A MEMÓRIA COLETIVA NO ESPAÇO RELIGIOSO: RITUAIS DE PASSAGEM
Por: pdrhcarvalho • 16/8/2018 • Resenha • 3.160 Palavras (13 Páginas) • 226 Visualizações
A MEMÓRIA COLETIVA NO ESPAÇO RELIGIOSO: RITUAIS DE PASSAGEM[1]
PEDRO HENRIQUE DA COSTA CARVALHO[2]
RESUMO: O presente estudo tem como objeto a relação entre memória individual e memória coletiva inseridas no espaço religioso, principalmente ao que concerne sobre ritos de passagem. A pergunta central da pesquisa é como as lembranças do individuo perpassa na manutenção das práticas de ritos de passagem? O objetivo geral da análise é compreender as percepções dos atores nas práticas dos rituais de passagem. A realização da pesquisa se dará através dos principais conceitos sobre os temas, a partir de autores como Maurice Halbwachs e Peter Burker para o estudo da memória e, as práticas de rituais, conceituado por Arnold Van Gennep e Victor Turner, a fim de buscar a relação entre memória e a manutenção das práticas dos rituais.
Palavras chave: Memória Individual. Memória Coletiva. Espaço Religioso. Ritual.
INTRODUÇÃO
Os antropólogos, de um modo geral, passaram a utilizar o fator tempo em pesquisas etnográficas. Mattos (2008) defende que a temporalidade inserida no campo de estudos antropológicos pode ser diferenciada em dois modelos teóricos: diacrônica e sincrônica, onde o primeiro remete ao estudo antropológico dialogando com a história e o segundo o estudo antropológico não leva em consideração o passado. Cardoso (2005) diz que “muitos são os lugares de memória: arquivos, monumentos, comemorações. Em todos há uma função pedagógica que ensina, seja através da organização de documentos, seja pelo conteúdo reafirmado do que é visível ou do que é ressaltado como significativo” (CARDOSO, 2005, p. 176).
Quanto à função do historiador, Burker (2000) apresenta que ele objetiva ser o guardião da memória dos acontecimentos públicos quando escritos para proveito dos atores e, defende ainda, “a memória reflete o que aconteceu na verdade e a história reflete a memória” (BURKER, 2000, p. 69). Nesse mesmo sentido, Cardoso (2005) defende que “a escrita da história inclui como o sentido de passado é elaborado” (CARDOSO, 2005, p. 173).
A partir do modelo diacrônico, este artigo pretende analisar a relação memória individual e memória coletiva na determinação das ações do grupo inserido no espaço religioso, abordando os conceitos do que determinam o que é memorável e para quem é. Para isso, inicialmente irei abordar os conceitos que o autor Maurice Halbwachs e Peter Burker tratou sobre memória individual e memória coletiva, e a relação entre memória e espaço. Em seguida, pretende-se realizar uma breve introdução dos conceitos sobre rituais de passagem a partir da perspectiva de Victor Turner e Arnold Van Gennep. A argumentação central da análise é o trazer para o presente etnográfico referência sobre o passado como fonte para determinar as práticas dos ritos no espaço religioso.
MEMÓRIA INDIVIDUAL E MEMÓRIA COLETIVA
O estudo da relação entre história e memória teve como precursor Maurice Halbwachs que afirmou, em 1925, que a memória individual existe a partir da memória coletiva, ou seja, ele conceitua a memória como uma dimensão que ultrapassa o plano individual. O autor defende que “nossas lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que se trate de eventos em que somente nós estivemos envolvidos e objetos que somente nós vimos”, ou seja, o autor quer dizer que todas as lembranças são constituídas no interior de um grupo. Burker (2000) complementa a partir dos conceitos de Maurice Halbwachs na definição de memória individual e memória coletiva:
São os indivíduos que lembram, no sentido literal, físico, mas são os grupos sociais que determinam o que é “memorável”, e também como será lembrado. Os indivíduos se identificam com os acontecimentos públicos de importância para seu grupo. “Lembram” muito o que não viveram diretamente” (BURKER, 2000, p. 70)
Halbwachs (2006) defende a ideia de que o “lembrar” de alguma coisa, faz-se necessário à existência de algum acontecimento e de um ator. Ao tratar da memória individual, o autor remete a acontecimentos que o individuo vivenciou sozinho, mas as suas percepções ao ambiente foram motivadas por lembranças a conversas e acontecimentos junto a alguém. Como exemplo, ele cita uma viagem a Londres e descreve que poderia ter passeado com um arquiteto que daria importância às construções, ou um historiador que remeteria a história do local em que passavam. Mas, caso o ator faça o mesmo percurso sozinho, ele poderá dar importância a algo que a sua memória vivenciou, a partir de algo que ouviu ou viu, seja através de uma leitura ou uma conversa com alguém. “nossas lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que se trate de eventos em que somente nós estivemos envolvidos e objetos que somente nós vimos” (HALBWACHS, 2006, p. 30). Indiferente de estar sozinho ou junto a alguém, ele defende a ideia de que a noção individual de memória está atrelada ao armazenamento de informações.
Haveria então, na base de toda lembrança, o chamado a um estado de consciência puramente individual que - para distingui-lo das percepções onde entram elementos do pensamento social - admitiremos que se chame intuição sensível (HALBWACHS, 2006, p.41).
Em relação à duração da memória individual, o autor atribui que a mesma esta atrelada à duração da memória do grupo, ao relembrar de acontecimentos e relatar, mesmo através de diferentes percepções. Para exemplificar essa assertiva, o autor remete a um grupo de pessoas que estudaram na mesma sala e se reencontram após algum tempo em que o grupo já tinha sido desfeito. Ao conversarem sobre a turma, ele afirma que as percepções dos alunos serão diferentes da percepção do professor, ainda que ambos tenham vivenciado o mesmo espaço ao mesmo tempo, pois, os alunos poderiam lembrar com mais riqueza de detalhes, enquanto o professor por vivenciar outras turmas semelhantes a essa, poderia não ter a capacidade de lembrar-se da mesma forma. O autor complementa, “na base de qualquer lembrança haveria o chamamento a um estado de consciência puramente individual” (HALBWACHS, 2006, p. 42). E, “o funcionamento da memória individual não é possível sem esses instrumentos que são as palavras e as ideias, que o indivíduo não inventou, mas que toma emprestado de seu ambiente” (HALBWACHS, 2006, p. 72).
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