resguardar a proteção integral à criança, não podendo tais exames servirem de meio ardiloso do réu para dificultar a produção de prova.
5.5 Conversão, revisão e extinção dos alimentos gravídicos
Conforme estabelece o parágrafo único do artigo 6º da Lei 11.804/08 informa que: “Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão.” (BRASIL, 2008)
Dias (2008), reforça:
“Quando do nascimento, os alimentos mudam de natureza, se convertem em favor do filho, apesar do encargo decorrente do poder familiar ter parâmetro diverso, pois deve garantir ao credor o direito de desfrutar da mesma condição social do devedor. De qualquer forma, nada impede que o juiz estabeleça um valor para a gestante, até
o nascimento e atendendo ao critério da proporcionalidade, fixe alimentos para o filho, a partir do seu nascimento.”
Mendes (2010), ainda nesta mesma linha de considerações, acrescenta:
“A revisão dos alimentos gravídicos, que se torna inexistente após o nascimento com vida, esta descrito no artigo 7º da lei 11.804/2008: "O réu será citado para apresentar resposta em 5 (cinco) dias.", que se faz imprescindíveis pois são distintas as funções dos alimentos gravídicos e a pensão de alimento, inclusive seus valores”.
A despeito disso, Freitas (2008), diz que a revisão deverá ser feita conjuntamente com a investigação de paternidade, mas adverte que nada impede que tal revisão seja feita durante a gestação. Devido à morosidade processual, dificilmente se verá o fecho da demanda antes do nascimento do menor.
Com relação à extinção dos alimentos gravídicos, segundo Donoso (2009), essa se dará automaticamente em casos de aborto ou nos casos em que a criança nascer morta (natimorto).
6. DOS DANOS
Chamone (2008), afirma que dano pode ser considerado “toda lesão a um bem juridicamente protegido, causando prejuízo de ordem patrimonial ou extrapatrimonial”.
Brandão (2010) reforça:
“Caracterizado como um dos pressupostos da responsabilidade civil contratual ou extracontratual, pela impossibilidade de haver ação de indenização sem a existência de um prejuízo. A doutrina e a jurisprudência são enfáticas em estabelecer que só haverá responsabilidade civil se houver um dano a reparar. Não poderia ser diferente, já que a responsabilidade é a obrigação de ressarcimento.”
A autora supracitada ainda salienta que os arts. 186, 187 e 927 do Código Civil, que consagram “a regra de que todo aquele que causa dano a outrem é obrigado a repará-lo, chega-se à evidência de quatro elementos essenciais da responsabilidade civil: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade, e o dano experimentado pela vítima”.
Pode-se concluir que se não houver ocorrido o dano a alguém, não há que se falar em responsabilidade civil.
6.1 Dano moral, dano material e suas relações com os alimentos gravídicos
O Código Civil considera em seu art. 186, “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. (BRASIL, 2002)
Neste item, surgem duas questões polêmicas, uma vez que os alimentos gravídicos são concedidos apenas com a comprovação dos “indícios da paternidade”. Segundo Melo Filho (2009):
“A responsabilidade civil pelos danos materiais e morais na hipótese de improcedência da ação; 2) a repetição do indébito quando, não obstante a concessão da liminar de alimentos provisionais, a ação, ao final, acaba sendo julgada improcedente, ou, ainda, a despeito da procedência, o devedor posteriormente propõe uma ação de exoneração de alimentos e comprova, mediante exame de DNA ou outras provas, a ausência do vínculo de paternidade.”
De acordo com a Lei 11.804/08, o suposto pai que pagou indevidamente estaria desamparado não podendo haver nesses casos a reparação do dano, uma vez que o artigo 10, que previa a responsabilidade da gestante, fora vetado.
Ainda nessa mesma linha de considerações Freitas (2008) discorre:
“Na discussão do ressarcimento dos valores pagos e danos morais em favor do suposto pai, de regra, não cabe nenhuma das duas possibilidades, primeiro, por haver natureza alimentar no instituto, segundo por ter sido excluído o texto do projeto de lei que previa tais indenizações. Porém, se confirmada, posteriormente, a negativa da paternidade, não se afasta esta possibilidade em determinados casos. Além da má-fé (multa por litigância ímproba), pode a autora (gestante) ser também condenada por danos materiais e/ou morais se provado que ao invés de apenas exercitar regularmente seu direito, esta sabia que o suposto pai realmente não o era, mas se valeu do instituto para lograr um auxílio financeiro de terceiro inocente. Isto, sem dúvidas, se ocorrer, é abuso de direito (art. 187 do CC), que nada mais é, senão, o exercício irregular de um direito, que, por força do próprio artigo e do art. 927 do CC, equipara-se ao ato ilícito e torna-se fundamento para a responsabilidade civil.”
