Estatuto Da Criança Em Contexto De Conflito Armado
Trabalho Universitário: Estatuto Da Criança Em Contexto De Conflito Armado. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: APPL1964 • 10/5/2014 • 9.555 Palavras (39 Páginas) • 359 Visualizações
ESTATUTO DA CRIANÇA EM CONTEXTO DE CONFLITO ARMADO1
RESUMO:
ANA PAULA PINTO LOURENÇO
Professora da Universidade Autónoma de Lisboa Professora do Instituto Manuel Teixeira Gomes Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Doutoranda
ESTATUTO DA CRIANÇA EM CONTEXTO DE CONFLITO ARMADO
A criança2, mercê do facto de se encontrar num estádio em que ainda se desenvolve a sua personalidade, encontra-se mais sensível às influências do meio exterior e mais permeável às pressões que dele possam advir. Por essa razão, carece de uma educação e formação especiais que lhe ensinem os valores de convivência social, da paz, do respeito por regras comunitárias e intersubjectivas e, porque é incapaz de, por si, suprir as suas necessidades de alimentação e de defesa, mostra-se mais dependente dos adultos e carece de maiores de cuidados.
Em 1990 entrou em vigor, na ordem jurídica internacional, a CDC. Trata-se de um instrumento jurídico de DIDH que lhe é inteiramente dedicado e que pretende tornar universal o reconhecimento das necessidades especiais das pessoas até aos 18 anos, estabelece determinados princípios que devem reger toda e qualquer intervenção relativas às crianças e impõe aos Estados o empenhamento na defesa desses direitos.
A atenção de que necessita a criança terá de ser redobrada nos conflitos armados onde aos cuidados exigidos pela fragilidade natural da sua condição se juntam os cuidados suplementares exigidos pela exposição a um ambiente violento, hostil, destruidor das regras de salutar convivência social, que são substituídas por outras inerentes ao pré-conflito, ao conflito e ao pós-conflito.
Neste texto pretende avaliar-se em que medida os princípios da CDC encontram eco nos instrumentos internacionais de DIDH e, mais especificamente, de DIH, quando se trate de crianças que se encontrem envolvidas nos conflitos armados como participantes, isto é, como «crianças-soldado». Trata-se, em suma, de verificar, nesta dicotomia, se a comunidade internacional faz prevalecer a sua qualidade de criança, ou de soldado.
PALAVRAS-CHAVE: estatuto da criança-soldado; Incorporação/recrutamento/alistamento; participação directa e indirecta nas hostilidades;
1 Artigo publicado em: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LXXXIV. Coimbra: (2008). p. 789-822; Revista do Ministério Público Militar, ano XXXVII, n.o 22 (Novembro 2011). Brasília: 2011. p. 43-81.
2 Utilizar-se-á a designação de «criança» para referir todo o ser humano, desde o nascimento até aos 18 anos, tal como vem descrita no art. 1,o da Convenção sobre os Direitos da Criança, embora fosse preferível que, à semelhança da legislação portuguesa, houvesse uma distinção entre criança e jovem, por não ser possível assimilar, a uma categoria uniforme, os vários estádios de desenvolvimento por que passa o ser humano entre os zero e os 18 anos de idade. .
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ABREVIATURAS
BFDC – Boletim Da Faculdade de Direito de Coimbra CDC – Convenção sobre os Direitos da Criança CEDH – Convenção Europeia dos Direitos do Homem CIRC – Comité Internacional da Cruz Vermelha
CG I – I Convenção de Genebra
CG II – II Convenção de Genebra
CG III – III Convenção de Genebra
CG IV – IV Convenção de Genebra
DIDH – Direito Internacional dos Direitos Humanos
DIH – Direito Internacional Humanitário
DUDH – Declaração Universal dos Direitos do Homem
EP – Estados Partes
OIT – Organização Internacional do Trabalho
ONU – Organização das Nações Unidas
PA I – Protocolo Adicional à I Convenção de Genebra
PA II – Protocolo Adicional à II Convenção de Genebra
PA III – Protocolo Adicional à III Convenção de Genebra
PA IV - Protocolo Adicional à IV Convenção de Genebra
PF CDC – Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança PIDCP – Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos
RMP – Revista do Ministério Público
TPI – Tribunal Penal Internacional
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PARTE I
I. EM BUSCA DE UM ENQUADRAMENTO LEGAL: O ESTATUTO DA CRINAÇA -SOLDADO
Se se olhar para a História, verifica-se, sem grandes dificuldades, que a criança3 foi até recentemente olhada como um adulto em miniatura, embora despojado dos direitos dos adultos, porque objecto da patria potestas4 praticamente absoluta.
Pode afirmar-se, sem exageros, que o aparecimento da categoria «criança», enquanto titular de direitos próprios, é uma conceptualização recente. De facto, apenas no início do séc. XX os Estados cuidaram de produzir legislação específica para «os menores», sendo Portugal pioneiro, logo em 1911 5 . Segundo alguns autores, o fenómeno que subjaz a esta «invenção» da criança terá sido o advento do capitalismo, que possibilitou as condições sociais e económicas para o desenvolvimento do sentimento de ternura pela criança6 e a preocupação com as condições de desumanidade vividas por estas no meio laboral. Foi, de resto, no seio da OIT, criada em 1919
3 Segundo a definição do art. 1.o da CDC, «criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo». É esta a terminologia que se utilizará, por questões práticas, não obstante a discordância com os moldes excessivamente abrangentes em que é definida aquela categoria.
4 Poder Paternal, na nomenclatura clássica, hoje erradicada do Código Civil, porquanto, se esta terminologia era consentânea com o conteúdo daquele poder funcional até meados do séc. passado, certo é que, hoje, se encontra desfasada da realidade legislativa da maioria dos Estados, incluindo Portugal. Não obstante, a nova terminologia adoptada - «responsabilidades parentais» - , continua a não ser integralmente satisfatória, por enfatizar apenas a obrigação de cuidados e protecção
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