O Fluxogramas e questões científicas.
Por: PunkGamer Br • 23/10/2017 • Artigo • 3.987 Palavras (16 Páginas) • 218 Visualizações
Capítulo 2:
Fluxogramas e questões científicas.
Ciência é uma arte, e arte diz respeito à comunicação. Um pintor vê uma paisagem e determina o que ele quer retratar (p. ex. harmonia, quietude, grandiosidade) e representa esta qualidade essencial em duas dimensões, usando cor, textura e forma. Dependendo da escola a que o artista pertença, ele pode querer transmitir algo a respeito da paisagem ou de si mesmo, ou ambos. Um cientista faz quase a mesma coisa. O ecólogo, olhando para a paisagem, pode pensar em reduzi-la a uma qualidade essencial (p. ex. competição, mutualismo, restrições físicas, metabolismo) e representa esta qualidade em duas dimensões, usando palavras, gráficos e fórmulas matemáticas. Muitas vezes o cientista acredita que sua representação da realidade é "objetiva" e a única que uma pessoa racional poderia fazer. Contudo, cedo ou tarde ele aprende, através de sua experiência pessoal ou pelo estudo da história da ciência, que sua representação é apenas parcial e que está distorcida pelos filtros de sua cultura e de sua época. Assim, ele considera alternativas e tenta calcular a probabilidade de estar errado. Este processo é formalizado na matemática da estatística inferencial. Em ciência, espera-se que o autor esteja comunicando mais sobre a paisagem do que a respeito de si mesmo. A principal contribuição do líder de um grupo integrado de pesquisa é a elaboração de um diagrama bi-dimensional do sistema que está sendo investigado. Vamos chamar este desenho de "fluxograma". Contudo, um engenheiro chamaria isto de "análise de sistemas", enquanto um psicólogo falaria em "modelos causais". Ecólogos freqüentemente fazem "análises de caminhos" (Path Analyses). Os detalhes desses métodos não importam no momento. O importante é entender que diferentes pessoas enfrentando problemas complexos fazem uso de técnicas similares e essas técnicas não são propriedades de uma ou outra disciplina. É preciso arte para fazer fluxogramas e algumas regras básicas, mas apenas a prática leva à competência. Nós descobrimos que dos modelos complicados, os fluxogramas são os mais fáceis de serem entendidos pelos estudantes e, portanto, é um bom lugar para se começar a tratar da complexidade da natureza. Alguns estudantes mais avançados e professores de cursos de bioestatística podem querer procurar em Higashi e Burns (1991) outras maneiras de conectar elementos dos ecossistemas. Comece por decidir o que você está estudando. Isto precisa ser alguma coisa mensurável. Conceitos complexos como "qualidade ambiental", "estado de conservação" e "justiça social" não têm dimensões, ou pelo menos não têm dimensões que podem ser reconhecidas pela maioria das pessoas e por isso não serão úteis. O que é que realmente se deseja medir? Qualidade ambiental poderia significar condições que propiciem longas expectativas de vida para seres humanos, condições que propiciem a seres humanos uma ampla variedade de atividades ao ar livre, condições que permitam a perpetuação de comunidades de animais ou plantas que existiam no local quando as populações humanas eram pequenas, ou qualquer outra de uma multidão de condições que qualquer pessoa considere indicativa de "qualidade". É preferível envolver toda a equipe no processo de decisão sobre quais são as questões do estudo, mesmo quando aparentemente as questões tenham sido determinadas pela agência financiadora. Esta parte do estudo é usualmente a mais difícil e, por essa razão, é evitada na maioria das propostas. Não há questões implícitas ou óbvias em um projeto de pesquisa. Se a questão não foi explicitamente colocada, significa que o líder do projeto está confuso, ou é incompetente, ou pior ainda, desonesto. São palavras duras, mas a conseqüência de questões vagas é o desperdício de tempo, dinheiro 17 e credibilidade dos cientistas. Hobbs, (1988) apresenta um fluxograma engraçado, mas ao mesmo tempo trágico, que representa a contribuição de pesquisas ecológicas na tomada de decisões. Cada dólar desperdiçado em uma pesquisa ruim, poderia ser usado para salvar vidas de crianças carentes. Temos trabalhado em países e regiões pobres e admitimos que nos tornamos intolerantes com esforços de pesquisa desperdiçados. Há muitos textos sobre processos de decisão disponíveis nas livrarias e não vamos nos alongar neste assunto. Uma boa introdução a esta discussão pode ser encontrada em Tukey (1960, 1980) e no capítulo 1 de Caughley e Sinclair (1994). Uma discussão mais "estatística" dos problemas na seleção das questões e medidas em estudos integrados pode ser encontrada em Osenberg et al. (1999). Vamos assumir que a questão ou a variável a ser investigada já foi determinada e focalizar o problema de decidir o que pode afetar esta variável e de que maneira.