A despeito do referido assunto Mendes (2010) nos explana:
“O dano moral é mais que caracterizado, pois somente a potencialidade de ter um filho já gera uma desestabilidade pelo fato de ao nascer, notoriamente as obrigações e o vínculo com a prole é personalíssima, intransmissível, mudando completamente o planejamento de vida do homem.”
Mendes (2010) conclui que nesse caso, a falta de cuidado ao pleitear algo em juízo, é desrespeitar o direito de outrem. Portanto é cabido o dano material e moral nos casos de alimentos gravídicos, em que se comprova a negatória de paternidade, pois existiu toda uma expectativa que foi absolvida pelo lesado.
A doutrina diverge em relação à reparação civil do dano supostamente causado, quando verificado posteriormente ao nascimento da criança que o suposto pai não o era. Uma parte da doutrina defende que a mãe (autora) possui o dever de indenizar o suposto pai (réu). Outra corrente doutrinária acredita que, não tendo a autora litigado a ação com má-fé, não cabe a reparação de danos ao suposto pai, uma vez que devido a existência do princípio da irrepetibilidade, os alimentos não são passiveis de restituição.
7 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DA GENITORA
A concessão dos alimentos gravídicos é baseada apenas em indícios de paternidade (art. 6º da Lei 11.804/08) sendo que, somente após o parto e nascendo o nascituro com vida, poderá o pai indigitado refutar tais indícios através de exame de DNA. Após o exame, caso seja provado que o “pai” não é aquele que estava provendo os alimentos, poderá ele ajuizar ação de reparação por danos morais e materiais para tentar reparar além de todo constrangimento a expectativa de paternidade absorvida?
A respeito desse assunto, a Lei 11.804/08 deixou uma lacuna causada pelo veto do artigo 10. O referido artigo dizia que, em caso de negatória da paternidade, a autora responderia objetivamente pelos danos morais e materiais causados ao réu, e rezava em seu parágrafo único que a indenização seria liquidada nos próprios autos. Angeluci (2009) ainda enfatiza que a simples existência desse artigo feria o direito fundamental de acesso à justiça e do direito de ação, não podendo a autora ser responsabilizada objetivamente pelo exercício de uma garantia constitucional.
As razões do veto foram:
“Trata-se de norma intimidadora, pois cria hipótese de responsabilidade objetiva pelo simples fato de se ingressar em juízo e não obter êxito. O dispositivo pressupõe que o simples exercício do direito de ação pode causar dano a terceiros, impondo ao autor o dever de indenizar, independentemente da existência de culpa, medida que atenta contra o livre exercício do direito de ação”. (BRASIL, 2008)
Porém, como poderia ser solucionado o problema deixado pelo artigo 10 da Lei? A maioria das correntes doutrinárias e dos julgados recentes direcionam que, mesmo com o veto do artigo 10 da referida Lei (que tratava da responsabilidade objetiva da autora) a responsabilidade subjetiva pode ser aplicada, pois tendo a caracterização da culpa, a responsabilidade existe.
Vejamos o que Pimenta (2009) enfatiza:
“Não ficará desamparado aquele que for demandado em uma ação de alimentos gravídicos, no caso de não ser ele o pai, estando amparado pelo direito à reparação de danos morais e materiais com embasamento na regra geral da responsabilidade civil.”
Nessa mesma linha de raciocínio, Silva (2008b) diz:
“Permanece a aplicabilidade da regra geral da responsabilidade subjetiva, constante do artigo 186 do Código Civil, pela qual a autora pode responder pela indenização cabível desde que verificada a sua culpa, ou seja, desde que verificado que agiu com dolo (vontade deliberada de causar o prejuízo) ou culpa em sentido estrito (negligência ou imprudência) ao promover a ação. Note-se que essa regra geral da responsabilidade civil está acima do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, daquele princípio pelo qual se a pensão for paga indevidamente não cabe exigir a sua devolução”. (SILVA, 2008b)
Flavio Monteiro de Barros (2009), por sua vez, corrobora com a autora supra, porém faz uma ressalva quanto ao cabimento da responsabilidade subjetiva da autora.
