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A criminalidade urbana na visão de Michel Misse

Por:   •  4/3/2022  •  Resenha  •  1.417 Palavras (6 Páginas)  •  157 Visualizações

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A criminalidade urbana na visão de Michel Misse[1]

Elcimar Maria de Oliveira Lima[2]

No texto apresentado por MISSE (2006), o autor se propõe a comentar as cinco teses sobre a criminalidade no Brasil existentes no imaginário social brasileiro que ele denomina de “fantasma concreto”. Ele considera “equivocadas” tanto as teses quanto as críticas dos sociólogos naquilo que ele chama de polêmica atual.

A primeira delas é a tese de que a pobreza é a causa da criminalidade, ou do aumento da violência urbana. Seus contestadores dirigem suas críticas às estatísticas oficiais que induzem a fazer uma “correlação causal direta entre indicadores de pobreza e criminalidade”. Para fundamentar suas posições contrárias à tese, apresentam três argumentos: a) se a pobreza causasse o crime, a maioria dos pobres seria criminosa, e não é, portanto, a pobreza por si mesma não explicaria coisa alguma; b) se a maioria dos presos[3] é composta por pobres, pretos e desocupados é porque a polícia os associa com a criminalidade; c) nas pesquisas os pobres declaram que não se identificam com qualquer carreira criminal.

Misse considera essa tese ao mesmo tempo importante, “incompleta e unilateral” porque, ao mesmo tempo em que é correta ao pretender demonstrar os preconceitos da polícia e da justiça que prende os criminosos pobres e deixa os criminosos ricos livres, aborda a complexidade da questão criminal, atribuindo uma única causa: a pobreza. Em sua opinião, “crime” não seria um privilégio de classes, posto que as estatísticas comprovam que não há nenhuma correlação entre pobreza e criminalidade. Ele argumenta ainda sobre a necessidade de combater a seletividade de certos tipos de crime que é feita pela mídia e pela percepção social para representar a criminalidade urbana.

A segunda tese é a de que o bandido das áreas urbanas pobres (favelas, conjuntos habitacionais, áreas periféricas) é um herói e justiceiro, tipo Robin Hood, que rouba dos ricos para dar aos pobres, uma forma de distribuição forçada da renda nacional concentrada nas mãos de poucos. A base dessa tese, que passou a ser contestada a partir de 1985, tem mais relação com a criminalidade urbana, mais convencional (que se baseia na estrutura do jogo-do-bicho onde a imagem do bicheiro ainda está associada ao “coronel” urbano onde o mandonismo e a patronagem dominam, ainda que nenhum coronel tivesse sua imagem ligada ao herói ou ao Robin Hood), do que com a criminalidade atual. Para os críticos da tese, essa tentativa de fundir a imagem do Robin Hood com a da quadrilha de traficantes tem a pretensão de “dominação legal” destes em relação aos moradores. Misse não a descarta, mas defende que a compreensão dessa pretensão é mais importante do que a denúncia de que é uma tese falsa e hipócrita.

A terceira tese abordada é a de que a criminalidade urbana no Rio é descendente direta dos quilombos, dos capoeiras, das “estratégias de resistência” de negros e mulatos nos morros e favelas, da “ética da malandragem”. O autor afirma que não há sustentação possível para essa afirmativa primeiro porque a argumentação de que há descontinuidade histórica entre os comportamentos sociais criminalizados antes e depois da entrada do tráfico e do crime organizado nos morros cariocas (simbolizada pelo desaparecimento do “malandro simpático”) e segundo porque a imagem do “malandro simpático” também é falsa, pois este também era violento.

A tese de que o migrante tradicional, geralmente nortista ou nordestino, inadaptado nas grandes cidades e lançado à miséria e ao isolamento dos vínculos comunitários, em geral ocupando funções desqualificadas em áreas como a construção civil, é o personagem central da violência urbana também é criticada de forma equivocada na visão do autor, pois ao mesmo tempo em que a crítica acerta, erra por acertar. A baixa taxa de crimes violentos na maioria dos estados nortistas e nordestinos e as condições sociais de recepção destes são e não são verdadeiras. Se assim o fossem, a maioria dos detentos seria desses migrantes, assim como a maioria dos serventes seria criminosa.

Os que criticam a tese de que o aumento da criminalidade violenta é uma dimensão do aprofundamento da luta de classes também estão equivocados em seus argumentos posto que, segundo Misse, existem argumentos contrários em abundância. Os argumentos contra essa tese são baseados no fato de que a maioria das vítimas da criminalidade violenta é composta por pobres e de que o aumento da taxa de crimes violentos não corresponde aos períodos de crise econômica, que aumenta o desemprego e a informalidade.

Para ele é necessário dissociar o crime dos pobres da luta de classes porque a categoria “pobre” não serve para definir classe ou lutas de classe (na tradição marxista), além disso, também não haveria razões para que a luta de classes faça parte dos índices estatísticos porque não há teses que defendam que o crime se organizou contra o capital. Portanto, não haveria qualquer verdade nessa tese.

As conclusões do autor são de que as pesquisas e as teorias a respeito da criminalidade urbana não são suficientes para que se possa contestar de forma irrefutável as cinco teses que compõem a polêmica “atual” porque a coleta de dados, por exemplo, pode conduzir a diferentes roteiros na seleção de infratores investigados pelos pesquisadores e a diferentes resultados que podem ser facilmente contestados por sua “fragilidade científica”, já que o “roteiro típico” da ação policial já é direcionado para uma parcela específica da sociedade. Esse “roteiro” tanto poderia levar o pesquisador a ter uma “visão romântica” do delinqüente pobre como um “pequeno herói”, quanto a deslegitimar a sua “escolha criminal” como se ele fosse um mero instrumento de adultos. O autor também acredita que essas “escolhas criminais” feitas pela polícia, que dirige suas ações para o bandido pobre, estão também relacionadas “às representações sociais que parecem seguir padrões e roteiros semelhantes e que se vinculam, por sua vez, à estrutura social como um todo”.

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