PEDAGOGIA DA DEMOCRACIA DE PAULO FREIRE
Dissertações: PEDAGOGIA DA DEMOCRACIA DE PAULO FREIRE. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: ead00409430 • 11/3/2015 • 5.939 Palavras (24 Páginas) • 607 Visualizações
A PEDAGOGIA DA DEMOCRACIA DE PAULO FREIRE
GT 5 – Estado e Política
Vânia Medeiros Gasparello - UERJ
E nós estamos ainda no processo de aprender como fazer democracia. E a luta por ela passa pela luta contra todo tipo de autoritarismo (Freire, 2000a, p. 136).
Falar no pensamento e na prática de Paulo Freire, seja enquanto intelectual, educador, Secretário Municipal de Educação, ser humano, e tantos outros papéis assumidos por esse homem público no real sentido da palavra, é estar falando de uma práxis pedagógica-política e epistemológica profundamente democrática. Isto porque considero que a sua obra e vida testemunham sempre a sua clara opção política contra qualquer tipo de autoritarismo, desrespeito, injustiça, desigualdade, etc. A filosofia de Freire, ao contrário, se posiciona a favor da liberdade, da justiça, da ética e da autonomia do ser humano, da escola, da sociedade. Mais ainda, Freire percebe que a democracia não acontece de um hora para outra, por decreto, por uma concessão de uma autoridade que se autointitula democrática, ou apenas quando a sociedade deixar de ser capitalista. Ele entende que a democracia, a liberdade, a autonomia, é um processo. Mas não é um processo de cima para baixo, e sim uma conquista conjunta, coletiva, que exige respeito, diálogo e poder de decisão a todos que participam dessa caminhada. Um processo que faz parte da própria humanização do ser humano, da sua vocação para ser mais, segundo Freire. Uma vocação que atua em condições concretas e que na sua práxis vai partejando o novo, já que o ser humano é um ser molhado de história, como gosta de dizer, ou seja, “...um ser finito, limitado, inconcluso, mas consciente de sua inconclusão. Por isso, um ser ininterruptamente em busca, naturalmente em processo” (Freire, 2001, p.18).
Nesse sentido, é importante resgatar a teoria e a prática de Paulo Freire num momento em que estamos vivenciando um cenário político-social extremamente antidemocrático, excludente, no qual a liberdade é apenas entendida como liberdade de mercado. Quando a ideologia neoliberal está sendo veiculada como o único discurso possível. Quando não há espaço para o diálogo. Numa sociedade onde ser mais pode ser confundido com ter mais. Quando os governantes continuam a desrespeitar a coisa pública, os(as) professores(as), os alunos pobres e os trabalhadores da educação. Quando a democracia da sociedade e a autonomia da escola e do seres humanos continuam a ser um sonho:
Um desses sonhos para que lutar, sonho possível mas cuja concretização demanda coerência, valor, tenacidade, senso de justiça, força para brigar, de todas e de todos os que a ele se entreguem, é o sonho por um mundo menos feio, em que as desigualdades diminuam, em que as discriminações de raça, de sexo, de classe sejam sinais de vergonha e não de afirmação orgulhosa ou de lamentação puramente cavilosa. No fundo, é um sonho sem cuja realização a democracia de que tanto falamos, sobretudo hoje, é uma farsa (Freire, 2001, p.25).
E talvez uma das formas de lutar por esse sonho seja reafirmar o caráter democrático do pensamento e da práxis freireana, tornando público que é possível pensar e atuar de uma forma diferente da ideologia e da prática neoliberal. Paulo Freire, quando assumiu a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, de 1989 a 1991, na gestão da Prefeita Luiza Erundina, do PT, mostrou que é possível lutar para mudar a cara da escola, como costumava dizer, lutar por uma escola pública, popular e democrática. E as propostas e ações concretizadas durante a sua administração e de quem o substituiu , o Professor Mário Sérgio Cortella, só podem ser melhor compreendidas dentro do contexto de toda a obra de Paulo Freire. Já que, nesse autor, teoria e prática não são dois pólos distintos, estanques, separados, mas são, antes, ações que estão interligadas e que se recriam a todo momento.
Dessa forma, inicialmente discuto um pouco sobre a problemática da democracia na nossa sociedade, no intuito de destacar esse conceito na obra de Paulo Freire, pelo fato de a considerar uma marca fundamental da sua praxis. Num momento posterior, tive como objetivo demonstrar a coerência dessa teoria com os princípios e ações que nortearam a administração de Freire como secretário municipal de educação da cidade de São Paulo.
A democratização como pedagogia da sociedade
A questão da democracia não é uma questão nova, desde a Antigüidade esse debate está presente na cena política e nos escritos daqueles que procuraram descrever e/ou filosofar sobre determinadas práticas sociais. Também não é uma questão simples, pois cada período histórico e seus intérpretes destacaram aspectos diferentes dessa temática. Nesse sentido, esse trabalho não tem a pretensão de realizar um longo tratado sobre todos os conceitos já discutidos em torno da democracia. Deseja apenas chamar a atenção para algumas discussões mais recentes em relação a esse tema, a fim de melhor situar porque considero a pedagogia de Paulo Freire democrática. Mesmo porque acredito que o hoje, como Freire, está molhado de história, ou seja, é uma possibilidade de resultado de discussões e práticas anteriores, antecipando um determinado-indeterminado porvir.
Segundo Bobbio (1994, pp. 37-38):
É inegável que historicamente ‘democracia’ teve dois significados prevalecentes, ao menos na origem, conforme se ponha em maior evidência o conjunto das regras cuja observância é necessária para que o poder político seja efetivamente distribuído entre a maior parte dos cidadãos, as assim chamadas regras do jogo, ou o ideal em que um governo democrático deveria se inspirar, que é o da igualdade. À base dessa distinção costuma-se distinguir a democracia formal da substancial, ou, através de uma outra conhecida formulação, a democracia como governo do povo da democracia como governo para o povo.
A sociedade capitalista moderna se autodenominou democrática, afirmando que defendia princípios de liberdade, igualdade e fraternidade para todos os cidadãos. Contudo, essa democracia liberal é uma democracia apenas formal, na medida em que estes três princípios, na prática, só são válidos para aqueles que fazem parte do mundo ocidental da minoria burguesa, branca e masculina heterossexual. Ou seja, a liberdade é vista apenas como liberdade de mercado, no qual só aqueles que detém o poder econômico possuem também o poder de opção e de decisão. A desigualdade de oportunidades econômicas,
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