“A invocação do art. 186 do Código Civil tornaria indenizável praticamente todas as hipóteses de improcedência da ação, pois evidentemente age, no mínimo com culpa, a mulher que atribui prole a quem não é o verdadeiro pai. A responsabilidade civil por imputação de falsidade em processo judicial não pode escorar-se apenas na culpa, sob pena de violação do princípio do acesso à justiça. Temerárias com esta conseqüência as pessoas certamente não se animariam à propositura de ações judiciais. A meu ver, somente diante de prova inconcussa e irrefragável da má-fé e do dolo seria cabível ação de indenização pelas danos materiais e morais, não bastando assim a simples culpa. Se, não obstante a improcedência da ação, a autora tinha motivos para desconfiar que o réu fosse o pai do nascituro, à medida que manteve relações sexuais com ele no período da concepção, não há falar-se em indenização.”
Observa-se que, independente do veto, a autora permanece com o dever de indenizar o réu, pela invocação dos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil de 2002. Tais artigos prevêem a aplicabilidade da regra geral da responsabilidade subjetiva, eliminando a responsabilidade objetiva que feria o direito constitucional do livre exercício do direito de ação e impunha o dever de indenizar independente da apuração de culpa.
Ao referir-se a tal assunto Brandão (2010) diz que:
“A responsabilidade civil vem sendo assunto incessante de debates jurídicos. Dentre os vários aspectos discutidos está a imprecisão doutrinária a respeito dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, o que torna difícil a caracterização daqueles necessários à sua configuração. O fato danoso, o prejuízo, o liame entre eles, a culpa, a imputabilidade, entre outros, estão entre alguns dos pressupostos da responsabilidade civil encontrados na doutrina.”
Freitas (2008), nesse mesmo sentido afirma:
“Na discussão do ressarcimento dos valores pagos e danos morais em favor do suposto pai, de regra, não cabe nenhuma das duas possibilidades, primeiro, por haver natureza alimentar no instituto, segundo por ter sido excluído o texto do projeto de lei que previa tais indenizações. Porém, se confirmada, posteriormente, a negativa da paternidade, não se afasta esta possibilidade em determinados casos. Além da má-fé (multa por litigância ímproba), pode a autora (gestante) ser também condenada por danos materiais e/ou morais se provado que ao invés de apenas exercitar regularmente seu direito, esta sabia que o suposto pai realmente não o era, mas se valeu do instituto para lograr um auxílio financeiro de terceiro inocente. Isto, sem dúvidas, se ocorrer, é abuso de direito (art. 187 do CC), que nada mais é, senão, o exercício irregular de um direito, que, por força do próprio artigo e do art. 927 do CC, equipara-se ao ato ilícito e torna-se fundamento para a responsabilidade civil.”
Importante salientar que essa regra geral da responsabilidade civil está acima do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, também denominado de princípio da não-devolução dos alimentos. Por outro lado pode-se dizer que, se confirmada posteriormente a negativa da paternidade através do exame de DNA, não se afasta em determinados casos a possibilidade de ressarcimento dos valores pagos e danos morais em favor do suposto pai.
No tocante ao dano material o suposto pai pode pleitear a restituição àquele que realmente os deve. Vejamos o que diz Cahali (2007, p. 107):
“Para Arnoldo Wald, admite-se a restituição dos alimentos quando quem os prestou não os devia, mas somente quando se fizer a prova de que cabia a terceiro a obrigação alimenta, pois o alimentado utilizando-se dos alimentos não teve nenhum enriquecimento ilícito. A norma adotada pelo nosso direito é destarte a seguinte: quem forneceu os alimentos pensando erradamente que os devia, pode exigir a restituição do valor dos mesmos do terceiro que realmente devia fornecê-los”.
