A PRIMAVERA LETICIANA
Por: SenhorFunez • 9/7/2021 • Dissertação • 1.894 Palavras (8 Páginas) • 141 Visualizações
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA
CENTRO DE ARTE
DEPARTAMENTO DE ARTES PLÁSTICAS
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PRIMAVERA LETICIANA: EFEMERIDADE E CATARSE
CARLOS EUCLIDES MARQUES
CARLOS EUCLIDES MARQUES
PRIMAVERA LETICIANA: EFEMERIDADE E CATARSE
Trabalho de graduação apresentado à oficina MATRIZES TEÓRICAS DO PENSAMENTO ARTÍSTICO CONTEMPORÂNEO, do curso de Artes Plásticas, CEART-UDESC.
Professora: Rosângela Cherem
ILHA DE SANTA CATARINA
DEZEMRO, 2006
PRIMAVERA LETICIANA: EFEMERIDADE E CATARSE
Era uma terça-feira (21/03/2006), pouco antes das vinte horas, quando uma porta, sutilmente escondida pela escuridão e pela vegetação do jardim de entrada, abriu-se e alguém disse: — É aqui. Adentrei ao ambiente, com outros que esperavam. Ainda havia poucas pessoas.
Do lado de dentro, um corredor-varanda dava os ares de recepção. Nesta, uma porta emoldurava a entrada de uma sala de exposição. À entrada um pano fazia a serventia de “tapete”. Os poucos que, neste momento, por ali adentravam, logo se preocupavam em limpar os calçados. Houve mesmo quem os tirasse. Ares solenes, que se perderiam, mais tarde, com um número maior de transeuntes.
No centro da sala, com a iluminação recaindo sobre ela, a “obra”: um bloco de rosas despetaladas e desfolhadas congeladas, já em estado inicial de degelo. A água corria, compondo uma micropiscina. Logo lembrei de um texto drummondiano, O recalcitrante, lido na infância, “... escorria um fio de água que ia compondo, no piso do ônibus, a microfigura de uma piscina.”[1]
Este elemento, água, primeiramente em estado sólido, já a liquefazer-se me remeteu à efemeridade da “obra”. Não há como cair neste lugar comum, o tempo, já apresentado por outros críticos. Porém, não quero me impregnar com as prévias leituras sobre a artista e sua obra. É preciso de início: 1- pensar como um espectador sem muitas informações, mas curioso e preocupado com aquilo que a “obra” pode lhe passar ou dar ou tocar; 2- deixar, de certa forma, a experiência estética, o contato com a obra falar aos sentimentos e, quem sabe, a razão ou ainda, e não eliminando estas perspectivas, o como nos descobrimos no outro posto pela “obra”, trata-se de partir ou tomar uma alteridade que como objetivação de uma subjetividade não é já de antemão um nada, nem simplesmente objeto nem simplesmente sujeito, nem simplesmente um ser percebido nem simplesmente um ser que percebe, mas, diria a fenomenologia, um sensível-sentido, um visível-visado, uma consciência-corpo, um corpo-consciência, um transcendente dado na finitude.
O título é Primavera, provavelmente em função das rosas. Contudo, as quatro estações estão presentes; o gelo remete ao inverno; o calor e a luz, ao verão; os restos da natureza, ao outono... O ciclo da vida: nascimento, crescimento, proliferação, envelhecimento e, conseqüentemente, a morte. Nesse dia, abertura da exposição, reinava o florescimento, a vida. O leve derretimento trazia consigo o aroma das rosas. A vivacidade do vermelho-pétala e do verde-folha agraciava narinas e olhos, suscitando lembranças. Porém, não foi difícil remeter-me a seus contrários: fedor, morte, desagradável... Famigerada dicotomia! Colocava-me diante da condição humana: a efemeridade, a morte...
Algumas horas se passaram e o micropiscinado piso tornou-se outro espetáculo. Além dos efeitos luminosos sobre a água, os já não tão preocupados passantes — ao esquecimento estava o “tapete” à porta — vão deixando suas pegadas. Marcas de passantes, que tão logo outros refaçam o percurso, praticamente, desaparecem. Do amalgama restam, como tudo, mais sinais. O tempo acelerado continua mostrando-se. Vestígios, vestígios...
Este é o tipo de “obra” que pode ser capitada por si só. Diriam alguns, fundamentados na perspectiva de Didi-Huberman, que estou sendo, com esta afirmação, tautológico. Talvez, sim, mas não só. Quero também passar pela perspectiva da crença. A atitude descritiva, que caracteriza o exercício tautológico, e pode ser percebida, em parte, nas primeiras linhas deste escrito, tem por objetivo descartar um prévio discurso sobre a “obra”, pois isto pode tirar do espectador um espanto, uma admiração engendradora de reflexão. Contudo, esta admiração engendradora é possível, por parte do espectador porquê, também ele, tem uma vivência, que, de alguma forma é tocada pelo visado[2]. Do contrário, ou seja, com a aceitação prévia e simples da fala de alguém, que se toma para “entender a obra”, a mataria como possibilidade ontológica. Evidentemente, que sempre matamos a obra em-si: seja quando falamos dela, seja mesmo quando a visamos. Porém quero ponderar a morte que vivifica, a ausência-presentificante, pois é isto que faz da arte algo de revelador da condição humana[3]. A conversa com a artista a posteriori só fez, em grande parte, reforçar algumas inferências que partiram da experienciação da/com a “obra”. Mesmo assim, faz sentido ater-me em algumas passagens.
Roberto Freitas, proprietário do aconchegante ambiente — ARCO, na Avenida Madre Benvenuta, 1205, Santa Mônica — fez as honras da casa, apresentando a artista Letícia de Brito Cardoso. Inicia falando sobre o espaço completar dois anos e de o convênio com SESC, um ano. Lembra que a artista foi sua colega de graduação e, dentre todos da turma, era a que realmente pintava. Vi esta fala como significativa, pois me remeteu a questionar: o que haveria de pintura neste trabalho? Sabe-se ser a cor o principal elemento da pintura. Ora, é a cor viva que, neste primeiro momento, se apreende, mas a cor viva também é uma ilusão. Seus tons mórbidos, certamente, aparecerão no processo de deterioração da matéria orgânica, assim como no chão-palheta as cores das pegadas vão sendo misturadas como o pintor misturando suas tintas.
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