Construindo a hipótese inicial
Você pode começar com a premissa de que qualquer coisa é conectada com tudo o mais e tentar colocar tudo em seu modelo. Isto é análogo a um escultor querer colocar uma montanha inteira sobre o seu pedestal - uma perda de tempo. Por outro lado, você pode montar um sistema tão simples que ele não tenha mais semelhança com o mundo real e, novamente, desperdiçar esforços. Nosso modelo deve ser simples o suficiente para ser manejável, mas complexo o suficiente para capturar a idéia central do problema. Esta é a arte do cientista. Uma boa discussão sobre construção de modelos pode ser encontrada em Starfield e Bleloch (1991). Os leitores que se sentem confortáveis com uma matemática um pouco mais complexa podem consultar Burnham e Anderson (1998). Contudo, estamos interessados em um nível muito mais geral do que estes autores e a construção de modelos é uma arte que vem com a experiência. Não se envergonhe se seus primeiros modelos não parecerem bons. Mesmo um modelo ruim é útil, nem que seja para mostrar as limitações do pesquisador ou de seus dados. Neste capítulo, e no resto deste livro, iremos tratar de modelos e suas premissas. Por vezes, a construção de modelos aparenta ser um processo técnico. Entretanto, modelos envolvem conceitos filosóficos mais complexos do que a matemática. Apresentamos duas citações de Allen (1998), que refletem também o nosso ponto de vista filosófico. "Modelos, que não passam de réplicas do sistema reais, não podem ser a representação fiel dos sistemas em todas as situações. Portanto, todos os modelos são errôneos, no sentido de diferirem das observações. Obviamente, a noção de certo e errado não serve para nada em modelagem, e dizer que um modelo, que tenha sido construído com lógica e consistência, é acertado ou errôneo, não vem ao caso . . . Todas as premissas são falsas em algum nível, portanto, a correção das premissas está fora das possibilidades, e também não vem ao caso". A ciência não diz respeito à obtenção de respostas para tudo; refere-se a encontrar situações onde se possa ir adiante com uma premissa – e ainda conseguir que o modelo tenha alguma utilidade. Se você espera respostas absolutamente certas para todas as questões, sugerimos que abandone este livro e procure suas respostas na teologia. Vamos começar com um exemplo simples, relacionado com uma questão ecológica (figura 7). A mesma lógica pode ser aplicada a estudos em outras escalas, como em experimentos laboratoriais sobre fisiologia ou questões sobre padrões biogeográficos em escalas continentais. Este fluxograma é, obviamente, uma simplificação tão grande, que não permite a análise na presente forma. Mas, ainda assim, vamos usá-lo para discutir os mecanismos 18 de construção de um diagrama. Este fluxograma preliminar é importante porque ilustra a hipótese inicial e as premissas. Você obviamente está interessado na densidade de uma espécie de lagostim, presumivelmente porque ele tem importância comercial ou por estar sendo considerado como ameaçado de extinção, ou alguma outra razão que justifique os gastos. Caso se descubra que os membros da equipe não estão de acordo com a questão geral, você deveria repensar o problema antes de submeter à proposta. Examinando o fluxograma mostrado na figura 7, descobrimos que a equipe acredita que os fatores mais importantes que estão afetando a densidade do lagostim são peixes predadores, fitoplâncton poluição do corpo de água. Espera-se que experiência, informação da literatura e bom senso sejam usados para decidir quais os fatores mais importantes a serem estudados. Milhares de outras coisas que potencialmente podem ser importantes, como predação por pássaros, tipo de substrato e doenças não foram incluídas. Esta é uma decisão subjetiva e os pesquisadores podem estar errados. Entretanto, eles corajosamente mostraram quais fatores eles acreditam ser prioritários para a pesquisa, e os leitores podem facilmente ver quais fatores foram deixados de fora. Eles serão criticados por muitos biólogos de escritório, que exortarão a necessidade de inclusão de inúmeras outras variáveis que poderiam ter algum efeito sobre o lagostim. Este é o preço da honestidade e integridade. Além disso, alguns dos revisores podem até tecer críticas realmente construtivas.
...