Tal pensamento encontra respaldo em julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo:
“ALIMENTOS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. INDUÇÃO EM ERRO. Inexistência de filiação declarada em sentença. Enriquecimento sem causa do menor inocorrente. Pretensão que deve ser deduzida contra a mãe ou contra o pai biológico, responsáveis pela manutenção do alimentário. Restituição por este não é devida. Aquele que fornece alimentos pensando erradamente que os devia pode exigir a restituição do seu valor do terceiro que realmente devia fornecê-los.” (SÃO PAULO, TJ, Apelação 138.499-1, Rel.: Des. Jorge Almeida)
Pode-se concluir que, caso seja demandado ação de alimentos gravídicos contra o suposto pai de forma equivocada, esse não ficará desamparado pela lei, apesar da irrepetibilidade dos alimentos. Aplica-se neste caso, a regra geral da responsabilidade civil como prevê o art. 186 do Código Civil de 2002 podendo o pai indigitado cobrar do verdadeiro pai os valores pagos à genitora no período gestacional.
Wald (apud CAHALI, 2007, p. 107), enfatiza tal pensamento:
“Admite-se a restituição dos alimentos quando quem os prestou não os devia, mas somente quando se fizer a prova de que cabia a terceiro a obrigação alimenta, pois o alimentado utilizando-se dos alimentos não teve nenhum enriquecimento ilícito. A norma adotada pelo nosso direito é destarte a seguinte: quem forneceu os alimentos pensando erradamente que os devia, pode exigir a restituição do valor dos mesmos do terceiro que realmente devia fornecê-los.” (WALD apud CAHALI, 2007, p. 107).
Portanto, não fica desamparado o suposto pai numa ação de alimentos gravídicos caso se apure não ser o pai, sendo a ele assegurado o direito à reparação de danos morais e materiais com fundamento na regra geral da responsabilidade civil. (SILVA, 2008b).
8 CONCLUSÃO
A presente monografia não teve por escopo esgotar a questão da responsabilidade civil da genitora em caso de negatória de paternidade, mas sim demonstrar a sua possibilidade.
Versando sobre o conteúdo dos alimentos gravídicos, especialmente no tocante à sua atual importância para a sociedade brasileira, o presente trabalho demonstrou que o nascituro passou a ter o direito a alimentos após o advento da Lei 11.804/08. Alimentos esses que vão atender às suas necessidades vitais, embasados pelas normas de direito constitucional de direito à vida e da dignidade da pessoa humana, mesmo antes de nascer e de ter a paternidade reconhecida através de exame de DNA.
A possibilidade de se reivindicar os alimentos ficou clara uma vez que, tal direito assegura ao nascituro uma boa evolução gestacional. Esse item da Lei de alimentos gravídicos é um ponto pacífico na doutrina e jurisprudência, porém essa lei deixou uma lacuna em seu art. 10 que acabou sendo vetado.
O art. 10 da Lei 11.804/08, objeto dessa pesquisa, tratava da responsabilidade objetiva da genitora impondo-a o dever de indenizar independente da apuração da culpa, em caso de negativa de paternidade. O artigo foi vetado por se tratar de norma intimidadora atentando sobre o livre exercício do direito de ação. Com o veto surge a seguinte dúvida: o pai indigitado poderá pleitear a reparação dos danos morais e matérias em caso de negatória de paternidade?
A regra geral nos diz que os alimentos são irrepetíveis e, sendo a pensão paga indevidamente, não cabe exigir da mãe a sua devolução. Porém, outra parte da doutrina defende a invocação do art. 186 do Código Civil de 2002 no que tange ao dano moral, que prevê a responsabilidade subjetiva da autora, uma vez provado que, ao invés de apenas exercer o seu direito, a mesma se valeu da lei para pleitear os alimentos, agindo de má-fé. Essa corrente é a mais forte, uma vez que, o ato ilícito se configura no abuso e no exercício irregular do direito (art. 187 e 927 CC/02), fundamento mais que suficiente para a responsabilização civil da genitora.
Em relação ao dano material, ocorrendo algum equívoco em relação ao pai indigitado, esse, não fica em total desamparo, apesar da irrepetibilidade de alimentos, podendo cobrar do verdadeiro pai os valores pagos a mãe durante o período gestacional.
Conclui-se que confirmada a conduta dolosa da gestante e consequentemente a violação da finalidade da Lei de alimentos gravídicos, fica evidente o dever de indenizar os prejuízos causados ao suposto pai.
Referências
ALBERTON, Alexandre Marlon da Silva. O direito do nascituro a alimentos. 1.ed. Rio de Janeiro: Aide, 2001.
ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000.
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