O Novo Código Civil Brasileiro Em Suas Coordenadas Axiológicas: Do Liberalismo A Socialidade
Exames: O Novo Código Civil Brasileiro Em Suas Coordenadas Axiológicas: Do Liberalismo A Socialidade. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: gaahbizinhaa • 24/11/2013 • 9.473 Palavras (38 Páginas) • 467 Visualizações
O novo Código Civil brasileiro em suas coordenadas axiológicas: do liberalismo a socialidade
José Camacho Santos
Mestre em Direito Civil pela Universidade Estadual de Maringá (PR), Professor da UEM e da Escola da Magistratura do Estado do Paraná
Sumário: 1. Introdução. 2. A ordem jurídica e algumas de suas premissas. 2.1 A suma divisio e seu desprestígio. 2.2 Realidade, conceitos e valores cambiantes. 2.3 O tridimensionalismo do fenômeno jurídico. 3. Do Estado liberal ao Estado social: breve análise. 4. O Direito Civil em novo perfil. 4.1 Do ontem (1916) ao hoje: notas gerais. 4.2 A constitucionalização do Direito Civil. 4.3 Pautas axiológicas da República e despatrimonialização. 4.4 A funcionalização do Direito e o seu sentido promocional. 4.5 A socialização e a solidarização do Direito. 5. O Novo Código Civil: atual ou obsoleto? 6. O Direito Privado: unificação? 7. O Novo Código Civil brasileiro e seu perfil axiológico. 7.1 O princípio da socialidade. 7.2 O princípio da eticidade. 7.3 O princípio da operabilidade. 7.4 Princípio da concretude. 8. Algumas particularidades do Novo Código. 9. Conclusões. 10 Referências Bibliográficas.
1. Introdução
Objetiva-se com este despretensioso estudo passar em revista alguns dos vários aspectos da concepção patrimonial-liberalista, que, vitoriosa na Revolução Francesa, deu tom à maioria dos diplomas substanciais da época, a exemplo do que se passou com o Código Civil brasileiro editado em 1916.
Mais que isso, pretende-se pôr em realce a mudança de perspectiva, que, à luz de transformações sócio-ideológicas advindas, fez proliferar um sem-número de estatutos e microssistemas comprometidos com a valorização dos atributos da socialidade e da solidariedade. Nessa direção encontram-se, verbi gratia, a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil cuja vigência está programada para janeiro do ano vindouro.
Sob essas inspirações serão considerados os vetores e coordenadas do sistema nacional positivado, bem como as metas, objetivos e fundamentos da República Federativa do Brasil, aos quais se submete toda e qualquer atividade exegética dos textos e diplomas hierarquicamente inferiores, como é o caso das leis materiais civis.
Entretanto, impende alertar - até para que as propostas metodológicas anunciadas há pouco não venham a caracterizar suposta propaganda enganosa - que esta empreitada não se reveste de qualquer propósito inovador, muito menos exauriente. Destina-se, unicamente, a abrir oportunidade para a consideração e ponderação dos valores teóricos da nossa ordem substantiva e, mais propriamente, do nosso Novo Código Civil.
2. A ordem jurídica e algumas de suas premissas
Embora o homem deva continuar sendo o centro da atenção, até porque feito à imagem e semelhança de Deus, não deve mais ser concebido segundo o individualismo - quase egoístico - que impregnou a codificação napoleônica e, de resto, os vários diplomas à época promulgados, como o brasileiro de 1916. Contrariamente, há de ser visto e entendido como submetido ao dever de solidariedade social. A individualidade, pois, tem valor e peso na direta proporção de sua eficácia construtiva e da conveniência ao todo, à coletividade, visto que a liberdade individual tem sua medida na impossibilidade de seus interesses atentarem contra o bem-estar do grupo, travestindo-se em indesejado individualismo.
Com efeito, a consciência das transformações havidas em nossa sociedade impõe a releitura dos institutos e categorias jurídicas, hodiernamente, não mais sob os ares do individualismo e patrimonialismo de antão, mas segundo o compromisso ético a que todos estão submetidos, que é o de construir uma sociedade mais digna e justa, fazendo com que os fundamentos e princípios básicos (1) da República saiam do papel.
2.1 A suma divisio e seu desprestígio
Apesar de mantida na doutrina a clássica dicotomia do Direito, em público e privado, conforme se infere da maioria dos manuais, apenas pode ser conservada para fins metodológicos e didáticos, com vistas a facilitar aos iniciantes a compreensão da teia jurídica a partir de uma visualização global. Efetivamente, o ordenamento tem de ser um todo harmônico e congruente, de normas e preceitos, razão pela qual a partição, classificação ou setorização, se levada a extremos, implica riscos à unicidade e harmonia do sistema.
Logo, a divisio mantida na maioria dos manuais sucumbe às substanciais alterações axiológicas que assolaram - e assolam - a sociedade contemporânea, muitas delas fruto de transformações socioculturais verificadas a partir do segundo quartel do século XX, como de há muito enfatizou Michel Miaille (1988, p. 151-152). Sincronizada com essa advertência, a ordem jurídica teve de abrir espaço às mudanças, à socialização, à publicização do Direito Privado, pondo em xeque a dual classificação, numa tendência de aproximação ou imbricação do público e do privado (Tepedino, Maria, p.21-32).
Mas não se trata apenas de junção das duas categorias. A nova maneira de ver e compreender os fenômenos sociojurídicos(2) fez ver outra categoria, um terceiro gênero (Ascensão, 1994, p. 266), denominado de interesse social, relevante e supra-individual. Nessa esteira estão as questões de Família, do Trabalho, da Habitação, de Consumo etc., que sofreram significativas mutações com o intervencionismo estatal na esfera individual das pessoas, dando ensejo a estatutos ou leis de nova tessitura, como as alusivas a locações prediais para moradia; parcelamento do solo urbano; construção em condomínios; fornecimento etc.
O Diploma Consumerista,(3) por exemplo, deixou claro terem as normas natureza pública, de interesse social (art. 1o). Foi por isso que conferiu ao Ministério Público atribuições para defendê-las, em juízo ou fora dele (arts. 3o, 5º, II, 51, § 4º, 82, I, 92, 97 e 98). Também assim se pôs a Carta Política de 1988 (arts. 5o, XXXII, 129, III, 1127, 129, IX, 170, V e 48 do ADTC). A par de outros instrumentos de viabilização da política nacional de defesa dos consumidores,(4) disponibilizou-se a via da ação civil pública. Ora, tanto os interesses difusos quanto os coletivos e os individuais homogêneos,(5) devido a sua configuração metaindividual, são tidos como sociais, tão relevantes quanto os individuais indisponíveis, públicos, da ordem jurídica e do regime democrático, realçados pelo texto constitucional.(6)
Então, hoje são três os grupos de direito ou de interesse: a) público; b) privado e c) social, todos como partes sincronizadas
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