A QUESTÃO RACIAL FRENTE A TRADIÇÃO MARXISTA E O SERVIÇO SOCIAL
Por: Suellen Cruz • 7/4/2022 • Artigo • 12.233 Palavras (49 Páginas) • 107 Visualizações
A QUESTÃO RACIAL FRENTE A TRADIÇÃO MARXISTA E O SERVIÇO SOCIAL
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo identificar brevemente o debate da questão racial no interior da tradição marxista e seus desdobramentos na luta antirracista e no Serviço Social contemporâneo. Para essa aproximação, partiremos de uma análise sócio- histórica dos enfrentamentos travados pelo movimento negro no cenário da luta de classes brasileira, seus desafios e perspectivas atuais. Como premissa, entendemos que a consolidação de um arcabouço teórico – metodológico e ético-político no Serviço Social é recente, representado por pouco mais de trinta anos, assim como o debate entre raça e classe possui o mesmo período de tempo. Ousamos afirmar que ambos passaram, e ainda passam, por um significativo amadurecimento teórico-crítico e de táticas e estratégias que foram sendo produzidas nas últimas décadas, e que atualmente expressam importantes legados, apesar de sua complexidade. Esse processo resulta em contribuições necessárias, embora tensas e polêmicas por vezes, quanto à visibilidade da luta antirracista no interior da tradição marxista, e logo, do Serviço Social brasileiro, fortemente influenciado por essa perspectiva.
Palavras-chave: Movimento Negro; Marxismo; Serviço Social
1 - INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo identificar brevemente o debate da questão racial no interior da tradição marxista, buscando analisar seus desdobramentos no Serviço Social contemporâneo.
Partimos da compreensão, que a renovação do Serviço Social despertou um novo caminho para esta profissão, sob influência do marxismo, que determinou uma direção crítica e politicamente combativa à ordem societária.
O debate racial, apesar de tenso e polêmico à luz da tradição marxista, trouxe consigo inúmeras contribuições e legados à luta da população negra na diáspora. No Brasil, apesar da luta antirracista ter sido protagonizada desde o período de escravização de negras e negros africanos, somente na década de 1970 veio a ganhar visibilidade e densidade classista. Esse período foi marcado, sobretudo, pelo protagonismo da luta sindical e ascensão dos movimentos sociais que mesmo com diferentes reivindicações, lutavam pela liberdade democrática e consolidação dos direitos humanos.
Apesar do atraso com que a esquerda brasileira incidiu sobre a luta entre raça e classe, essa efetivação marcou o movimento negro organizado na contemporaneidade e alavancou suas pautas e disputas de projetos societários.
Embora o diálogo seja tenso e ainda esteja em construção, podemos observar que se delineou na mesma conjuntura em que o Serviço Social passou a questionar as suas bases de fundamentação e encarar a intenção de ruptura (NETTO, 2011), buscando reorganizar os caminhos teórico-metodológicos e ético-políticos que lhe dá sustentação.
Apesar desse esforço, pesquisas apontam lacunas quanto a atenção dada aos estudos sobre a questão racial no Serviço Social. Indagamos se a ausência e/ou o tímido debate, conforme apontam as produções de (ROCHA, 2014); (MARQUES JUNIOR, 2013); (FERREIRA, 2010); (RIBEIRO, 2004) e outros pesquisadores da temática, têm relação com o lento processo de incorporação das pautas do movimento negro e da luta antirracista no interior dos movimentos e organizações partidárias de esquerda.
Assim como a construção de um arcabouço teórico- metodológico e sobretudo ético-político no Serviço Social é recente, representado por pouco mais de trinta anos, o debate entre raça e classe possui o mesmo período de tempo. Ousamos afirmar que ambos passaram, e ainda passam, por um significativo amadurecimento teórico-crítico e de táticas e estratégias que foram sendo produzidas nas últimas décadas, e que atualmente expressam importantes legados, apesar de sua complexidade
No que tange ao Serviço Social, sabemos que essa profissão é fruto e expressão de seus agentes (IAMAMOTO, 2002), e as bases que fundamentaram a ruptura com o conservadorismo e que ousou construir uma nova perspectiva, teve como protagonistas os assistentes sociais do período. Muitos deles incorporados nas lutas que eclodiram no período, sobretudo dos agrupamentos de inspiração de esquerda e do novo sindicalismo brasileiro.
Apesar da invisibilidade, algumas poucas produções que discorrem sobre a época nos mostram que, a efervescência do período foi determinante para a incorporação de assistentes sociais no movimento negro e na luta antirracista, como também o protagonismo de mulheres negras assistentes sociais, engajadas no movimento negro e organizações partidárias de esquerda, foi determinante para a incorporação da luta antirracista no interior da categoria profissional no final da década de 1980.
Assim, a escolha metodológica desse estudo está centrada no debate racial a partir das lutas sociais, especificamente do movimento negro[1] no bojo da luta de classes brasileira. Partiremos do legado de Marx à tradição marxista, cujo marco encontra-se na experiência revolucionária da URSS, ou de um marxismo-leninismo que vêm celebrando seu centenário nesse ano.
Dada importância e densidade da discussão, procuramos tecer algumas considerações desse processo histórico com o Serviço Social brasileiro ao final deste trabalho, a fim de apontar que a historia, e o conjunto de determinações que vêm aí impregnado, aponta os caminhos e os descaminhos de uma temática que se encontra, mas que necessita de aprofundamento: o marxismo, a questão racial e o Serviço Social.
A pesquisa bibliográfica e documental sobre a temática apresentada é nosso principal recurso metodológico, mas também contamos com reflexões oriundas de um grupo de estudos e pesquisa sobre a questão racial e o Serviço Social em uma universidade.
2 - O LEGADO MARXISTA E A PAUTA DA OPRESSÃO RACIAL NO MUNDO
No ano de 2018, é comemorado o bicentenário de Marx. A análise marxista da sociedade, seus apontamentos sobre as determinações econômico-sociais e políticas que pairam nas relações de produção e reprodução da vida social e a possibilidade de ruptura inerente à práxis revolucionária, deixaram legados tão significativos que seu pensamento e ação continuam muito atuais.
É importante destacar que o marxismo compreende um método de análise, conhecido como materialismo histórico-dialético, que nos dá base e sustentação teórico-crítica para analisar a sociedade e as relações sociais em sua totalidade.
Embora críticas apontem a ausência do debate racial em Marx, no capítulo 24 d’O Capital há importantes contribuições para a temática em sua época, o que nos possibilita, assim como em toda a sua análise, refletir sobre as relações raciais que se estabeleceram na sociedade.
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