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Por:   •  22/3/2014  •  5.681 Palavras (23 Páginas)  •  693 Visualizações

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SAÚDE COLETIVA: UMA HISTÓRIA RECENTE DE UM PASSADO REMOTO

Everardo Duarte Nunes

A REFLEXÃO SOBRE A SAÚDE COLETIVA como um campo de conhecimentos e práticas tem estado presente em muitos trabalhos ao longo dos anos que medeiam a sua institucionalização no final dos anos 1970 e sua trajetória até os dias atuais. Não faremos uma revisão detalhada desses estudos, mas muitos deles permearão esta apresentação, que pretende não somente resgatar a história, como, também, trabalhar conceitualmente as principais dimensões que configuram este campo.

Como sabemos, a compreensão conceitual somente se estabelece à medida que se verifica a sua construção como uma realidade históri¬co-social.

À história recente da Saúde Coletiva subjaz um passado que ultra¬passa as fronteiras nacionais e que necessita ser explicitado a fim de se compreender o projeto nacional que redundou na criação da Saúde Coletiva, tendo como cenário geral as mudanças trazidas com a instala¬ção de uma sociedade capitalista.

Assim, faremos uma incursão às origens da medicina social/saúde pública; traçaremos um panorama da Saúde Coletiva no Brasil, com¬pletando com a sua conceituação.

ANTECEDENTES

Foucault (1979, p. 80) registra, em seu trabalho sobre as origens da medicina social, a sua procedência vinculada à polícia médica, na Alemanha, à medicina urbana, na França e à medicina da força de tra¬balho na Inglaterra. Essas três formas ilustram a tese defendida pelo autor de que "com o capitalismo não se deu a passagem de uma medi¬cina coletiva para uma medicina privada, mas justamente o contrário; que o capitalismo, desenvolvendo-se em fins do século XVIII e início do século XIX, socializou um primeiro objeto que foi o corpo enquan¬to força de produção, força de trabalho".

Para Foucault, o investimento do capitalismo foi no biológico, no somático, no corporal, mas o corpo que trabalha, do operário, somen¬te seria levantado como problema na segunda metade do século XIX. Justamente a partir dos anos 40 do século XIX é que se criam as condi¬ções para a emergência da medicina social. Às vésperas de um movi¬mento revolucionário que se estenderia por toda a Europa, muitos médicos, filósofos e pensadores assumiram o caráter social da medici¬na e da doença. "A ciência médica é intrínseca e essencialmente uma ciência social e, até que isto não seja reconhecido na prática, não sere-mos capazes de desfrutar seus benefícios e teremos que nos contentar com um vazio e uma mistificação", ou "se a medicina existe realmente para realizar suas grandes tarefas, deve intervir na vida política e social; deve apontar para os obstáculos que impedem o funcionamento nor¬mal do processo vital e efetuar o seu afastamento ". São as idéias de Neumann e Virchow, voltadas para as reformas de saúde (Rosen, 1963, pp. 35, 36).

Essa foi uma época propícia para o levantamento de muitas ques¬tões, como o fim da política da tradição, das monarquias, a regra da sucessão das dinastias como direito divino e para situar inúmeros pro¬blemas, como o das precárias condições da classe operária, conforme escrito por Engels (1975), em brilhante trabalho.

Data desse momento a fixação de alguns princípios básicos que se tornariam parte integrante do discurso sanitarista: 1) a saúde das pes¬soas como um assunto de interesse societário e a obrigação da socieda¬de de proteger e assegurar a saúde de seus membros; 2) que as condi¬ções sociais e econômicas têm um impacto crucial sobre a saúde e doença e estas devem ser estudadas cientificamente; 3) que as medidas a serem tomadas para a proteção da saúde são tanto sociais como médicas.

Sem dúvida, este ideário centralizado na corporação médica, como pregava Guérin, ou marcado pelas relações entre o homem e suas con¬dições de vida, como dizia Virchow, impulsionaram a formulação da medicina social da metade do século XIX. Tanto assim que Guérin, afir¬mava em 1848: "Tínhamos tido já ocasião de indicar as numerosas rela¬ções que existem entre a medicina e os assuntos públicos [ ... ]. Apesar destas abordagens parciais e não coordenadas que tínhamos tentado incluir sob rubricas tais como polícia médica, saúde pública, e medici¬na legal, com o tempo estas partes separadas vieram a se juntar em um todo organizado e atingir seu mais alto potencial sob a designação de medicina social, que melhor expressa seus propósitos...” (Guérin, 1848, p. 183). Dentre as principais idéias desse médico e reformador social, destacam-se as que viam a prática médica corno um todo, tanto assim que a medicina social irá englobar desde a fisiologia social até a terapia social, passando pela patologia social e higiene social.

Todas essas vozes que na Europa defendiam a saúde como ques¬tão política e social viram-se sufocadas com a derrota das Revoluções de 1848. Bloom (2002, p. 15) comenta sobre essa situação, afirmando que a ideologia do movimento da reforma médica e "Sua ampla con¬cepção da reforma da saúde como ciência social foi transformada em um programa mais limitado de reforma sanitária e a importância dos fatores sociais em saúde rolou ladeira abaixo enquanto a ênfase biomé¬dica esmagadoramente ganhou domínio a partir da revolução científica causada pelas descobertas bacteriológicas de Robert Koch". O renasci¬mento da medicina social, especialmente na Alemanha, iria ocorrer so¬mente no início do século XX, assim como aconteceu em outros países.

Muitas análises sociais, demográficas e políticas percorreram a his¬tória da saúde pública e percebe-se que, desde as suas origens, ela este¬ve estreitamente vinculada às políticas de saúde que se desenvolveram tanto nos países europeus, como nas Américas, e trouxeram em seus conteúdos as especificidades de cada contexto histórico e suas circuns¬tâncias.

As primeiras análises mais gerais tratando da medicina social na América Latina datam dos anos 1980 e 1990 (Nunes, 1985, 1986; Fran¬co, Nunes, Breilh & Laurell, 1991), com forte ênfase nas possibilida¬des trazidas pelas ciências sociais na compreensão do processo saúde¬doença; assim como das relações com o campo da epidemiologia, da organização social da saúde e das relações saúde e trabalho. Mais recen¬temente, Waitzkin, lriart Estrada & Lamadrid

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