Percepção popular da doença
Por: gnaNDjdW • 24/6/2015 • Resenha • 1.336 Palavras (6 Páginas) • 134 Visualizações
A PERCEPÇÃO POPULAR DA DOENÇA E SUA REINTERPRETAÇÃO RELIGIOSA
A dicotomia doença material e doença espiritual, até então definida ao longo dos capítulos 1 e 2, dissolve –se originando uma nova compreensão do fenômeno da doença. Os casos concretos ao chegarem nos terreiros são ressignificados a partir do discurso religioso, dando uma nova explicação à doença não compreendida pela medicina tradicional. Este é o assunto abordado no texto ‘Da doença à desordem: A magia na Umbanda’ de Paula Montero. Nele, autora descreve ainda que o entendimento do estado “estar doente” só é percebido a partir do momento em que há uma debilidade na rotina - a incapacidade de realizar atividades normais de seu dia a dia. Segundo Monteiro, a insuficiência da clínica medica tradicional, seja por não conseguir diagnosticar a doença, seja por não curá-la, faz com que o paciente busque o auxílio religioso dos terreiros para compreender o que acontece com seu corpo. Ou seja, na maioria dos casos analisados, a busca pelo amparo do centro de umbanda se dá ao não encontrar resultados na medicina tradicional, a magia, portanto, aparece como “último recurso”. Nesses depoimentos, é possível entender a terapêutica mágica como dimensão por onde a doença, até então sem resolução, será esclarecida. A autora considera pertinente ressaltar, ainda, a maneira pela qual os discursos são construídos. Não há a distinção de doenças psiquiátricas e qualquer outra doença, devido à grande quantidade de aparelhos tecnológicos, eles consideram a possibilidade de “enxergá-las ” dentro do corpo como comprovação da doença material. Além disso, há diferenças na maneira como descrevem a doença orgânica e a doença dos nervos - denominação popular para enfermidades não diagnosticas, mas que provocam desequilíbrios principalmente de ordem emocional, que são pelo citado no texto transtornos psicológicos-psiquiátricos que não são devidamente compreendidos nos termos disponíveis, e por isso sofrem essa generalização. Quando os médicos não encontram uma explicação biológica para determinadas situações, chegam a conclusão de que a doença orgânica na verdade não é doença, mas sim algo espiritual não explicável pela medicina. Nesse âmbito entra a magia da umbanda, ao subtrair-se a materialidade de uma doença resta como explicação a presença de forças sobrenaturais cuja natureza e intenções cabem ao médium e não ao médico. Os sintomas sentidos pelo paciente são mórbidos, mas apenas como indicadores de uma outra ordem de acontecimentos. A noção de doença ao transcender do contexto médico, adquire uma nova interpretação, a noção religiosa de ‘Desordem’- uma ressignificação simbólica do universo mágico. A doença expressada enquanto biológica possuía um caráter negativo absoluto, enquanto passa a significar Desordem se manifesta no corpo físico, social e astral afetando a vontade e a moral da pessoa, permite, assim, que o indivíduo reinterprete seu estado mórbido como uma experiência sobrenatural. Dessa forma, é possível para o paciente adotar um sentido mais positivo de sua condição, passível de melhora e evolução espiritual. Ao ser considerada desordem, a doença é ressignificada e passa a ser objeto de análise da religião, que propõe uma explicação que transcende a compreensão da doença apenas como geradora de desconforto, e a coloca como desordem, que provoca desequilíbrio nos mais diversos aspectos da vida da pessoa. Esse novo olhar subtrai o negativo que a doença carrega, enquadrando a na ideia de desordem. Nos terreiros, a busca não é apenas pela cura, mas, principalmente, pelo entendimento do fenômeno que extrapola o nível físico tanto na sua origem, quanto nas consequências. A reinterpretação do conceito de doença produzida pela pratica religiosa, portanto, confere a ele um sentido muito mais abrangente. No entanto, só se torna desordem quando associada a ideia de desorganização generalizada do indivíduo. Sendo assim, podemos entender que para a prática religiosa o discurso do paciente que não hierarquiza sintomas e inclui acontecimentos sociais nas descrições de seus estados, é levado em consideração ao “diagnosticar” a doença espiritual. Considerar a realidade popular não faz parte da clínica medica, a qual foca unicamente no contexto biológico. Dando continuidade a construção do discurso teológico, a crença umbandista coloca o sujeito como protagonista de sua desordem – a culpabilidade do paciente. Independentemente de sua origem – as doenças são divididas em três grandes categorias: provocada por si mesmo, provocada por terceiros, ou kármica – o posicionamento do indivíduo é essencial para a compreensão e consequente cura. Nesse sentido, ele é visto como responsável pela sua própria doença. Mas, considerando o plano espiritual e seus diversos aspectos (espíritos malignos, vidas passadas, macumbas) o doente não passa de uma vítima, e seu corpo de uma ferramenta para as manifestações das forças espirituais. No tratamento dessa desordem espiritual, entram os rituais, cuja função está em alcançar a ligação do mundo espiritual com o material, objetivando a organização mediúnica do paciente. Ao final dessa reorganização interior (por meio de passes, desobsessão, descarrego, entre outros) há a possibilidade do reconhecimento dos “eus” – identificação com as entidades. O reconhecimento de entidades é, para a autora, uma possibilidade de aceitação de estruturas psicológicas muitas vezes não reconhecidas pelos pacientes. “ Essas figuras místicas atualizadas e revividas pelos fieis com uma margem de interpretação pessoal basta te grande permitem a expressão, socialmente aceita, dessas pulsões normalmente experimentadas como conflituosas. ” (Monteiro, Paula. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985. Página 163). A existência de variadas figuras e suas características permite identificação com diversos aspectos da personalidade, que antes, por falta de linguagem apropriada, não eram compreendidas. O objetivo da prática religiosa, portanto, não visa atingir o indivíduo em sua maneira de ser ou de comportar-se, mas controlar as forças maléficas responsáveis pela desordem do mundo e da vida cotidiana. Visam extirpar do corpo doente as forças maléficas, enquanto as forças do bem administrariam a sua mediunidade. As doenças são vistas como possibilidade de evolução, e especialmente no caso do desenvolvimento mediúnico, em que o sujeito, após compreender e aprender a controlar suas entidades, torna-se mais forte e, até certo ponto, superior aos que não podem acessar o mundo espiritual. A relação entre médium/doente é mais estreita que a médico/paciente, pois o médium é um doente curado, não havendo hierarquia entre eles, visto que um pode acessar o status do outro após o tratamento. O distanciamento entre médico e paciente se dá porque o primeiro é detentor do saber e o segundo é apenas subordinado, que obedece sem ter a possibilidade sem ter a possibilidade de acessar o conhecimento teórico e prático. Além disso, pode-se concluir que a doença assume um significado de “eleição divina” por proporcionar a evolução espiritual, já que ao final do “tratamento” os indivíduos tornam-se médiuns, e, portanto, dentro da umbanda, submeter-se ao processo de desenvolvimento mediúnico é uma forma privilegiada de cura. O corpo, assim, configura-se como ponto de intersecção onde se cruzam acontecimentos do mundo e as explicações religiosas. A ressignificação da percepção popular do conceito de doença nos terreiros, permite ao indivíduo, portanto, expressar esses sentimentos, compreende-los e reorganiza-los.
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