Fichamento Ecologia de Saberes
Por: paulomoe • 3/2/2019 • Pesquisas Acadêmicas • 2.108 Palavras (9 Páginas) • 203 Visualizações
SANTOS, Boaventura de Sousa. Cap. 3. A ecologia dos saberes. SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006 (p.137 a 165).
INTRODUÇÃO
O conhecimento científico é hoje a forma oficialmente privilegiada de conhecimento e a sua importância para a vida das sociedades contemporâneas não oferece contestação. Na medida das suas possibilidades. [...] a razão última do debate tem sido sempre o fato de as formas privilegiadas do conhecimento conferirem privilégios exta-cognitivos (sociais, políticos, culturais) a quem as detém. Só assim não seria se o conhecimento não tivesse qualquer impacto na sociedade, ou, tendo-o, se ele estivesse equitativamente distribuído na sociedade. Mas não é assim. (SANTOS, 2006, p. 137)
O conhecimento, em suas múltiplas formas, não está equitativamente distribuído na sociedade e tende a estar tanto menos quanto maior é o seu privilégio epistemológico. Quaisquer que sejam as relações entre o privilégio epistemológico e o privilégio sociológico de uma dada forma de conhecimento – certamente complexa e, elas próprias, parte do debate – a verdade é que os dois privilégios tendem a conviver na mesma forma de conhecimento. (SANTOS, 2006, p. 137)
Desde o século XVII, as sociedades ocidentais têm vindo privilegiar epistemológica e sociologicamente a forma de conhecimento que designamos por ciência moderna [...] a verdade é que esta nova forma de conhecimento se auto-concebeu como um novo começo, uma ruptura em relação ao passado, uma revolução científica, como mais tarde viria a ser caracterizada. [...] O que distingue o debate moderno sobre o conhecimento anterior ou contemporânea: propôs-se não apenas compreender o mundo ou explica-lo, mas também transformá-lo. Contudo, paradoxalmente, para maximizar a sua capacidade de transformar o mundo, pretendeu-se imune as transformações do mundo. (SANTOS, 2006, p. 138)
Escapou aos meus críticos o que em parece uma evidência se aceitarmos que há uma pluralidade de explicações ou concepções da realidade de explicações ou concepções da realidade – o que me parece consensual – a preferência por uma delas depende dos critérios epistemológicos que adoptarmos. [...] O importante é averiguarmos porque preferimos estes critérios epistemológicos e não outros. (SANTOS, 2006, p. 140)
Dois outros desenvolvimentos, entrevistos em Um Discurso sobre as Ciências, tiveram uma enorme expansão nos últimos trinta anos e são eles que alimentam a perspectiva que designo por ecologia de saberes. São eles a pluralidade interna da ciência e a pluralidade externa da ciência. (SANTOS, 2006, p. 142)
AS CONDIÇÕES DA DIVERSIDADE EPISTEMOLÓGICA DO MUNDO
Apesar de a premissa da unidade estar ainda hoje vigente em algumas das tendências epistemológicas, penso que ela não colhe hoje unanimidade que antes colheu e, pelo contrário, é cada vez mais confrontada com a premissa alternativa da pluralidade, da diversidade, da fragmentação e da heterogeneidade. Esta transformação cultural está articulada com outra que se pode descrever como a passagem do universalismo para a globalização. No início do século XX, o correlato da premissa da unidade era premissa do universalismo, herdada do iluminismo. Tratava-se de um universalismo abstrato, negador das diferenças e atribuindo prioridade ao conhecimento supostamente válido, independentemente do contexto da sua produção. Por isso, também o facto de se tratar de um pressuposto cultural ocidental em nada afetava seu universalismo. Afinal editávamos num tempo em que o mundo que contava era basicamente a Europa colonizadora à qual estavam vastas regiões do mundo, especialmente África e Ásia. A invisibilidade das colônias e das suas culturas era o outro lado da universalidade do conhecimento produzido pela Europa colonizadora. Hoje o universalismo tem vindo a ser confrontado pelo reconhecimento da diversidade epistemológica, ontológica e cultural. Ao contrário do que sucedia no início do século XX, não há uma separação entre os processos de exclusão característicos da dominação colonial e que ocorrem no interior das antigas potências coloniais. Esta indistinção vigora hoje sob a forma de globalização. (SANTOS, 2006, p. 143)
Do meu ponto de vista, assumir a diversidade epistemológica do mundo implica renunciar a uma epistemologia geral. Ou seja, não há apenas conhecimentos muito diversos no mundo sob a matéria, a vida e sociedade; há também muitas e muito diversas concepções sobre o que conta como conhecimento e os critérios de sua validade. Nem todas são incomensuráveis entre si. (SANTOS, 2006, p. 144)
O debate sobre a diversidade epistemológica do mundo apresenta hoje duas vertentes: uma que poderíamos designar por interna, questiona o caráter monolítico do cânone epistemológico e interroga-se sobre a relevância epistemológica, sociológica e politica da diversidade interna das práticas cientificas, dos diferentes modos de fazer ciência, da pluralidade interna das ciências; a outra vertente interroga-se sobre o exclusivismo epistemológico da ciência e centra-se nas relações entre a ciência e outros conhecimentos, no que podemos designar por pluralidade externa da ciência. Trata-se, pois, de dois conjuntos de epistemologias setoriais ou regionais que procuram, a partir de diferentes perspectivas, responder as premissas culturais da diversidade e da globalização. (SANTOS, 2006, p. 144-145)
PLURALIDADE INTERNA
A questão da pluralidade interna da ciência foi suscitada sobretudo pelas epistemologias feministas, pelos estudos sociais e culturais da ciência e pelas correntes da história e da filosofia das ciências por estes influenciadas. Tratou-se, no fundo, de questionar a neutralidade da ciência, tornando explicita a dependência da atividade de investigação de escolhas sobre os temas, os problemas, os modelos teóricos, as metodologias, as linguagens e imagens e as formas de argumentação; de caracterizar, por via da investigação histórica e etnográfica, as culturas materiais das ciências de reconstruir os diferentes modos de relacionamento dos cientistas com contextos institucionais, com seus pares, o Estado, as entidades financiadoras, , os interesses econômicos ou o interesse público; e, finalmente, de interrogar as condições e os limites da autonomia das atividades cientificas tornando explicita a sua relação com o contexto social e cultural em que ocorrem. Ao analisar a heterogeneidade das práticas e das narrativas científicas, as novas abordagens epistemológicas, sociológicas e históricas pulverizaram a pretensa unidade epistemológica da ciência e transformaram a oposição entre as “duas culturas” – a cientifica e a humanística – enquanto estruturante do campo dos saberes, numa pluralidade pouco estável de culturas cientificas e de configurações de conhecimentos. (SANTOS, 2006, p. 145-146)
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