O Compromisso Fordista
Por: Veroh Silveira • 19/11/2019 • Resenha • 22.378 Palavras (90 Páginas) • 162 Visualizações
3.
Sobre o elemento obsolescência da alienação flexível: as transformações do proletariado
3.1
O compromisso fordista
Segundo Ricardo Antunes, em Os Sentidos do Trabalho, nas últimas décadas a sociedade contemporânea vem experimentando mudanças profundas, entre elas uma reestruturação produtiva, caracterizada, por sua vez, pela acumulação flexível, o que tem gerado profundas transformações no interior do mundo do trabalho. São elas: o desemprego estrutural, o enorme contingente de trabalhadores em condições precarizadas, lançados no mundo da informalidade (desprovidos de qualquer direito e estabilidade) e a degradação geometricamente crescente da relação entre homem e natureza. Porém, para entender estas conseqüências, é necessário antes abordar brevemente a crise da forma anterior de acumulação, conhecida como fordista, no intuito de compreender a passagem e a diferença de uma acumulação, por assim dizer, “rígida” para uma forma de acumulação flexível de trabalho.
Alain Bihr, no seu livro Da Grande Noite à Alternativa, observa que o conceito de fordismo surge dos trabalhos de economistas franceses realizados na segunda metade da década de 70. Tais trabalhos tinham como objetivo analisar a maneira pela qual se estruturava o capitalismo no período pós-guerra, sobretudo para compreender como foi possível um período de três décadas de crescimento econômico quase sem interrupções. O conceito nasce, então, fortemente comprometido com o economicismo, tendo em vista que em suas análises se privilegia as transformações econômicas em detrimento das transformações sociais, institucionais e ideológicas presentes no capitalismo pós-guerra, principalmente em virtude de um quase desconhecimento da luta de classes, o que, em grande medida,
explica a crise final do fordismo e a sua substituição pelo toyotismo (conforme será visto adiante)74.
O fordismo, então, teve como principal característica o compromisso entre a burguesia e o proletariado que resultou da crise estrutural dos anos 30 e 40. Contudo, este compromisso não surgiu do acordo entre vontades livres, afirma Alain Bihr, pois foi imposto pela própria lógica do desenvolvimento do capital às duas partes nele envolvidas. Este compromisso, também, não foi produzido conscientemente pelas duas classes, mas produzido, muitas vezes cegamente, depois de árduas e incertas lutas, não sendo, por conseguinte, fruto de negociações, barganhas e discussões entre a burguesia e o proletariado; estas, ao contrário, só vieram depois do referido compromisso e justamente para preencher as suas lacunas.
O compromisso fordista também não resultou diretamente do acordo entre os membros de suas classes, mas do intermédio de instituições e organizações, ou seja, de organizações sindicais e políticas do operariado e organizações do patronato, com o Estado entre elas como juiz e, ao mesmo tempo, como parte interessada em defender os interesses do capital para arbitrar o conflito. Como conseqüência desta configuração de força, tem-se uma alternância no poder estatal entre coalizões predominantemente social-democratas e coalizões de partidos burgueses.
Como última característica, o compromisso fordista significou uma espécie de imensa barganha tanto para o proletariado quanto para a burguesia, pois enquanto o proletariado teve que “abrir mão” de sua “aventura” revolucionária, a burguesia teve de lhe fornecer a garantia de sua “seguridade social”. Cabe observar, neste momento, que as análises de Alain Bihr se restringem aos países capitalistas avançados. Mas, com isso, não se quer dizer que não houve garantias para o operariado nos países periféricos, sobretudo naqueles que conheceram, a partir da década de 60, uma industrialização. O que se pretende, então, afirmar é que estas garantias ocorreram
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74 Sobre o fordismo Ricardo Antunes escreve: “fundamentalmente como a forma pela qual a indústria e o processo de trabalho consolidaram-se ao longo deste século, cujos elementos constitutivos básicos eram dados pela produção em massa, através da linha de montagem e de produtos mais homogêneos; através do controle dos tempos e dos movimentos pelo cronômetro taylorista e da produção em série fordista; pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação das funções; pela separação entre elaboração e execução no processo de trabalho; pela existência de unidades fabris concentradas e verticalizadas e pela constituição/consolidação do operário-massa, do trabalhador coletivo fabril, entre outras dimensões”. ANTUNES, R., Adeus ao Trabalho?, p. 25
num âmbito econômico muito mais restrito do que os dos países centrais, ainda que tenham sido obtidas por meio de muita luta, principalmente no final da década de 70 e durante quase toda a década de 8075. Contudo, esta restrição econômica ditou os limites destas garantias, tornando-as muito menos abrangentes e, pecuniariamente, vantajosas, ainda que suficientes para uma certa acomodação da classe operária destes países. Mas o que significa renunciar à aventura histórica, Alain Bihr responde:
É renunciar à luta revolucionária, à luta pela transformação comunista da sociedade; renunciar à contestação à legitimidade do poder da classe dominante sobre a sociedade, especialmente sua apropriação dos meios sociais de produção e as finalidades assim impostas às forças produtivas. É, ao mesmo tempo, aceitar as novas formas capitalistas de dominação que vão se desenvolver no pós-guerra, ou seja, o conjunto das transformações das condições de trabalho e, em sentido mais amplo, de existência que o desenvolvimento do capitalismo vai impor ao proletariado nesse período76.
Mas foi precisamente essa renúncia que propiciou ao proletariado, de maneira geral, a sua seguridade social, isto é, a satisfação de alguns de seus interesses mais imediatos, a saber: uma relativa estabilidade no emprego, uma melhora no seu nível de vida, uma redução do seu tempo de trabalho e, por fim, uma relativa satisfação de um certo número de suas necessidades fundamentais como, por exemplo, habitação, saúde, educação, formação profissional, cultura, lazer etc. Some-se a isso o acesso a direitos políticos e sociais garantidos pelo Estado, abrindo, assim, um acesso ao proletariado a uma vida aceitável e suportável, ainda que não agradável.
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